Sem dúvidas, o RZO é um dos grupos mais importantes do rap brasileiro. Criado em 1987 por Helião e Sandrão nas ruas de Pirituba, a Rapaziada da Zona Oeste expandiu ao longo do tempo com a entrada do DJ Cia, DJ Negro Rico, DJ Loo, Anderson Franja, Marrom, Nego Vando, Negro Útil, Nego Jam, Calado e Negra Li. Mesmo não sendo integrantes oficiais, Sabotage e DBS também faziam parte da banca, que ganhou destaque somente em 1996 com a música “O Trem”, apesar de três anos antes ter estreado com o álbum “Vida Brazileira”.
Nesses mais de 30 anos de atividades, o RZO criou clássicos, entre eles “Todos São Manos” (1999) e “Evolução É Uma Coisa” (2003), alçou as carreiras solos de alguns dos seus membros e até iniciou o coletivo Wu-Brasil, uma franquia nacional do Wu-Tang Clan. Essa trajetória cheia de conquistas, perdas, vitórias e lutas é contada pelo pesquisador e escritor Jeff Ferreira no livro biográfico “Assim Que É! – A História do RZO”.
“Olhando para eles como coletivo, podemos dizer que é o maior que o Brasil teve depois dos Racionais MCs, em termos de popularidade e aceitação”, afirma. “Hoje no Brasil tem bastante livros de Hip Hop (tem até poucos se a gente parar pra prensar que o Hip Hop está aqui desde 1983 – 1984)… então estamos falando de 40 anos de Hip Hop, e ainda temos poucos livros, se olharmos no todo. E desse material que se tem, poucos são voltados à biografia. Isso é uma coisa que sempre me preocupou, porque a grande maioria dos livros sobre rap são acadêmicos (estudos de TCC que viraram livros). Eu apoio a pesquisa que as universidades fazem, mas a maioria desses trabalhos é feita por pessoas de fora do Hip Hop. E por sentir falta disso, eu decidi pesquisar e escrever. Sabia que não seria um trabalho fácil, mas, por outro lado, o grupo me ajudou muito por ser midiático… tem participações no Faustão, no Danilo Gentili, na MTV. Assim, ficou um pouco mais fácil escrever sobre eles, pela quantidade de material que tem disponível”
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A História do RZO é um esforço coletivo e foi feito com diversas mãos: Gagui IDV, apresentador do podcast Resenha do Rap assina a revisão da obra, Paulo Brazil, colunista do portal Oganpazan ficou a encargo da preparação e imagens. A foto da capa é do lendário Alexandre de Maio, editor responsável pela revista Rap Brasil, um dos maiores veículos de comunicação do nosso Hip Hop nos anos 2000. Já a capa foi elaborada pelo designer Carlos Felipe Hecht.
Para criar a narrativa, Jeff fez nos últimos anos uma pesquisa elaborada em recortes de jornais, matérias de revistas, textos de sites, blogs, podcasts, lives, (os já citados) programas de TV, e também conversou com pessoas que acompanharam o coletivo em diferentes momentos da história. A partir da discografia, o autor foi em busca de respostas para descobrir o que aconteceu nos (grandes) intervalos que separavam um álbum do outro. Toda essa imersão foi feito sem o apoio ou interferência direta dos integrantes do RZO, que decidiram não dar depoimentos para a biografia.
“Não teve envolvimento do RZO, e esse não é um produto oficial dele. É um produto independente, de fã para fãs, que vão ficar felizes (acredito eu) de saber detalhes sobre a trajetória do grupo. Eles foram procurados de maneira individual (não sei se estão em pausa ou acabou… não sei dizer, mas está cada um no seu canto – sem se falarem, nem trabalhando em conjunto). Procurei o Dj Cia, o Sandrão, o Hélio (alguns falaram que iam responder, mas mandei as perguntas e não tive respostas)… e nenhum deles quiseram ceder entrevistas. Mas mesmo com a ausência deles, o livro está bem completo, porque tudo o que tem de informação foram eles mesmos que falaram para algum jornal, podcast ou live. Então, tudo que tem ali saiu deles e acredito que consegui complementar bastante. Não vejo essa falta de participação deles como algo que prejudicou o trabalho. Com certeza, se tivesse apoio deles dava para entrar mais nas entrelinhas”.
Vale ressaltar que mesmo sem a colaboração dos envolvidos, os escritores podem publicar suas biografias sem a necessidade de autorização prévia. A decisão foi tomada em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após diversos casos envolvendo biógrafos e biografados (o mais emblemático deles é o caso de Paulo César Araújo X Roberto Carlos). No Legislativo também tramitou (em 2011) um projeto de lei (PL 393/11), de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), que prevê a execução de filmes e publicação de livros biográficos sem a necessidade de ser autorizado pela personalidade ou a sua família. Em 2019, o PL foi arquivado pela Câmara e pelo Senado, porém, o decreto do STF permanece vigente.
No caso de “Assim Que É!”, Jeff Ferreira, que também escreveu o livro “30 Anos do Disco Hip Hop Cultura de Rua”, revela que teve um incômodo entre o público do RZO depois que o Helião publicou nas sua página sobre ter conhecimento de que a biografia estava sendo escrita, mas que a história verdadeira era ele quem conhecia.
“Gerou um certo desconforto em muita gente que não pesquisa, não procura saber, e criticou dizendo que é um livro sem autorização do grupo, que é um livro sem aval, que ninguém tá sabendo e que ninguém foi pedir autorização para o grupo”, observa. “Primeiro que a gente não precisa dessa autorização para escrever, senão seria censura… e por mais que o Brasil viva um desgoverno, a gente é livre pra fazer esse tipo de coisa. Depois da decisão judicial do STF, todo o biógrafo pode escrever sobre quem ele quiser sem autorização. Porém, se o biografado achar que o que está escrito ali não condiz com a verdade ou o difamou de alguma forma, ele pode entrar com uma ação judicial. Mas não corro esse risco, porque o livro é uma homenagem ao grupo, que fala bem do RZO e não entra em polêmicas da vida pessoal. Eles foram informados sobre a produção e ninguém em momento algum tentou barrar, pelo contrário, até falaram que iriam ajudar, mas não ajudaram”.
Mesmo antes de ser lançado, o livro de 350 páginas foi chamado por alguns fã de fake e pirata, pelo fato de não estar oficialmente autorizado pelos cabeças do RZO. Isso também chegou a prejudicar o crowdfunding iniciado para viabilizar o projeto. A meta é arrecadar R$ 8.000 (oito mil reais) – até 20/06/2021 -, sendo 70% do valor adquirido para a produção do livro (impressão, projeto gráfico, registro da obra e logística para entregar o livro aos apoiadores), 13% para o Catarse (ferramenta que faz a ponte entre o projeto e apoiadores), e os 17% restantes serão empregados nas recompensas, de acordo com o tipo de apoio escolhido (marcadores de páginas, adesivos, pôsteres e o livro 30 Anos do “Disco Hip Hop Cultura de Rua”).
Primeiro impresso editado pela Dando a Letra, “Assim Que É! – A História do RZO” abre uma série de publicações que chegarão à prateleiras ainda em 2021 pela editora totalmente dedicada ao universo literário do Hip Hop e música underground. Além desse, Jeff já tem no esquema para um livro sobre a explosão do trap.
“Ele nasceu de repente e terá o título “Trap é hip Hop? – As metamorfoses do Rap”. Eu escrevi ele em abril de 2021, depois de menos de 30 dias de pesquisa e escrita. Foi bem intenso, mas eu consegui fazer em menos de 1 mês. O Danilo Cruz (editor do Oganpazan) vai assinar o prefácio, e a intensão é lançar no em 08 de agosto, para aproveitar a data 808, para fazer a princadeira com o timbre da Roland TR 808, que é um dos elementos mais característicos do trap”, reflete. “E ele vem exatamente para responder essa pergunta, porque muita gente, principalmente os oldschool, não aceitam o trap por achar que ele não faz parte do Hip Hop, que não tem nada a ver. E a gente faz essa pesquisa mostrando como trap nasceu, como se desenvolveu, como chegou no Brasil, como ascendeu e qual será o seu futuro.”