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Mais que um show de rap: Racionais fizeram história no Rock In Rio

Por toda a estrutura e, principalmente, pela trajetória, eles mereciam o Palco Mundo. Apesar disso, eles cumpriram o papel com maestria.

O cenário montado parecia não estar pronto. Basicamente, era uma escadaria cinza com três espaços quadrados a serem preenchidos. Da esquerda para a direita, as caixas abertas na parte do meio tinham inscritas na parte inferior o nome iluminado de quem ficaria em cada uma das posições: Will, KL Jay e Ajamu. Os três seriam os responsáveis pelos instrumentais dos Racionais no Palco Sunset do Rock In Rio.

Enquanto o DJ KL Jay testava os equipamentos, o público foi tomando o espaço. A mudança de tempo já mostrava que a chuva cairia em algum momento. A intensidade que veio nas horas subsequentes não foi tão considerável quanto a entrega de Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e Lino Krizz no tablado gigantesco.

Na introdução, eles recriaram cenas do clássico filme “The Warriors” no vídeo de introdução. Os takes foram gravados na estação Capão Redondo (Linha 5 Lilás) do Metrô de São Paulo. Após as imagens do longa de 1979 com as captadas na noite de SP, o trem surge e um bonde gigantesco desce. Como se fossem membros das gangues nova-iorquinas, os três MC’s e seus parceiros vestem coletes pretos. Onde era para estar o nome da gangue está escrito Corposó, uma marca de roupas do Capão Redondo. O símbolo é um macaco bombado pronto pra batalha.

 

 

O pavio foi aceso com “Artigo 157”. A música explode nos falantes ao mesmo tempo em que uma série de fogos de artifícios ilumina o céu cinzento da Cidade do Roque. Nessa, já foi possível perceber “quem é quem” na plateia de milhares de pessoas. A maioria, sem dúvida alguma, estava ali para ver qual era). A quebrada, de fato, não marcou presença em massa, apenas uma pequena parcela dela foi representada. Olhando de um lado para o outro percebesse a diferença: uns cantam verso a verso, se emocionam e choram, outros só observam, balançam a cabeça no ritmo das batidas, levantam a mão e se impressionam.

Há uma mescla de “hits” de “Nada Como um dia após o outro”, “Cores e Valores”, e “Capítulo 4, Versículo 3” – esse menos que os outros. Todos estão conectados, porém esse entrosamento parece ter seus desencontros. No centro das atenções estão sempre Brown, Blue, Lino e o conhecido palhaço vestido com as cores da Fundão (laranja e preto). Uma moto de alta cilindrada, provavelmente BMW, circula de tempos em tempos. Os figurantes também dão seus rolês, falam ao telefone público instalado, interagem. Edi Rock parece deslocado, coadjuvante. Quando não assume a frente nos sons que interpreta, ele se “esconde”. Vez ou outra vai para a lateral direita do palco e permanece lá por um tempo.

Isso não diminui o poderio de fogo, mas chama atenção de quem observa todos os detalhes. O ápice acontece quando os pianos de “Capítulo 4, Versículo 3″. Essa parece ser de conhecimento geral, assim como” Vida Loka pt.1″, “Jesus Chorou” e “Vida Loka pt. 2”. A descontração acontece durante “Eu Compro”, quando um grande baseado inflável é compartilhado com os presentes.

Falar explicitamente de política -seja na indicação ou crítica de candidato X ou Y – estava proibido pela organização do festival por causa do período eleitoral. Mas só dos Racionais serem protagonistas do maior festival de música e entretenimento do mundo, mesmo não sendo no palco principal, já era em si um ato político, considerando todos os paradigmas que tiveram que quebrar durante os mais de 30 anos de rap.

 

Imagem de celular

 

Isso não quer dizer que esse momento não aconteceu. O primeiro ato foi com “Mil Faces de um Homem Leal”, enaltecendo o ativismo de Carlos Marighella – inimigo número um da Ditadura Militar, que é defendida pelo atual presidente. Mas a posição foi enfatizada com “Negro Drama”, que enquanto Edi Rock e Mano Brown a cantavam, o telão atrás deles mostrava as fotos com o nome e idade de pessoas negras vítimas da violência causada pelo racismo à brasileira e também pelo estado, como a própria vereadora Mariele Franco, Cláudia, Ágatha Cunha, João Pedro, Moïse Kabagambe.

Por algum motivo, as imagens não ficaram até o final do som, sendo substituídas pelo vídeo do próprio show. Isso aconteceu depois da foto de Mariele ter ficado por um tempo. Em duas ocasiões houve tentativas de levantar o corriqueiro coro “Ei, Bolsonaro vai tomar no c*”, mas não ganhou força em ambas.

Ao final da performance, o clima estava bem parecido com o da cidade de São Paulo. A garoa fina caiu abençoando o momento histórico encerrado com “Quanto vale o show”. Por toda a estrutura e, principalmente, pela trajetória, os Racionais mereciam o Palco Mundo, muito mais que vários outros artistas que passaram por lá – inclusive internacionais. Talvez a organização tenha subestimado demais o poder de fogo deles, assim como de outros artistas colocados em palcos menores. Apesar disso, eles cumpriram o papel com maestria. Fizeram um espetáculo, e mostraram que existe a necessidade cada vez mais urgente do rap brasileiro (e o funk) ocupar aquele espaço.

 

Indicamos também: Pioneirismo no rap, frustrações e aprendizados; Uma conversa sincera com Cabal & Terra Preta. Leia AQUI.

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