O coronavírus começa a disseminar pelo mundo, porém a OMS ainda não decretou pandemia. Na praça de alimentação do único shopping de Valinhos, no interior de São Paulo, aguardo João Duarte, mais conhecido no rap como JD On Tha Track. Em poucos minutos ele chega tranquilo de camiseta branca, que destaca a corrente de diamantes com as iniciais do seu nome, calça jeans e tênis Dolce & Gabbana.
No primeiro momento, ele parece tímido, fechado. Vamos para um lugar com menos movimento. Aí, o produtor se abre e a conversa flui.
Atualmente JD reside em Atlanta e é responsável pelo beat do hit “Pop Out”, do Polo G, que já recebeu 4 discos de platina. Mas esse é apenas um da extensa lista de parcerias e certificações do produtor de 23 anos de idade. No currículo dele ainda tem Lil Tjay, NBA Young Boy, Hoodrick Pablo Juan, Lil Durk, Zaytoven.
Quando começou a produzir?
Comecei em 2012 com o Fruit Loops…
Geral começa no FL, mas depois muda para outros. Você ainda usa ele?
Pra mim é o melhor. Não mexo com nenhum outro além do Fruit Loops. Tem muita gente que não usa, outros não curtem. Mas vai de cada um.
Começou produzindo quem?
Comecei produzindo o Fat Trel, de Washington, tá ligado? Depois que produzi ele, as portas foram se abrindo. Produzi muitas dele… aí, comecei a produzir os caras de Chicago, indo do menor ao maior. Foi assim que o meu trabalho foi crescendo cada vez mais.
Como fez essas pontes?
Tudo on-line. Pegava o contato deles e enviava uns beats. Os caras curtiam e pediam mais.
E no Brasil?
Aqui eu trampei com alguns, mas poucos. Vou trampar com o Jovem Dex, com o Derek também… e o The Boy, Caverinha, Luccas Carlos e Karol Conka. Só pra mencionar alguns…
Se estilo de produção está mais focado no trap. Desde o começo, você segue a mesma linha ou foi lapidando conforme o tempo?
Assim, tem vários estilos de trap, manja!? Tem uns trap melancólico, uns trap mais de rua… Eu estou entre os dois. Mas depende co cara. Por exemplo, o Hoodrich Pablo Juan é rua total. Aí você manda os mais pesados, os melancólicos você guarda pra outro cara. Pode ser que eu mande vários beats, ele curta um deles e lance a parada.
“Atlanta é bem rua. Então, você vai pro estúdio e vai ver (arama) Glock, xarope, lean. Você não vai ver nenhum cara desarmado, por exemplo. É mais para se protegerem mesmo.”
Como saber o que determinado rapper quer?
Tipo, ele pergunta: qual beat você tem? Aí eu já sei o estilo do cara, já sei o tipo de som que ele vai curtir. No caso do Pablo Juan é os mais pesadão. Mas se for pro estúdio com o Polo G, por exemplo, Lil Durk… o Lil Durk é muito variado, pode curtir de tudo.
Mesmo estando num mercado cheio de grandes produtores, você conquistou seu espaço e já ganhou diversos discos de platina…
Quatro vezes platinas e acho que cinco de ouro. Isso é sensacional, uma benção… Hoje eu foco muito no meu trabalho. Quando eu estava começando eu me espelhava em outros produtores.
Tinha algum que virou sua referência?
Antigamente curtia muito Lex Luger… Ele era influência pra todos. Da minha geração, ele e o Southside eram os caras mais fodidos.. O Southside acho que até hoje, porque ainda tá fazendo uns trampos aí foda… O DJ Spinz também.
Há um desligamento do mundo externo quando entra no estúdio?
É eu e o cara que eu tiver produzindo, ou então é eu e eu. Isso também depende do dia. Tem dia que eu posso estar no estúdio com alguém, sozinho… aí ligo pra algum cara colar, depende muito.
Tem produção todo dia?
Praticamente todo dia… quando eu estava lá (nos EUA) sim, aqui não. Aqui estou dando uma relaxada, digamos assim. Mas lá era todo dia. Se não fosse no estúdio era em casa mesmo. Em casa tem tipo um home studio. Então é lá que eu trabalho quando não vou pra algum estúdio.
As parcerias são escolhidas de que forma?
Muitas delas acontecem naturalmente, mas algumas por que eu quero, e de alguma forma faço acontecer…
Os gringos preferem fechar com um produtor que eles já conhecem ou experimentam outras opções?
Alguns são fechados com aqueles que eles já trabalham, mas outros curtem trabalhar com produtores novos. Por exemplo, tem vários que não curtem fechar com outro produtor. É sempre o círculo que fecharam e é aquilo… Tem uns que aceitam, porém vários são bem fechados. Pra você entrar ali no bolo é foda.
Já conseguiu furar uma dessas bolhas?
Sim! Com o Pablo Juan, por exemplo. Ele é fechadão. Não trabalha com ninguém que tá fora do círculo dele… Eu consegui por causa do gerente dele que me apresentou. Aí, ele ficou mais confortável.
Tem esse lance de ser aceito por causa das indicações…
Lá tem muito disso. Você tem que ter indicação. Tem que ter alguém que faça essa ponte. Isso é muito importante.
Enxerga alguma diferença entre o trap feito no Brasil e nos Estados Unidos?
Tem muita diferença! Mas eu acho que cada um tem seu estilo. Cada um faz do jeito que acha melhor.
Aqui há uma pequena “treta” entre aqueles que curtem trap e os mais conservadores do rap…
… Ah é? Eu não sabia disso não.
Aqui rola muito. Os antigos meio que não aceitam o trap como parte da cultura…
Mas pra mim, mano, não tem essa diferenciação. Pra mim é tudo rap, tá ligado. Não tem diferença um do outro. Você pode ouvir um som e dizer: “isso aqui é rap”. E o trap é rap também. E lá (nos EUA) é assim também. É tudo rap. Os caras não chegam e falam: vamo fazer um trap! Não tem nada a ver. Essa parada é aqui do Brasil.
O rap, em ralação a indústria da música, é muito mais valorizado do que no BR?
Tem muito mais oportunidade que aqui. Há mais espaço (entre aspas) pra você crescer. O rap está no mesmo nível do pop. Num nível muito bom.
Com essas oportunidades também é mais fácil para um rapper novato conseguir alavancar a carreira rapidamente e chamar a atenção de uma gravadora?
É foda! Primeiro você tem que construir sua fanbase. Depois de criar uma fanbase, ficar mais ou menos conhecido… Vamos supor que você lançou uma música, tá ligado!? E a música tá bombando… atingiu 5 milhões, 7 milhões (de plays). Aí as gravadoras vão ficar de olho. Depois disso vão chegar várias propostas. Você escolhe pra qual vai. Com um contrato fica tudo mais fácil. Mas assim, pra entrar em uma gravadora é foda. Não é tão fácil. Tem que chamar muito a atenção, tá ligado!?
Qual é a estratégia deles para fazer um som bater a casa dos milhões de views/plays?
É eles mesmo. A música toca as pessoas. Há uma identificação… e o público vai vendo que a música é boa e que o cara tem talento… Não é nada comprado (views/plays). É tudo autêntico. Se bateu 5 milhões, é realmente 5 milhões.
Atlanta é o berço do trap e é onde você está estabelecido. A vivência ali é, de fato, real?
Sim, total. Tudo que eles cantam é real. Os relatos sobre algo não é nada fabricado, não é fake. E Atlanta é bem rua. Então, você vai pro estúdio e vai ver (arma) Glock, xarope, lean. Você não vai ver nenhum cara desarmado, por exemplo. É mais para se protegerem mesmo. Mas se você for pra Los Angeles não tem nada disso. É bem diferente.