No dia 19 de fevereiro, o Google fez um doodle especial dedicado à Viviane Lopes Matias, a rapper Dina Di. A homenagem temporária nas páginas iniciais do principal site de busca do mundo teve como objetivo celebrar os 46 anos que a MC completaria se estivesse viva. No entanto, existe um desencontro de datas. De acordo com fontes próximas, o nascimento dela em Campinas, no interior de SP, teria sido dia 26 de outubro. Mas para além dos desencontros de informações, a ilustração da artista serviu para mostrar o quão ela foi (e ainda é) importante na música brasileira (em geral).
Pelo machismo institucional que existia no rap, refletindo a sociedade, o protagonismo feminino não era algo comum nas décadas de 1980, 90 e até nos anos 2000. As mulheres sempre tinham o papel de coadjuvantes, relegadas ao oficio de backing vocal. Em 1989, a chegada de Viviane no cenário ocasionou uma pequena transformação, influenciando as gerações que viriam depois. É necessário ressaltar que Dina Di não estava sozinha nessa tentativa de mudar o establishment. Na linha de frente dessa luta também marcavam presença Sharylaine, Rose MC, Rúbia RPW, Lady Chris, Negra Li, Nega Gizza.
“Eu não tenho o rap só como música. Tenho o rap como profissão. Eu escolhi isso como uma maneira de sobreviver daquilo que eu gosto de fazer, que é expor a realidade que eu vivo, falar da minha realidade, falar da realidade de várias mina que eu vejo no meu dia a dia e importante falar da mulher, porque os homens já tem os homens pra falar. A gente tem que falar de nós”, disse ela ao mini-documentário “Guerreiras do Rap”.
Líder do grupo Visão de Rua, Dina Di se tornou uma das primeiras a ganhar reconhecimento dentro do rap. Ao se posicionar, possibilitava que outras mulheres tivessem voz ativa. “Quando a mulherada ouve as minhas músicas, sabe que não está sozinha*”.
Quem conviveu com o mínimo de proximidade, revela em off seus prós e contras (como todos os seres humanos). Sempre disposta a ajudar, Dina também era intensa. Pelas experiências da vida – incluindo a perda da mãe (assassinada), idas e vindas da Febem (hoje Fundação Casa) e o trabalhando exaustivo na rua vendendo os mais variados tipos de produtos -, tinha personalidade forte, e algumas vezes explosiva.
Mesmo tendo estudado até a 3ª série, escrevia tudo o que presenciava, transformando sua vivência em música. “Do Lado Di Fora Da Muralha”, presente no icônico álbum “A Noiva de Thock” (2004), é um bom exemplo dessa vontade de colocar para fora o que estava preso na mente. Nela, Di mostra a realidade de quem ia visitar os companheiros/pais/filhos na prisão – o que fez quando seu então noivo Thock, que anos depois se tornou seu marido, esteve privado de liberdade. É por essa verdade, tão conectada com a de muitas outras da periferia, que a fez ultrapassar barreiras.
Nas poucas entrevistas que concedeu (que podem ser encontradas), a cantora sempre se posicionava em favor das suas irmãs. Falava tudo o que precisava sem meias palavras. Na matéria “A Voz Feminina dos Becos”, publicada na edição da Revista Época de 02/09/02, ela afirmou: ‘Eu nunca paguei pau pra homem. Do nosso mundo só nóis conhece. Cada mulher sabe o medo que ela tem. O homem pode ver, mas não pode sentir. Por isso, eu tenho o maior respeito pelos Racionais, mas, vai me desculpar, chamar uma mulher de vadia é muito difícil de aceitar. O Mano Brown fala da mãe nas letras, mas nunca da mulher dele. Qual é a resposta? Resistir”.
Considerada a “rainha do rap brasileiro”, Viviane Matias não teve o reconhecimento merecido, assim como até hoje muitas das que começaram com ela não tiveram. Durante os seus frenéticos 34 anos de vida, a artista que começou a rimar aos 13 anos lutou para conquistar seu espaço e abrir portas. Teve algumas conquistas, mas passou por muito veneno. Mesmo fazendo shows (a maioria não remunerados), alguns acompanhando o RZO, não tinha dinheiro para comer em vários momentos. Até para fazer o videoclipe de “Mente Engatilhada”, em parceria com o DJ KL Jay e Lakers, correu atrás de uma parceria para conseguir um tênis.
“Tô vivendo de sonho, de subir no palco. Pegar trem, ônibus, perua e cantar para verem que eu não morri. Sobrevivi a tudo e estou ali. E depois descer e não ter nem dinheiro para comer um cachorro-quente”, afirmou à Brum.
Quando começava a ascender “comercialmente”, faleceu. No auge, dezoito dias depois de contrair uma infecção hospitalar durante o parto da filha Aline no dia 02 de março de 2010, Dina Di partiu para outro plano. Um ano antes (11 de abril de 2009) realizou o sonho de casar com o Thock, e planejava alçar voos mais altos. Se dizia forte, confiante e com a mente sã.
“Não posso mais errar! O tempo tá passando. Dizem que sonhar não custa nada. Mas, eu te digo que estou pagando um alto preço porque meu sonho é grande. Mas as minhas chances de realizar são pequenas”, revelou ela no dia do casamento ao Mandrake, do Rap Nacional. “Vou fazer a reposição do meu disco, “O poder nas mãos”, com mais duas músicas inéditas, “Última chance” e “Prisão sem muro”. Quero também fazer um videoclipe. Estou pensando seriamente em arrumar uma gravadora e lançar um novo projeto. Diferente de tudo que eu já fiz. Quero viver do que eu faço, da minha música. Mas, não quero virar uma operária da escrita e ser uma escrava da mídia. Eu canto o meu jeito de ser. E não o que você quer que eu seja. Então, se for para ser eu mesma! Vou continuar…”
Apesar do curto tempo que passou por aqui, ela deixou um importante legado. A sua luta e resistência por igualdade foi essencial para que mulheres conquistassem mais espaço dentro da cultura urbana, seja com o microfone na mão, na produção musical ou no gerenciamento de carreira. Infelizmente, existem poucos materiais relacionados à trajetória dela. Para que a memória dessa legendária continue viva e respeitada, é necessário que cada vez mais a história seja contada do jeito que Dina gostava de ser: sem maquiagem.
“Eu jamais vou incentivar o uso de drogas… procuro fazer umas letras mais concientes, e não dar ponto pros caras falarem que rap é música de marginal, que cantor de rap é tudo ladrão”, disse ela em 2007 ao Alexandre Buzo Suburbano Convicto. “Porque eu acho que gesto vale mais que mil palavras, e se a gente quiser temos que servir de exemplo, principalmente nas nossas músicas”.
*Entrevista à Revista Época em 02/09/02