O Rap tem detalhes que nunca foram revelados. Alguns, provavelmente, jamais serão. Já outros são compartilhados por historiadores, jornalistas, biógrafos e documentaristas. Esse é o caso do diretor Rodrigo Gianetto. Entre 2009 e 2019, ele acompanhou, registrou depoimentos e imergiu na intimidade de medalhões do rap, incluindo Racionais MC’s, Emicida, Negra Li, Pac Div, The Pharcyde, Dexter, Tássia Reis, Black Alien, Karol Conká, RZO, GOG, Cappadonna, Flora Matos.
Ao todo são mais de 50 MC’s reunidos nos 84 minutos do documentário “Histórias e Rimas”, que será exibido pela primeira vez (a partir de 25 de junho) na Mostra Brasil do Festival In-Edit 2021. “A ideia surgiu em 2009 quando eu e meu amigo e produtor artístico Pablo Marques decidimos abordar de forma mais intimista as histórias e rimas tratadas com um outro olhar, mais próximo e poético”, diz Gianetto. “A gente conhecia vários artistas mais próximos e partimos para realizar uma experiência de documentar tudo isso, inclusive os bastidores de forma solta, leve e descontraída. Claro, com a força que o rap traz em suas mensagens, mas desvendando um pouco mais próximo o universo. Daí partirmos para acompanhar de perto em uma linguagem com jogo de câmeras que acompanhassem lado a lado esses mc’s, fazendo com que o espectador se sinta lado a lado com eles, num role cotidiano. Eram inicialmente poucos artistas, mas a vontade foi crescendo de cada vez ter mais histórias e estilos diversos, e vários nomes foram topando contribuir”.
O filme mostra a pluralidade do rap brasileiro, e também explora a realidade do underground de Los Angeles e Nova York. Dessa forma, é possível observar a proximidade do que é feito nas ruas de lá e daqui. O foco não é o mainstream, apesar de ter a participação de artistas que estavam no começo de carreira e ao longo desses anos conquistaram espaço fora do Hip Hop. É de fato um mergulho no universo deles, refletindo o início de suas trajetórias e a busca incessante por um lugar em cenários tão desiguais e estigmatizado.
As visões passadas direciona quem já está envolvido ou pretende fazer rap. Mas Rodrigo ressalta que esse não é um DOC sobre o RAP BR. “Nem tenho essa pretensão, pois realmente não é. Para fazer um filme sobre rap eu precisaria de muita pesquisa e de dezenas de temporadas para colocar todos artistas que fazem parte dessa história. É sobre rimas, histórias e a experiência de conviver lado a lado com rappers”.
Nesses 10 anos de produção, surgiram diversas dificuldades para transformar o sonho em realidade. Rodrigo captou as imagens com as próprias câmeras, muitas vezes sem assistentes. E com orçamento curto, também não conseguiu patrocínio ou investimento governamental. Mas o seu principal obstáculo foi o descrédito e a falta de apoio que o seu trabalho recebeu no Brasil por simplesmente estar relacionado a um gênero musical que pouco tempo atrás ainda não era respeitado. Isso mudou drasticamente na última década.
“Os gringos recebem um projeto de rap com muito mais importância. Lá é o principal estilo musical. Foi diferente dizer que eu estava dirigindo um filme sobre rimas lá do que aqui. Lá me trataram como se eu fosse um “Spielberg” (risos) quando falei que estava fazendo um filme com artistas do rap. Enquanto aqui no Brasil vi várias marcas declinarem com medo de se expôr em se aliar com o tema. No meio do processo encontrei com o Rappin Hood, meu amigo, e desabafei com ele que me respondeu: Tá vendo? Agora você está sentindo na pele o que nós do rap sofremos por muito tempo”.
Previsto para estrear na telona em 2020, o longa teve de ser adiado por causa da pandemia causada pela COVID-19. Essa seria a primeira vez que os maiores artistas do rap ocupariam salas comerciais de cinema. Mas para não postergar ainda mais, ele foi adicionado à grade do maior festival de produções audiovisuais dedicadas à música.
Para os mais novos, essa pode ser uma oportunidade de conhecer aqueles que sedimentaram o caminho para a geração atual e acompanhar momentos icônicos com Dexter e GOG se apresentando numa penitenciária, MC Soffia fazendo suas primeiras rimas e o falecido Speed desenrolando ideias. Obviamente, faltaram diversos deles. Mesmo assim, a entrega está completa. E é bem provável que muitos sintam falta da presença de nomes que ganharam destaque nos últimos anos, principalmente do trap, drill e grime. Mas Rodrigo Gianetto explica que a intenção foi “abordar o rap mais underground, por não ser sido tão explorado e divulgado em sua história e com um tratamento como esse, um filme, com uma linguagem nova, tratado como arte e com o devido respeito que sempre mereceu”.