O consumo de música lo-fi (de Low fidelity) cresceu consideravelmente no Brasil nos últimos dois anos. Esse estilo está alicerçado nos beats eletrônicos, mas possui uma cadência menos agressiva. Pela textura relaxante, que suaviza as batidas e destaca os teclados e sintetizadores, o (também chamado) “Hip-Hop Lo-Fi” se tornou um agradável acompanhamento para os estudos, trabalho e meditação.
Um dos responsáveis pela “popularização” do gênero é o beatmaker, produtor e multi-instrumentista Rico Manzano. Suas mais recentes contribuições estão no EP “Tropical Lo-Fi”, que une o que tem sido produzido nestes mais de 10 anos de consolidação com a musicalidade latina, principalmente do Brasil. Esse também pode ser mais um passo evolutivo do som utilizado apenas como background para deixar o ambiente colorido.
“Tudo o que ouvia de lo-fi não tinha uma densidade artística profunda”, diz ele ao RAPresentando. “Era muito leve, como se o lo-fi fosse uma música de fundo, como paisagem ou quando se referia à América Sul sempre era um lance muito ligado às paisagens, alguém tomando um drink na praia… a uma coisa muito leve, mas queria trazer um outro lado dessa história. Um lado mais denso, mais nu, mais cru, que é o lado de lutam de sangue da América do Sul”.
Um dos sons que mais evidencia essa identidade latina é “El Pueblo”. Há uma fusão com funk, que cria uma textura chill baile, e um sampleou parte do discurso do ex-presidente chileno Salvador Allende em 1973, no dia foi derrubado pelo golpe militar do general Augusto Pinochet. “Queria fazer uma mistura grande dos nossos ritmos, nossos estilos… essa riqueza musical que a gente tem aqui”, observa.
Para este título, Manzano convidou o bailarino Felipe Silva para uma performance de dança no vídeo rodado no Centro Cultural Vila Itororó, complexo de edifícios históricos, restaurado e reinaugurado recentemente em São Paulo, e dirigido por Joaquim Tomé.
A coreografia também tem suas particularidades, porque não segue um padrão. É uma mescla do balé clássico com movimentos de breaking e passos de funk. Mas Felipe não apenas protagoniza, também narra sua trajetória. “A arte me leva a lugares, me apresenta pessoas e me faz sentir quem eu sou de verdade. Não é fácil. Nunca foi… muito menos no Brasil”, enfatiza no início do filme. “Eu me cobro muito todos os dias. E por ser preto tenho que ser o melhor para conseguir acessar o protagonismo”.
Feito despretensiosamente em 2 semanas durante o isolamento, o EP possui diversas nuances. Flerta com o jazz, o R&B e variadas sonoridades brasileiras. E diferente das populares “rádios” de lo-fi transmitidas 24h nos canais do Youtube, os minutos são reduzidos, mas necessários para viajar pela América do Sul por um outro caminho.
“O objetivo era trazer um outro lado da nossa história, que é o lado de luta, de sangue, que deve ser abordada de diversas formas. Então, eu até use o nome tropical lo-fi para fazer essa referência, mas ter como contraponto a imagem e no som para trazer essa densidade sul-americana. E também se identificar como parte dessa região. Às vezes, nós como brasileiros não temos essa percepção que também somos latinos também”.