Um apaixonado por música conhece outro à distância. Ou separado por uma tela. E aqui temos uma série produzida por apaixonados por música: The Eddy. Não há outra explicação para o respeito e até a reverência que se faz à música na série. Por acaso, a banda retratada é de jazz. Mas poderia ser de qualquer outro gênero musical, já que as questões retratadas são universais.
A primeira questão é o cenário: Paris. Mas não a Paris que foi romantizada pelo cinema por tantos anos. Não a Paris da Torre Eiffel. Aqui é a Paris das periferias, das ruas caóticas e dos imigrantes. O elenco, além de ser predominantemente negro, é composto por personagens africanos, russos, árabes, norte-americanos, do leste europeu e de toda a sorte de descendentes destes que foram para Paris e criaram raízes. A já citada Torre Eiffel aparece em apenas uma cena durante toda a série – e numa cena meio torta, com ela entre prédios decadentes. Aqui não é a Paris dos turistas e seus guias, é uma Paris que não se vê nos filmes.
A segunda, e principal, questão: é uma série musical. A banda, que é homônima à série e ao jazz club onde a história se passa, toca bastante durante as cenas e sem aquela edição corrida e desrespeitosa, de terminar uma música no meio para ir até a próxima cena. Aqui as músicas tocam na íntegra, com direito a silêncios antes e depois. Se os dois primeiros episódios são grandes (mais de uma hora), a música ocupa quase metade do tempo, pontuando os acontecimentos ou dando um respiro até a próxima surpresa. Detalhe: o som que você ouve foi gravado ao vivo no set. É real.
The Eddy brinca um pouco com essa questão do “gênio musical”. O protagonista, Elliot Udo, é um jazzista celebrado no mundo todo, mas que resolveu se aposentar. Para fugir de alguns fantasmas, ele sai dos EUA e se muda para Paris, onde monta o jazz club com um amigo. Como muitos gênios musicais, sua vida pessoal é uma lástima e a série vai mostrando essas questões. Com uma inteligência emocional quase nula, Udo vai se metendo em confusões em todos os âmbitos da sua vida. Os roteiristas sabem fazer uma pessoa sofrer diante dos nossos olhos.
Há muitas cenas que retratam a realidade do músico: brigas, cobranças internas e externas por desempenho, aquela festa de casamento que você tem de fazer (mas odeia), problemas da vida pessoal que atrapalham seu desempenho no palco… Tudo isso é mostrado. Entre uma música e outra. Cada episódio leva o nome de um personagem da série e nos que retratam integrantes da banda, esses dramas vão aparecendo.
The Eddy é filmada em película e merece ambiente escuro e bom som para ser vista em toda a sua potencialidade. Os dois primeiros episódios são escuros (filmados à noite ou dentro do jazz club). O terceiro, tocante, que mostra parte do ritual fúnebre muçulmano, é branco, extremamente claro. A câmera, sempre na mão e em movimento, parece buscar o protagonista daquela cena ou daquele momento.
A banda da série ganhou vida e tem disco no streaming. Os integrantes até fizeram uma das músicas nesse esquema de edição em que cada um aparece num quadradinho da tela em sua casa devido ao isolamento social. Vale ouvir – a trilha e a série. The Eddy é para ser ouvida.
Indicamos também: RAPresentando CONVIDA: Núria Pinto. Leia aqui.