A tecnologia é uma aliada, principalmente para quem está distante, porém em alguns momentos ela se torna uma pedra no sapato. A conversa com a Iza Sabino estava marcada para 14hs de uma terça-feira ensolarada. Mas o Google Meet decidiu atrasar nosso lado. Depois de cair algumas vezes, finalmente conseguimos. O que não faltou foi a repetição da tradicional pergunta: tá conseguindo me ouvir agora?
Mantendo as tradições mineiras, Iza é tranquila, fala calmamente e sorri fácil. Depois de fazer parceria com o FBC no disco “Best Duo”, ela faz seu voo solo com “Glória”. “Lá tem várias faixas que tratam de relacionamentos abusivos, relacionamento aberto, racismo, entre várias outras coisas, onde eu trago a ideia que eu quero alcançar a glória, mesmo com as dificuldades”, diz ela. Na troca de ideias, a cantora/compositora/rapper também fala do espaço das mulheres no rap, sua descoberta como artista, o processo de composição e a parceria com o Coyote.
Quem é Iza Sabino?
Eu sempre tive essa vontade de contribuir com o empoderamento, principalmente para as mulheres negras terem mais visibilidade na cena (do rap). Acho que a definição de Iza Sabino é isso, como artista. Eu tenho 22 anos… tenho muito que aprender ainda… estou aí na cena para fazer a revolução, tá ligado!? Eu acho que é isso que eu abordei nesse álbum, trazendo várias pautas que são necessárias (principalmente para a mulheres negras). Acho que o álbum Glória em si também me define.
E por que Glória?
Então, glória tem um significado muito forte né, véi!? Sempre que as pessoas falam glória, elas se remetem a religião e essas coisas relacionadas. Mas não é só baseado nisso, tá ligado!? O significado da palavra em si é muito bonito… e eu acho que quando uma pessoa alcança a glória é muito bonito… como eu falei, as pautas que eu trouxe no álbum não tem nada de bonito, são assuntos problemáticos que e procuro alcançar a glória. Foi por isso que eu coloquei esse nome. Lá tem várias faixas que tratam de relacionamentos abusivos, relacionamento aberto, racismo, entre várias outras coisas, onde eu trago a ideia que eu quero alcançar a glória, mesmo com as dificuldades.
Os assuntos são difíceis, mas (principalmente nesse momento) precisam ser abordados. E esse também é um papel do rap de dar voz aos oprimidos e combater os opressores. Por outro lado, esse mesmo rap desde sempre foi muito machista. Mesmo assim as mulheres estão fazendo suas vozes ecoar, mas de fato elas estão sendo ouvidas?
A gente sempre teve muita força, mas acho que esse espaço que a gente está tentando construir deveria sempre ter existido. Essa coisa da visibilidade feminina dentro do rap é muito triste, porque era pra ser algo mais normal… era pros caras ter o senso de que nós é mais que o refrão e que a gente tem muita coisa pra falar, muita coisa pra desenvolver. Ainda tem esse machismo, porém eu meio que procuro passar outra visão, tipo assim: bater de frente, porque é uma coisa que me incomoda. várias entrevistas que eu faço o cara fala assim: “ah, como que é a questão das minas terem pouca visibilidade dentro do rap”? Tipo assim, eu cheguei a conclusão que essa pergunta, se pá, tem que ser feita pros caras, tá ligado? Qual atitude eles podem tomar dentro da cena, sabendo desse problema, sabendo dessa situação. Cabe a vocês (homens) mudarem isso. A gente tem nossa opinião, e realmente tem esse tipo de invisibilidade na dentro da cena e tal, mas isso é algo mais pros caras refletir e procurar mudar, e dar mais espaço. Seria mais fácil se fosse dessa forma.
E você trata dessa questão em “Pretas na Rua” com a Tasha & Tracie. E creio que essa problemática é fomentada pelo público, imprensa, o mercado e a sociedade. Isso precisa ser resolvido por todos que consomem e estão dominando esse (famigerado) “jogo”.
Eu estava conversando com uma amiga esses dias que a gente não vê muitas mulheres no samba, no pagode… igual você falou, não é só dentro da cena do rap. No álbum, eu usei as falas da Elza Soares, porque ela fala dessas pautas. E eu gosto muito de comparar as relações que as artistas do passado tinham (as dificuldades que tiveram que superar pra fazer o trabalho acontecer) com o que a gente faz agora, sacou!? E tipo assim, sem sombra de dúvidas antes foi muito mais complicado, muito mais difícil e muito mais limitado. Elas não tinham voz, não tinham espaço, não tinham vez e era aquela coisa: só refrão. Antes pra fazer uma coisa no rap tinha que ter uma voz melódica. Por isso, no meu álbum eu faço diferentes variações de vozes e eu gosto muito de rimar. Então, meio que quebra isso porque abre a visão para muitas coisas. É uma virada de chave pra quem se limita por causa disso, porque eu, realmente, tinha vergonha de cantar, porque minha voz é um pouco grave e eu achava que não conseguia. Até que eu saquei que arte é arte, eu posso fazer tudo o que eu quiser dentro da música. Então, se eu tenho vontade de fazer eu faço. Acho que esse álbum pode desencadear isso em outras minas, tá ligado!? A sensibilidade de fazer várias outras coisas dentro da música.
Seu trabalho é bem versátil. Teve momentos que eu fiquei em dúvida se realmente era você cantando ou alguma participação. Isso mostra uma facilidade para interpretar. Como que foi essa constrição artística? Teve algum momento chave que você se descobriu artista?
Foi em Best Duo (risos). Depois de Best Duo eu vi o que eu realmente queria ser. Foi uma coisa que eu enxerguei gigante, entendeu!? Foram essas variações de vozes que eu fiz com o FBC que eu descobri que conseguia fazer isso. E é por isso que eu falo: às vezes outras minas precisam ver alguém, para tentarem e saber que podem também ser e fazer coisas diferentes. Best Duo foi uma coisa muito nova pra mim. No rap foi bem diferente, tanto de beat quanto de ideias. Mas isso desencadeou um auto-conhecimento em mim, porque descobri que consigo fazer essas vozes. Também descobri que consigo compor em qualquer tipo de beat. Antes eu tinha um receio, eu tinha vergonha de experimentar coisas novas na música, porque sempre fui muito insegura, sabe!? Por mais que as pessoas falassem: “Iza tá foda, você é foda!” Eu não acreditava muito, mas depois que vi a repercussão do meu trabalho eu comecei a me empoderar mais perante a isso. Achei super importante eu ter conseguido gostar mais do meu trabalho.
Best Duo foi meio que um divisor de águas. Te apontou o caminho…
Eu consegui fazer tantas vozes que … zerei o game (Iza dá muitas risadas). Agora eu consigo fazer qualquer música, tá ligado!? Tudo do meu jeito e sabendo que posso aderir várias identidades musicais. Dia desses chegou um cara e falou assim (comentando sobre Best Duo): “ah Iza, você fala tanto sobre invisibilidade feminina, mas nessa faixa você não colocou o crédito da outra menina que tá cantando”! Eu falei: pô véi, é eu que tô cantando. E é isso que eu acho doido, tá ligado!? E foi com esses comentários que eu fui botando fé. É uma coisa que tenho que valorizar em mim.
Agora com Glória, você chega sozinha e abre ainda mais esse leque, mostrando um talento que estava meio que escondido. Esse é o momento de todo mundo conhecer a verdadeira face e as facetas de Iza Sabino?
(Risos) Verdade! Acho que as vozes que faço no álbum também representam muito os meus sentimentos. O sentimento que quero passar em cada faixa. Quando é mais cantado minha voz é muito fina a maioria das vezes ou a música é muito animada ou é muito triste. Já no rap é mais grave e também sou mais agressiva. Quando eu quero passar algo mais sentimental ou delicado, eu também tento expressar meu sentimento na voz.
Tem essas variações de voz, e também há uma variedade de temas. Você não fica centrada em algo específico. Como é o seu processo de composição?
Se você for reparar, todos os assuntos de Glória não tem nenhum sinal que é sobre algo 100% feliz. Na faixa 5, “O Que C Quer de Mim, falo de um relacionamento indeciso. São coisas que acontecem muito hoje em dia: relacionamento tóxico, relacionamento abusivo… e são muito pouco visto como algo sério. Igual você falou no começo, essas coisas sempre existiram, mas hoje as pessoas estão mais intolerantes a isso. Talvez eu possa falar: não existe mais relacionamento sério. Talvez não exista, porque as pessoas não sabem se relacionar… sempre vai ter alguém que seja tóxico, abusivo, invasivo. E aí, como hoje as pessoas estão mais livres, elas preferem ficar sozinhas para não ter esse tipo de problema. Então, no álbum tem a 07, que é a Imaginei, que fala sobre relacionamento tóxico. Tem a Como Pássaros, que fala sobre relacionamento aberto. E a “O Que C Quer de Mim”, que fala desse relacionamento indeciso. São fatos que eu mesmo vivi. Eu escrevo mas obre isso mesmo. Eu fui muito sincera nas letras. Eu escrevi o que estava acontecendo real. Cada uma dessas músicas da pra imaginar a cena. Foi uma coisa muito real.
A gente sempre teve muita força, mas acho que esse espaço que a gente está tentando construir deveria sempre ter existido.
São histórias que podem refletir na vida de outras pessoas, principalmente nesse momento caótico. E tocando no assunto… foi difícil produzir um álbum nesse período de isolamento?
Dentro dessa situação toda eu amadureci muito. E como em Best Duo eu estava me descobrindo, Glória veio pra testar a minha fé mesmo. É a definição de testar minha fé em vários sentidos, tanto físico quanto psicológico. Compor pra mim foi sempre muito leve, sempre foi uma forma de escape pra descarregar meus problemas e meus pensamentos. Então, compor dentro dessa pandemia também me ajudou com os assuntos. Tive tempo pra refletir e estudar. Pra mim foi um negócio be interessante. Eu acho que pra tudo tem um propósito, e o tempo certo pra acontecer as coisas.
E essa parceria com o Coyote?
Ou, foi muito forte. Eu e o Coyote se conhece há muito tempo já. Somos amigos há quase 6 anos e temos uma conexão muito forte. Ele gosta muito dessa pegada underground, eu também gosto dessa mesma pegada… e a gente se identificou desde o início ele foi um dos únicos caras a botar fé no meu trabalho. Trabalhar com ele um álbum inteiro é muito foda véi, muito daora pra mim. Sou muito grata por tudo que ele fez e sempre faz por mim. Ele não mede força, não mede tempo, não mede hora. Então é um bagulho que ele sempre se mostrou muito afim em fazer e eu achei muito legal. Trabalhar com ele foi sensacional.
O disco vem com 9 faixas. Foi estratégico fechar com essa quantidade, tendo em visto a forma de consumo de música atualmente, e as convidadas que escolheu para fazer parcerias?
Então, era pra ter 10 faixas. Mas eu decidi de última hora que uma delas não tinha nada com o conceito álbum. Também era pra ter a participação da Stefanie na faixa 8, “Avisa”, mas ela passou por alguns problemas familiares e acabou que não deu tempo de gravar a parte dela. Tudo conspirou pra ter 9 faixas. E realmente as pessoas que ouviram concordaram que a que tiramos não tinha nada a ver com o álbum. Sobre as feats, eu prezei por ter só feats femininas. Na minha visão ficaria muito mais forte e muito mais preciso.
Mesmo com Glória ainda fresco, queria saber se você já tem projetos futuros engatilhados?
Claro! Já to pensando em fazer um EP pra soltar lá pro meio do ano (2021). E já tenho alguns singles que já gravei e só falta finalizar. Tenho muitas músicas pra soltar ainda.