“Gosto de desafios, de colocar o dedo na ferida. Penso diferente e tento ir pra onde ninguém imagina que iria porque sou um artista múltiplo”. Quem faz a própria definição via Zoom é o MC alagoano Allan da Costa. Esse jeito sincero de ser revela-se quando ele aponta o qual o rap local é prejudicado por vários aspectos. “O primeiro deles é por não ter um coletivo e uma organização de artistas que façam o bagulho acontecer”, ressalta. “E essa é uma crítica que eu faço muito, porque a gente deveria se organizar como movimento, fazer mais eventos, puxar o público”.
De camiseta florida, óculos robusto com armação transparente e um penteado semi-black power dividido em dois por uma trança, ele celebra sua participação no Festival Carambola, que acontece nos dias 17 e 18 de março no Summer Club Jacarecica, em Maceió (AL), onde dividirá palco com Margareth Menezes, Chico César, Àttooxxá e Rico Dalasam.
Para Allan, mesmo com todas as dificuldades de apoio, participar de um grande festival é uma vitória, tendo em vista que iniciou oficialmente sua carreira artística há apenas 3 anos. “Estou feliz pra caralho porque eu colei no primeiro Carambola, em 2017, e sei da importância desse festival, que é muito foda. Pra mim é um grande passo”, afirma com a promessa de levar para o palco uma “gig massa”.
Assim como a maioria de jovens pretos e periféricos, o cantor/rapper/compositor teve suas primeiras experiências com a música na igreja. Aprendeu a tocar violão, desistiu e novamente se reencontrou com o instrumento quando começou a trabalhar aos 16 anos. Na Assembléia de Deus também foi introduzido ao canto, começou a participar do coral e pelo timbre de voz foi escolhido para ser o solista.
OFF
“O rap aqui em Maceió ainda é muito marginalizado. Não tem casa de show que acolha o rap e existem pouquíssimas rodas culturais, que pra você colar tem que viajar pra muito longe e às vezes não é viável porque acaba muito tarde. Aqui tem muito artista bom, que faz um trampo diferentes na sonoridade e na lírica, mas não tem a estrutura para que essa galera mostre sua arte”.
Fora da igreja, voltou a se dedicar ao violão, tocando MPB, rock e pagode, e fez suas primeiras composições, influenciado pela literatura e desilusões amorosas. “Comecei a botar as mágoas pra fora. Também conheci o mundo do slam. Naquela época surgiu o Slam Resistência, o Slam da Minas… e a partir dos meus primeiros slams a galera começou a falar: ‘mano, você leva jeito no slam, você tem um flow massa e também dá pra fazer um rap’. Aí, eu comprei a ideia”.
Foi nas batalhas de slam que o morador do Jacintinho, bairro da periferia de Maceió, mergulhou de vez no rap. Mas antes de criar suas rimas, e interpretá-las como estivesse recitando uma poesia, de forma pausada, Allan se aventurou na produção de beats. A experiência o incentivou a buscar algo mais profissional. Na procura por um estúdio, conheceu Rafael Kinzel, com quem produziu o EP “Imersão”, acompanhado de Dielson Silva, responsável pelos arranjos de baixos, Matheus Raimundo, que colocou os riffs de guitarras, e a cantora Yana.
“A partir do momento que eu comecei a me enxergar como artista já vislumbrava algumas coisas, de lançar um disco com um certo conceito”, observa. “Quando fiz as músicas do EP eu não tinha nada estruturado, definido. Só estava tentando me entender como artista”.
Além de o introduzir de vez no universo musical, o projeto também serviu como uma válvula de escape para Allan da Costa num período complexo vivido pela humanidade. “Nasceu de um jeito muito doido”, afirma. “Eu estava pensando em desistir, porque fazia poucos meses que estava começando a produzir, mas não tinha grana pra fazer lançamento, pra gravar um videoclipe, pra fazer um trampo do jeito que deveria ser feito. A pandemia teve muitos males, mas trouxe algumas coisas positivas”.
No caso dele o ponto positivo foi a Lei Aldir Blanc que possibilitou que o disco se tornasse realidade. Apesar da fase ruim na vida pessoal e a vontade de parar, antes mesmo de iniciar, as 5 músicas do disco ganharam o mundo. Imediatamente chamou a atenção por não seguir a mesma dinâmica que tem sido usada no rap brasileiro atualmente. O próprio diz que a escolha das músicas não segue uma linha retilínea, pois cada uma é de um jeito.
“É um pouco de cada coisa que eu gosto de fazer. A imersão é nesse meu universo lírico, das várias nuances que eu consigo explorar. É muito experimental”.