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Conversa rápida com o Marcão Baixada sobre “MEU MELHOR RAP DO ANO

Antes de soltar MEU MELHOR RAP DO ANO, o Marcão Baixada deu uma amostra do que estava por vir com o short filme [preto e branco] “Ninguém Sabe”. Em 1 minuto, ele conseguiu transmitir as ideias que tinha em mente. Mas o título do curta deixou uma dúvida: o que ninguém sabe?

“Essa frase por si só pode significar várias coisas relacionadas ao meu trabalho, mas dentro do contexto do short film, tem muito a ver com a invisibilização que rola com os artistas da Baixada Fluminense”, observa ele. “Entenda, estamos baseados no Rio de Janeiro, que hoje é um dos principais expoentes da cena Rap no Brasil, mas numa região que existe à parte da cidade do Rio, mais precisamente à parte do eixo Centro-Zona Sul, que é onde de fato se concentra a renda e a rotatividade da cena cultural no estado do RJ como um todo”. 

Sob a produção do Neguim, o MC descarrega o seu arsenal. Mas não sai atirando para todos os lado. Sabe qual é o seu alvo. E o atinge com precisão. Não segue as regras, porque não está satisfeito com ela. Por isso dá o papo reto, do jeito que a rua sempre fez. “Tem que existir esse espaço de diversidade de sonoridade e no discurso e todos têm que ser abraçados por igual, alguns até mais que os outros. Quando não rola isso, a gente chega no momento que estamos agora, em que tudo soa muito igual, e parece que só existe isso de Rap pra quem tá vendo ‘de fora’ e da forma que a indústria impulsiona o gênero”.

O videoclipe de MEU MELHOR RAP DO ANO também está fora dos padrões esperados, mas causa impacto. É sobre os detalhes conceituais do projeto e planos futuros que Marcão Baixada trata nesta rápida conversa.

Você adiantou a música com um filme de 1 minuto que deu uma visão do que estaria por vir. Mas ficou uma dúvida: o que ninguém sabe?

O título do filme vem da frase da introdução da música (A real é que… ninguém sabe que eu tô aqui). Essa frase por si só pode significar várias coisas relacionadas ao meu trabalho, mas dentro do contexto do short film, tem muito a ver com a invisibilização que rola com os artistas da Baixada Fluminense. Entenda, estamos baseados no Rio de Janeiro, que hoje é um dos principais expoentes da cena Rap no Brasil, mas numa região que existe à parte da cidade do Rio, mais precisamente à parte do eixo Centro-Zona Sul, que é onde de fato se concentra a renda e a rotatividade da cena cultural no estado do RJ como um todo. Tipo, eu já circulei no cenário, fiz algumas músicas que ficaram conhecidas e outras nem tanto, mas basicamente dentro dessa realidade, meio que rola uma certa imposição de que pro seu trabalho artístico virar, você deve estabelecer relações de poder com a classe média que habita e orbita nesse eixo Centro-Zona Sul; e meio que se não for por esse viés, ninguém vai saber que nós estamos aqui. Eu trago essa visão a partir da Baixada, mas é o mesmo com a Zona Oeste e foi assim com a Zona Norte no passado, que de certa forma conseguiu furar um pouco da bolha e quebrar essa lógica.

Por que esse é o seu melhor rap do ano? Depois dele não terá mais nenhum em 2020?

Porque eu acho que esse é o melhor rap que eu poderia ter feito pra esse atual momento que vivemos dentro da cena, mas tenho planos sim, de lançar mais coisa esse ano! Tem uns feats previstos pra Agosto… Um deles, com a banda de hardcore Circus, daqui do Rio. Tô bem feliz com essa parceria, até porque o HC me influenciou e influencia muito. A música nem saiu ainda, mas o Andreas Kisser do Sepultura já até tocou ela n’A Rádio Rock no último fim de semana.

Você também faz uma crítica ao status quo do rap atual em que coisas superficiais tem ganhado mais destaque do que realmente importa, principalmente na sociedade. 

A crítica que eu tento a tecer não é direcionada a superficialidade ou pra dizer o que é relevante ou não dentro da cena. Acho que cabe ao público decidir isso, mas também entendo que talvez nós enquanto artistas, em algum momento falhamos em não educar mais nosso público, a ponto de não existir um filtro em que possam entender que tem que ter espaço pra tudo, saca? Tem que existir esse espaço de diversidade de sonoridade e no discurso e todos têm que ser abraçados por igual, alguns até mais que os outros. Quando não rola isso, a gente chega no momento que estamos agora, em que tudo soa muito igual, e parece que só existe isso de Rap pra quem tá vendo ‘de fora’ e da forma que a indústria impulsiona o gênero. Aí vira fórmula e todo menor que começa a fazer Rap visando alguma projeção a segue religiosamente. Isso faz com que a forma que se mede o sucesso deixe de ser saudável, porque o que você tem (ou fala que tem) e os números de plays é que passam a definir o sucesso. Isso é tóxico, porque qualquer artista ou ouvinte que se propõe a produzir ou consumir algo fora dessa lógica, não se sente contemplado. Essa visão que foi estalo pra compor a letra; e o beat do Neguim. (Neguim Beats) contribuiu pra lapidarmos o papo que tava sendo dado.

E como foi todo esse processo de construção da música? 

Com a pandemia, foi tudo via internet… E-mail e chamada de vídeo, basicamente. O Neguim tá morando na Austrália e mandou o beat, eu gravei aqui em casa num esquema de gambiarra pra isolar o som e o DJ LN mixou e masterizou. A única parada que eu tive que sair de casa, foi pra gravar o clipe, mas respeitando todos os protocolos de prevenção contra a COVID e trabalhando com uma equipe bem reduzida. Depois de muita troca com o Vladmir Ventura fazendo a capa, e editando o clipe com o Higor Cabral, por chamada de vídeo, acredito que chegamos no resultado que a música pedia, dentro das nossas limitações.

Além de artista, você também está na linha de frente da Mondé. Como tem sido trabalhar a sua carreira e ainda ajudar outros artistas a direcionarem seus trabalhos?

Eu fiz tanta coisa com a Mondé no passado, que nem sei porque não oficializamos a relação antes! (risos). O Baile da Mondé já rolava há uns anos atrás e eu já era o Mestre de Cerimônias. O Gabriel Marinho, CEO do selo, também é músico e engenheiro de áudio, e foi responsável pela gravação, mixagem e masterização dos remixes de “Bang Bang”, incluindo a versão com o Nectar Gang. Tinha feat meu no álbum do “Carta Na Manga” que havia saído pelo selo. Mas só em 2018 formalizamos um contrato de distribuição. Desde então venho lançando pouco material em comparação ao ‘novo normal’ em que a galera lança 1 som por mês (ou até mais), mas temos compartilhado muitas referências e a partir disso, chegando numa direção musical pro meu trabalho. Sem contar o lance de aliviar o peso da bagagem. Sempre fui eu, eu e eu. Às vezes com amigos ajudando, logicamente, mas no geral sempre fui eu produzindo, gravando, mixando, masterizando, fazendo capa, lançando, cuidando de assessoria, etc. das minhas próprias músicas. E hoje ter a Mondé correndo junto, eu consigo me dedicar melhor à compor e fazer beat sem ter que me desdobrar tanto em outras funções não tão ligadas à criatividade. Essa coisa de eu ser independente e a Mondé estar ali dando suporte em algumas frentes que a minha mão não alcança, é um ótimo modelo que acredito que possa ser trabalhado com outros artistas do selo. Além disso a Mondé traz a visão do #blackmusicbusiness, que é um movimento que visa discutir a inclusão dos pretos no mercado fonográfico, pra além dos palcos, holofotes e clipes, mas sim no backstage. Acreditamos que isso é essencial pra mudar muita coisa e tornar o mercado e a cena mais inclusivos em todas suas camadas.

Quais são seus próximos planos?
Essa direção musical que a Mondé tá desenvolvendo pro meu trabalho tá sendo importantíssima pra definir os próximos planos. Ao longo da minha carreira já lancei single, EP, mixtape, remixes, freeverse. Fiz parte do #ComboIO, que viajou pra Europa, ganhou competição mundial de Hip Hop e lançou um disco, mas eu mesmo não tive meu álbum de estreia. Por mais que minhas mixtapes tenham duração de álbum, a forma como trabalhei nelas é de mixtape mesmo. Compilei algumas rimas nuns beats e dropei. Então sinto que o álbum é o que falta pra eu concluir um ciclo dentro do que me proponho a fazer artisticamente no Rap. O que vier depois é uma outra página que nem eu sei, mas preciso terminar de escrever essa.

*Foto: Higor Cabral

Indicamos também: Escute o que o Dudu tem pra dizer em “Acídia”. Leia aqui.

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