“Quero começar a salvar as esquinas da minha cidade, de onde eu cresci, que hoje é uma das cidades mais violentas do Rio Grande do Sul, e não era antes. E isso é uma relação com o Hip Hop. Eu não sirvo a um capitalismo, eu não sirvo ao dinheiro, eu não sirvo a Mercedes, não sirvo a Lacoste. Eu sirvo o Hip Hop”.
Essa é uma das missões que Zudizilla decidiu assumir. O plano de como realizá-la com o sucesso que se espera, ele revela ao longo de “Zulu Vol. 2: De Cesar a Cristo”, que dá continuidade à ópera moderna iniciada em 2019 com Zulu Vol.1: De Onde eu Possa Alcançar o Céu sem Deixar o Chão.
No decorrer de mais de 55 minutos, divididos em 12 músicas, ele convoca um exército para o ajudar a conseguir atingir o objetivo. “Eu trago todos os nomes, de todos os bairros, independente de facção, independente de quem for, exatamente pra que todos corroborem. Não estou precisando dos moleques ricos, dos boys, dos alienados. Estou precisando das esquinas (da rua) mesmo”, diz ele via Zoom ao RAPresentando.
Isso fica muito claro nos dois momentos do álbum (uma espécie de Lado A e Lado B), sendo o primeiro deles mais “violento” e incisivo, e o segundo leve e reflexivo. São formas distintas que Zud desenvolveu para mostrar que existem duas possibilidades de chegar ao poder: pela guerra (de César) ou pelo amor (de Cristo).
Para fazer a narrativa, ele usa as próprias experiências nas ruas de Pelotas para dar uma visão mais ampla do que é ser um homem negro no Sul do país, da constante invisibilidade, e de existir, mas ser considerado inexistente aos olhos da sociedade.
“Quando eu trago o áudio da minha mãe ali no início, é como se eu estivesse explicando o porquê tem esse desespero pra alcançar o poder. E aí, trazendo o nome de César à Cristo é uma questão de mostrar que existe duas formas de atingir esse poder (entre aspas)”, observa. “Ela passa por essas duas nuances no jeito de se posicionar perante essa pseudo conquista que se está propondo. Acho que o plano de fundo, que acaba tomando o viés de protagonismo, muitas vezes é essa questão de eu ter uma condição melhor em São Paulo”.
OFF
“Eu não tenho medo de flertar com o mercado. Eu adoro quando a galera flerta com o mercado de uma forma simples pra que eu possa vir com a complexidade também e galgar o meu espaço. É uma forma também de dialogar, só que acho que ainda tenho uma coisa que vai surpreender todo mundo que é o Volume 3”.
Apesar das conquistas, o MC acredita que ainda tem muita coisa que precisa fazer para elevar os seus. Entende também que é preciso chegar há algum lugar, percorrer o caminho e alcançar o objetivo, porque o tempo não espera. E o movimento deve ser feito by any means necessary, ou simplesmente por todos os meios que forem necessários. “Eu tenho uma responsa muito grande, seja com o meu filho ou com minha mãe que precisa ser solucionado o quanto antes, e tem essas duas formas: ou pela guerra ou pelo amor… seja pela burocracia ou pela práxis”, ressalta.
O alter ego Zulu é quem guia a busca por soluções. Muitas questões tratadas pelo personagem refletem a realidade da grande maioria da população brasileira, que sofre com o racismo, a falta de oportunidades, o medo constante e a luta diária para conseguir seu lugar ao sol. Embora esteja falando através de uma persona, Zudizilla acredita conseguir atingir outras pessoas que tenham vivências e pensamentos parecidos com o dele.
“Quando eu falo que é pra contar pro meu filho caso eu falhe (em Salve), é que talvez eu não consiga”, enfatiza. “Talvez alguns clichês sejam mais fortes que a missão solidária de tentar salvar as esquinas, mas a minha vida vai continuar, independente dessa missão ser cumprida ou não, porém, espero que alguém conte para o meu filho todas as batalhas que eu travei pra chegar aonde estou”.
SONORIDADE DO SUL
Mesmo vivendo 4 anos em São Paulo, Zudizilla quis compartilhar uma sonoridade com a essência da sua área. Priorizou dessa forma para soar como a parte baixa do país, não como se fosse de outro lugar. Fez também por acreditar que lá também tem grandes talentos, que fogem da estética de São Paulo e Rio de Janeiro.
“Acho que buscar essa identidade é muito importante pra que a gente consiga definir a existência da população preta do Rio Grande do Sul. É uma forma musical de reivindicar esse lugar, viajando por todas as influências e referências que me nortearam e norteiam as pessoas lá”, afirma.
Responsável pela direção musical, o rapper organizou um time de produtores para auxiliá-lo na construção de toda a estrutura, que assim como os anteriores vai na contramão do que está em alta comercialmente no rap. Ele concorda que é difícil se destacar, mas reforça a necessidade de ir por um caminho diferente.
“Estou correndo contra dinâmicas que são totalmente passivas, como trap, grime… como outras coisas que também não são daqui, mas que a galera tem se apropriado”, reflete. “Eu tenho batido de frente com essa questão, mas é uma escolha muito perigosa (reconheço), porém, muito necessária para os artistas de lá de onde eu venho serem quem são”.
Por esse motivo, existe uma variedade de texturas, que propositalmente conversam com as narrativas. A identidade criada é justamente para enfatizar uma potência sulista de pele negra, que quase não é conhecida e muito mesmo valorizada no país.
Nesse quesito, Zudizilla diz que não dá para analisar como se ele fosse da Bahia, por exemplo, porque é um disco exclusivamente do Rio Grande do Sul para o Brasil. “Eu estou tentando conectar os pretos de lá com os pretos do resto do país em uma história de três atos. Acho que se eu apagar minha identidade pra tentar participar do todo, vai chegar um momento que eu vou me arrepender, e a única coisa que eu não quero com o rap e o Hip Hop é sentir arrependimento”.
PARCERIAS
Quando chegou em São Paulo em 2018, Zud diz que foi levado para diversos rolês pelo Dj Niack. Em um deles, encontro com Emicida. Na época, o Volume 1 já estava pronto e a pergunta que ouviu dele foi: “mano, vai ter Emicida nesse seu disco?”. A resposta foi negativa. Surpreso, Emicida olhou pro lado e falou: “mano, todo mundo quer ter Emicida no álbum”. Na tréplica, a resposta foi: “o disco tá pronto, mas se quiser chegar no Volume 2 vai ser muito nóis”. Ali se conectaram para além da arte.
“Aí ele me passou o telefone dele porque queria estar no meu disco. Pra mim foi muito da hora, ele ter dado aquele salve, mesmo eu não acreditando no que estava falando”, revela.
Na música que Leandro participa, “Rumos, que também tem a participação do vocalista da banda Papas na Língua, Serginho Moah, existe uma sensação por parte do próprio Zudizilla e de quem ouvinte, que houve um resgate do “velho” Emicida, das rinhas, da rua, do rap.
“Eu amei isso. Quando ele me mandou foi a mesma sensação que eu tive. Eu sabia que hora que o Emicida se sentasse pra escrever uma track comigo, a gente ia ver o Emicida da antiga, do rap, porque agora ele é um MC que tem várias entregas, e ele entrega tudo pra MPB, para o mercado, para o trap, pra tudo. Onde o Emicida estiver, ele é o cara mais foda que tem. Só que nessa track ele se colocou de corpo e alma”, analisa.
Nesse rejunte também chegaram o Coruja BC1, NP Vocal, B.art, Cronista do Morro, Eduardo Freda, Monique Brito, Tiago Ticana, Wesley Camilo, Filiph Neo. Alguns deles entraram quase na finalização do disco por conta da recusa de alguns e a demora de outros nomes (de peso) que haviam sido convidados com antecedência.
A substituição de última hora não só deu certo, como elevou ainda mais as ideias iniciais, desenvolvidas para aqueles que estavam no esquema para colaborar.
“Os feats foram muito bem pensados para estarem onde estão, mas tem muito do universo, dos orixás que conduziram esse trabalho para que seja como ele é. Eu sinto muito medo mesmo, não sei o que a galera vai pensar, mas eu liguei o foda-se e vou fazer o melhor pelo Rap e pelo Hip Hop para tentar salvar algumas esquinas”.