Da Linha 8, no bairro da Liberdade em Salvador, na Bahia, Ravi Lobo é um diamante bruto que não precisa ser lapidado para que sua beleza seja observada. Se ele já chamava a atenção no coletivo Rap Nova Era, a habilidade com as palavras fica ainda mais evidente no EP que marca sua estreia solo, “Shakespeare do Gueto”.
Essa auto-associação ao poeta e dramaturgo inglês pode até parecer exagerada, porém o MC prova o contrário. Não que sejam comparáveis, mas cada um compartilha sua realidade de uma forma sofisticada, honesta, realista e atemporal.
“Depois de 10 anos no grupo, eu senti que precisava me reinventar. Tinha vontade de criar algo diferente e estava esperando o momento certo para começar algo solo”, diz ele ao RAPresentando. “Me identifiquei com o drill e aí comecei a escrever outras coisas e renovar também, de forma que eu fosse livre para criar do meu jeito”.
Entre aqueles que o incentivaram a criar algo com sua própria identidade estava Baco Exu do Blues, que colocou algumas rimas em “Uber Black”. Além da parceria e de acreditar no potencial dessa primeira empreitada, Baco também deu suporte para as gravações dos outros 7 sons, que são assinados por JLZ, Raonir Braz e Nath.
As produções agressivas acompanham o conteúdo lírico, que refletem a vivência do interlocutor nas ruas da sua área, tanto os perigos quanto os prazeres. Para complementar algumas delas, foram convidados Diomedes Chinaski, Suiky, Migas 49 e Cronista do Morro.
“Cada um se propôs com amor”, afirma. “Baco e Suiky foram as primeiras pessoas que gravaram e isso deu início a tudo que foi sendo construído. Com a Cronista do Morro lançamos um clipe antes do lançamento completo (“Manda Buscar”), depois convidei o Diomedes Chinaski e também um novo parceiro de Cabo Verde, o Migas 49”.
Concisa, essa primeira entrega oficial mostra que não existe apenas um caminho a ser seguido, como a maioria acredita. Não tem leveza, muito menos perda de tempo com assuntos desnecessários. Até na mais ‘soft’ “Sonho com Você”, ele mantém a sobriedade. Tudo isso pode até gerar um incômodo dos mais puristas, porém essa é a fórmula criada por ele para ressaltar que o rap feito no Nordeste tem “bala para trocar”.
Ravi Lobo também dá amostras de que pode ser mais um a furar a bolha que privilegia o Sudeste. É provável que leve algum tempo, mas com persistência ele chega lá.
“Quero que as pessoas enxerguem que eu venho com a estética da Bahia, incluindo os instrumentais, que sem eles a música não seria a mesma”, ressalta. “Não é a estética de Londres ou de balaclava. Minha estética é mostrar o rosto e trazer verdades, tocando sempre na ferida e tentando incentivar as pessoas a pensarem e agirem de forma positiva, principalmente as do gueto e as crianças da minha quebrada”.
Foto capa: Lane Silva