Sant é caseiro. Com quase 30 anos, diz que está velho. “A rua não tem mais nada pra me oferecer não, irmão”, afirma. Eu já tava velho com 16, mano. Eu não tô velho agora com 30? Não, não. Eu saio de casa pra ir lá na academia”. Mesmo sem ter presença constante na rua, ela é sua maior referência. Pode-se dizer que o inverso também é verdadeiro. Porém, no primeiro momento, ele discorda que serve de inspiração para outros rappers. Ele presa pela modéstia, mas depois concorda que sempre é observado, mesmo que não receba os créditos.
“Dificilmente eles me dão essas flores. Mas eu já cansei de ficar nessa também, de querer essas flores”, ressalta. Teve um tempo na minha carreira que até me adoeceu um pouco nisso, deu falar isso pros amigos, assim, de tipo: “não mano, vou obrigar os caras a falar de mim irmão, tá ligado?” Tipo assim, eu não vivo a realidade dos caras, porque mano, é um monte de playboy da Zona Sul, mas eu vou tá ali mano, na hora de falar dos caras, vai ter de falar meu nome, irmão”.
Antes de “Rap dos Novos Bandidos”, de 2021, SanT tinha ficado dois anos “aposentado” para cuidar da saúde mental. No final de 2024, ele lançou “CONVICTO”. É sobre esse álbum que conversamos por quase uma hora por videochamada. Na troca de ideias, ele fala detalhes da produção, parcerias e os conceitos que alicerçam o projeto. Também diz que pretende criar algo para falar de saúde mental e dispara algumas verdades. “A galera tem que se racializar um pouco mais, tem que se intelectualizar um pouco mais. Não é ficar apenas se descolando da realidade, porque aqui é Brasil também”, diz. Apesar de achar que o rap do Brasil está caminhando a passos lentos, afirma que tem esperança que as coisas mudem. Mas eu acho que a galera tinha que ter um pouquinho mais de consciência, cara, tá ligado? “Acho que vai melhorar, cara. Eu sou esperançoso pra caramba”.
Pegando o gancho do título no disco, “Convicto”… em que você tem mais convicção atualmente?
Cara, acho que a maior convicção, assim, nesse trabalho era fazer um disco de rap meu, tá ligado? Tipo assim, uma parada que eu acredito, com a textura do som que eu acredito. A gente estava terminando o disco de amor (“de: para:”) e eu comecei a sentir essa necessidade. Muito porque também fiz muitas coisas com LP (Beatzz), e a gente queria desmistificar isso, de tipo: “ah, o LP só faz batida para a rima do Sant, e o San só rima na batida do LP”. E aí, eu já queria fazer um disco plural, com mais produções, com mais pessoas envolvidas, mas sendo um disco totalmente meu. Então, acho que essa foi a primeira convicção pra ter um ponto de partida. Tipo assim, eu pensava: “porra, cara, quero fazer um rap que eu gosto, um disco de rap que eu gosto”. E essa onda bairrista minha, porque eu sou do subúrbio do Rio de Janeiro, da Zona Norte (ZN), e veio muito dessa onda do Marcelo D2… (canta) “suburbano convicto, sei bem meu lugar no mundo”. Eu queria muito fazer um disco com essa onda da ZN, do Subúrbio Carioca. Fazer uma parada minha, mas não queria ser tão unilateral. por isso, coloquei mais gente nas produções e nas participações para trazer outras convicções também, tá ligado?
Você traz a realidade da sua área, mas faz com que as pessoas se conectem com a mesma realidade. De que forma essas narrativas são construídas?
Pô, Adailton, no fundamento mesmo, o rap pra mim é isso, mano. Porque, tipo assim, eu era muito jovem quando eu vi o DVD “1000 Trutas, 1000 Tretas, dos Racionais MC’s. E tipo assim, mano… esse linguajar não tinha no meu meio, tá ligado? Eu não sabia o que era truta, não sabia o que era treta. Só que ver o Mano Brown cantando era a mesma coisa que eu estava passando. Parecia que esse cara me conhecia e sabia o que acontecia no meu morro, e São Paulo nem tem morro, tá ligado? Mas tipo, é meio que isso. E no DVD, o Brown manda vários salves: “Zona Leste”! E eu gritava isto: “Zona Leste, amo vocês”… e no Rio nem tem Zona Leste. Rap e hip-hop pra mim é isso. É essa identidade. Mesmo não sendo a mesma coisa, é a mesma coisa, tá ligado? É a mesma dor, é a mesma agonia, é a mesma urgência. Aquele cara já era eu em outra vida. Então, quando eu começo a fazer rap é muito nesse intuito de encontrar pessoas. Sempre fui um cara muito solitário mesmo, muito sozinho e muito carente. Quando escrevo uma parada já quero mostrar pra alguém: “Olha só o que eu fiz aqui, o que eu escrevi, vê se tu gosta, o que você acha?” Tem muito a ver com essa identidade que o hip-hop compartilha. Até por isso também que eu queria que outras pessoas viessem com essas outras convicções no disco. Mesmo que não sejam do Rio de Janeiro, elas trazem suas convicções e todas conversam, tá ligado? É o que eu acredito ser hip hop.

E as músicas são baseadas em fatos ou cria-se uma história em cima de algo que você já viu? Porque, por exemplo, a narrativa de Naquele Beco é muito pesada. A gente começa a imaginar todo o cenário, toda aquela situação…
Cara, o mais louco dessa música específica é que os dois amigos que participaram não conheciam o verso do outro. Eles só tinham o meu verso e o refrão para desenrolar. Assim, as coisas se alinharam para cada um contar uma parada que encaixava… falando do meu verso, quando eu comecei a fazer já tinha uma onda de, tipo: “essa é a história de um amigo, de um amigo meu”. Eu tinha isso, essa frase, meio que mais ou menos nessa levada assim: (canta) “essa é a história de um amigo de um amigo meu”… eu queria contar a história de algum amigo, tá ligado? Esse amigo falou isso pra mim. Por isso que eu já queria fazer uma parada mais melódica até. Essa onda de Naquele Beco nem Veio daquela música (“Naquela Mesa”)… (canta) “naquela mesa tá faltando ele, e a saudade dele”… tá ligado? Eu queria já fazer uma parada nessa onda pra um amigo que eu tinha perdido e que tinha vivido naquele beco do bairro. Eu tinha até chamado um grande amigo meu, o Tiago Mac, pra fazer uma onda dessa, e ia ser bem mais puxado pro samba mesmo, tá ligado? Ia ser uma onda mais pegada “Naquela Mesa” mesmo. E aí, acabei somando essas duas ideias porque acho que meus raps têm muita ver com isso, cara. Às vezes eu pego uma parada de uma história na barbearia, tá ligado? Tipo assim: pô, vou cortar o cabelo e os caras contam histórias do dia a dia, do que aconteceu com eles. O rap pra mim é isso, você conseguir pegar essas histórias e filtrar com as palavras certas, nas frases certas, no ritmo certo, tá ligado? “Naquele Beco” tem muito a ver com isso. Quando eu estava escrevendo, pensei muito no Borges,,porque ele já tinha me cobrado: “porra, mas você lançou um disco e não me chamou?” Isso na época que eu lancei “Rap dos Novos Bandidos”, que tem muito a ver com a textura do rap do Borges mesmo. Depois eu até pedi desculpa. Mas nessa música ele veio pesado… e aí acabou rolando um imbróglio fodido, mano, porque nessa aí de fazer música com vários outros produtores, o produtor dessa faixa, o Beat do Ávila, me mandou essa batida, mas também tinha mandado pro Açúk, mano. E aí quando eu fui falar com o produtor, falei: “”mano, eu tô desenvolvendo nessa música aqui”. Aí ele: “pô mano, mas o Açúk pegou essa batida aí”. E eu falei: “ô mano, faz isso comigo não, velho. Troca esse contato pra eu acabar essa falta ali com o mano, tá ligado?” [risadas] Aí, ele me deu o contato do Açúk. Falei com ele assim: “pô, mano, já tenho um verso e um refrão aqui, vou te mandar aqui no Zap, aqui, ver o que tu acha”. Na época eu tinha o refrão, mas ainda não tinha terminado o verso. Aí eu fui logo me adiantar para o verso, logo para terminar o verso, para eu chegar com ele no Zap.
Na malandragem já, né?
[risadas] É para não perder a música. Aí, ele gostou pra caramba também, agradeceu, ficou felizão e abraçou a ideia. Eu até comentei isso com ele, falei: “mano, quando eu estava fazendo essa música, eu pensei muito no Borges”. Como ele também já tinha um contato com o Borges também ficou amarradão. Meio que um não conhecia o verso do outro, tá ligado? E aí os planetas se alinharam mesmo pra ir entrando nesse storytelling, onde o Açúk fala que tem um amigo igual, porque realmente poderia ser qualquer amigo, e o Borges se personifica nesse amigo, no verso.
A narrativa é incrível. Seque aquela estética clássica do rap, o storytelling, a forma de contar as histórias, e as pessoas entrarem na história. A forma que cada um traz sua visão, cria-se todo um cenário, um ambiente.
Isso que é maneiro em livro, né mano? Você vê um filme, e já é maneiro também. Mas é o diretor já te mostrando aquele visual. Então, porra, música ou você ler uma parada boa é diferente. Tipo assim, você começa a imaginar como é que é aquela casa que ele descreveu no livro, tá ligado? E tipo, caraca, quando eu entrar numa casa parecida, eu vou falar: “caramba, é igual àquela casa do livro”.
“NÃO DÁ PRA GENTE TER UMA FAN BASE DE UMA MENOSADA DE 10 ANOS INDO PRA ESCOLA SÓ PRA COMER, MANO… OUVINDO SOBRE TEUS CARROS, SOBRE TUAS JOIAS E CANTANDO ISSO, ENQUANTO TÁ INDO LÁ ESCOLA PPRA COMER. ELE NÃO TÁ INDO PRA ESTUDA AINDA, TÁ LIGADO, MANO? ELE TÁ INDO PRA TER UMA REFEIÇÃO NO DIA. E TÁ CANTANDO ESSA PARADA QUE TU TÁ BOTANDO AÍ E ENCEHENDO O CÚ DE DINHEIRO. ENTÃO, TIPO ASSIM, ESSA BALANÇA ESTÁ DESREGULADA AINDA… MAS ACHO QUE VAI MELHORAR, CARA. EU SOU ESPERANÇOSO PRA CARAMBA”.
Você já tinha as músicas prontas ou foi desenvolvendo ao longo do processo de criação do disco?
A primeira música foi realmente a primeira faixa. Eu tinha ido com o LP lá no Marecha (Marechal), e no meio disso eu consegui roubar uma batida dele, que estava brincando de fazer música [risadas]. Aí fui escrevendo naquele momento mesmo. Ali eu já sabia que aquela era a introdução do disco. Já tinha essa textura de apresentá-lo no jeito que eu estava escrevendo ali, no jeito que a música estava se tornando, eu falei: “porra, essa aqui eu acho que vai ser a faixa 1”. Todo o resto ele foi se desenrolando. Eu sabia que eu queria fazer batidas com produções diferentes. Eu já tinha feito algumas coisas com LP também, e aí uma coisa ou outra eu fui falando: “pô mano, acho que essa aqui vai pro disco”. Fui separando sem muita ordem… teve um dia que eu fui lá fazer uma parada na Rock Danger, e o Ávila e $amuka estavam lá. Aí, eu comentei que eu tava fazendo disco, mostrei umas músicas e eles foram me mostrando algumas batidas também. Fui conversando com o L.Abner também, que era um cara que eu já queria fazer algumas coisas. O WC (no Beat) era um cara que eu já tinha feito uma música antes. E aí eu falei: “mano, vamos fazer esse escambo, tá ligado? Me manda alguma batida também para eu botar no meu disco”. E aí eu fui fazendo essa troca de figurinha, fui filtrando. Era um disco, cara…. nas primeiras conversas, eu queria fazer com bastante faixa mesmo, bem plural. Eu não cheguei a falar isso pra gravadora, de números de faixa, mas era tipo 33 faixas, tá ligado, mano? Na minha loucura, a idade de Jesus, Suburbano Convicto, pah, né? [Risadas] Música pra caralho. Mas aí eu fui afunilando, fui afunilando, tá ligado? Aí o bagulho foi virando menos faixa. E saiu com 10. Eu sabia que queria fazer alguns resgates também de músicas que às vezes eu já tinha usado alguma coisa de verso e queria dar um holofote maior para esses versos, então dei uma repaginada, dei uma mexida e tal. Eu sabia que eu tinha algumas vontades e fui filtrando, tá ligado? E aí você acaba fazendo isso mesmo, né? Você vai chutando para a lua, vai acertando algumas estrelas, vai afinando… Não queria também lapidar tanto pra não perder a joia. Fui encontrando um caminho e foi virando isso. Porque aí chegou um momento também que você tem que abandonar. Eu falei: “acho que o disco tá aqui, acho que tá fluindo assim”. O próprio LP me alertou, porque chegou um momento que eu meio que já tinha até abandonado. E aí, quase que, meio que nessa reta final, eu voltei a mexer pro disco ser finalizado. Foi isso que eu tinha te falado. Desde o disco de amor, eu já estava com essa vontade.
E quanto tempo foi esse processo de produção, de criação?
Desde 2021, porque eu tinha parado de fazer rap para me cuidar, e aí voltei a fazer rap com “Rap dos Novos Bandidos”, que queria fazer de uma forma diferente, tá ligado? E aí, eu me propus mesmo a ter uma discografia. Eu queria mesmo ter mais músicas minhas. Então, eu fui me propondo a lançar mais coisas mesmo. Então, tipo, em 2021 eu lancei uma parada, em 2022 eu lancei outra, em 2023 eu lancei outra. E eu fechei com a gravadora com esse disco de amor porque eu queria uma estrutura diferente mesmo. Eu meio que já estava fazendo isso, de fazer uma parada diferente a cada ano mesmo. A distância de um lançamento pro outro, de um disco pro outro, é quase que um ano mesmo. No meio de 2023, antes de lançar o disco de amor, eu comecei a querer fazer esse disco de rap, que era meio que isso, mano: já tô cansado de falar de amor, tá ligado? Oh, quero fazer um rap, para, sei o quê, quero falar da minha área e tal. E aí eu comecei a desenvolver alguma coisinha. E quando eu tinha alguma coisa do disco, eu meio que me abstraí, larguei. Passou-se um tempinho, eu voltei a dar atenção pro disco pra ir organizando as coisas. Eu me propus a isso, me dispus a todo ano tá presente, e sempre dropar. Eu gosto de fazer disco, tá ligado? Eu acho que eu ainda não encontrei um caminho para fazer bons singles. De lançar coisas e tentar me manter mais presente ao longo do ano com coisas mais esporádicas. Eu me sinto mais confortável me concentrando para fazer um projeto mais compilado, mais amarrado. Então é sempre nesse espaço de tempo, mais ou menos um ano. Eu vou fazendo alguma coisa, vou juntando, vou abandonando, aí volto.

Você falou que ia fazer um álbum de 33 músicas, mas como que foi escolher essas músicas e fechar ali naquelas?
Quando eu pensei nisso, assim, de fazer, mano, 33 faixas, você meio que, você tem que fazer 50, tá ligado? Tipo assim, nem que não sejam todas as músicas completas, mas você tem de ter essas ideias para entender se elas conversam. Eu vi um bagulho desse na internet, a pessoa (uma jornalista de entretenimento) questionando isso assim: “cara, você vai lançar um disco com 20 faixas, você realmente tem tudo isso para falar?”
Eu vi essa parada também…
Na maioria das vezes, os artistas têm, cara. Porque você fica um tanto dentro de si, tá ligado, mano? Você fica guardando tanto… essa merda virou tumor se você deixar. Você tem que soltar. Só que aí, mano, uma coisa é a cultura, outra coisa é o mercado, mano. Então, será que o mercado vai consumir essas 20 mesmo? Não é muito se você tem ou não coisas pra falar. Essas ideias estão bem amarradas, elas conversam, tem um ritmo legal pra que não canse, pra que não enjoe, tá ligado? Então, você vai encontrando esse caminho do meio quando você vai produzindo mesmo, até em textura de som. Tipo “NQL BECO”… eu não queria largar o osso porque eu tinha falado do disco que o Frank Sinatra tinha feito com Tom Jobim na música anterior. Tinha uma música chamada “Insensatez” nesse álbum, e aí eu quis brincar com isso na música anterior (“SANTORUA”), que é toda com S, e aí eu falei “Sensatez, Sinatra, Jobim e Sessions”. Tipo… então, quando eu ouvi a outra batida, que era uma onda italiana, parecia bem mafioso mesmo, eu falei assim: “porra, essa música tem que vir depois”. Só porque eu tinha falado do bagulho do Sinatra com o Jobim [risadas]. Então, por causa desse gancho, essas duas músicas tinham que estar na sequência. Aí você vai entendendo, vai juntando, você vai abandonando outras coisas para essas estarem, tá ligado? E aí você vai filtrando. Eu não gosto de lapidar tanto. Até porque também, cara, às vezes eu sinto a minha parada às vezes muito rebuscada, tá ligado? Tipo assim, muito difícil, às vezes muito abstrata, tá ligado? Tipo muito paradoxal. Então… eu quero também que a minha música soe bruta, soe mais popular, soe mais direta, então eu vou tentando sentir essa temperatura, fui tentando encontrar isso e fui selecionando dentro disso.
Mas também não é uma expectativa do público também? Quem te ouve já não espera que você traga as ideias desse jeito?
Qual é, cara? Eu aprendi isso com o público, na verdade. Tem um cara que faz um bagulho desse no YouTube. Ele tem um canal chamado Quadro Branco. Eu aprendi com ele, depois que ele lançou um vídeo falando: “San se comunica em paradoxo”. Eu nem sabia, tá ligado? E pelo fato dele ter me ensinado isso, eu comecei a até fazer mais consciente. Tipo, um bagulho que eu já meio que fazia, eu comecei a afinar melhor. Com certeza. A primeira pessoa que eu quero agradar sou eu, só que eu preciso encontrar pessoas. Então, se essas pessoas que já estão comigo, elas ditam esse ritmo pra mim, é esse ritmo que eu vou seguir, com certeza. Só que eu quero também furar bolhas, eu também quero encontrar novas pessoas, eu quero mostrar também que sou capaz, então eu vou tentando encontrar um caminho do meio.
Mas até no disco romântico, você segue na mesma linha. Faz parte da sua estética. Não tem como abandonar isso.
É complicado, é complicado [risadas]. Mas é isso, já é um disco de amor, sabe? Já é uma parada também que… porque juntou eu e o LP, dois caras também que não saem da caverna, que ficam inseguros para caramba, que só ficam quietos, que não falam muito bem com os outros. Pô mano, vamos baixar essa guarda, vamos tirar um pouco dessas cascas, vamos ser amados, vamos amar, vamos falar sobre isso. E aí vamos encontrar o nosso jeito para fazer isso, tá ligado?
É interessante a conexão que vocês dois têm…
Pra caramba, amo esse cara, mano.
E como funciona o processo criativo de vocês, quando vocês estão trabalhando juntos?
É muito fácil mesmo, porque nós vibramos na mesma frequência. O lance que a gente tem é de tomar mais cuidado mesmo e não ficar tão perto mesmo, porque senão as pessoas acham que nós somos uma dupla. Que o cara só vai fazer coisas pra mim, que eu só vou fazer coisas pra ele. Então, a gente tem que tomar mais cuidado com isso. Mas a gente junto é muito tranquilo, porque somos amigos. A gente não se conhecia quando começamos a dividir uma casa junto, porque a gente dividia a casa com mais cinco malucos. E aí, dentro disso a gente começou a ter uma amizade, foi se juntando mais e fazendo música juntos. Lógico que a gente não pensa 100% igual, a gente traz muitos contrapontos um para o outro, mas é muito igual. A gente vibra muito na mesma frequência mesmo. Então é muito fácil.

Falando de parceria e camaradagem, “CONVICTO” tem várias participações, inclusive de gringos.. Como essa conexão?
Cara, foi por causa de uma amiga que tem esse contato com esses gringos, tá ligado? Ela, a Rosana Gringa, é brava demais. Ela está envolvida com o hip hop há muito tempo. Ela mora na Dinamarca, mas sempre se envolveu com as coisas de hip hop, de rap. Então, muitas das coisas que acontecem de rap na Dinamarca, ela está envolvida. E ela tem esse contato com esses caras, que são relíquias do rap de Detroit, nos Estados Unidos. Eles têm o lugar deles ali na cultura. Mas eu não tinha esse contato, tá ligado? E foi bom trazer outras convicções de um outro lugar, tão distante. Porque eu queria muito um disco plural mesmo. E aí a Rosana, do nada, chegou e disse: “Tô com contato dos amigos aqui, do Phat Cat, do Guilty Simpson… vamos fazer um rap com os caras, mano. Se você tiver alguma coisa, manda pra eles lá”. Aí, eu cheguei até mostrar duas, uma outra e essa que é do WC, “JOIAS NO COFRE”. Porque vou te falar, cara… igual quando eu estava fazendo “NQL BECO” e pensei no Borges, essa eu tinha pensado muito no GTA. Já sabia muito que ele tinha de estar nessa música. Mas aí surgiu esses gringo… eu traduzi o meu verso também para mostrari, mandei o bagulho todo em inglês para os caras entenderem mais ou menos essa textura e o tema que eu estava abordando. Desenrolei talvez até mais com o GTA do que com os gringos, porque a Rosana Gringa quem fez mais essa ponte. Eles mandaram os arquivos. Mas aí eu fui meio que tentar também dar esse holofote pro GTA, que também, cara, entregou muito nessa música. Tipo, ele chegou no estúdio, com dois versos, tá ligado? Ele disse: “Eu escrevi dois versos aqui para você ver qual é o melhor para escolher aqui”. Eu falei: “meu irmão, bota os dois então” [risadas].. Ele já tinha uma brincadeira com o refrão também. Mas eu gostei dessa construção também, dessa dinâmica… mesmo se você não entende a línguai, quando os gringos vêm ali, flui também com esse boom bap sujo e você sente essa nostalgia noventista, e depois ainda volta o GTA nsse refrão. Eu gostei da construção da música.
“O JOVEM NO BRASIL NÕA É LEVADO A SÉRIO MESMO, MAS É PORQUE A GENTE TAMBÉM NÕA BOTA AS PEÇAS NA MESA E FALA ASSIM: “MANO, EU CONSIGO TROCAR UMA IDEIA DE IGUAL PARA IGUAL COM VOCÊ, IRMÃO”
É o poder da música, o poder do rap, da mensagem, que, independente da linguagem, você vai sentir a parada. E as coisas vão se conectar. As ideias se ligam porque está todo mundo no mesmo espírito, no mesmo direcionalmente… Você colocou também o Marechal ali no primeiro som. É uma responsa, né?
Cara, é uma parada que eu gosto de tirar essa onda aqui. Parece que só eu consigo, tá ligado? Eu tenho que ir lá, mas também é assim: Dungeons & Dragons. Tem que ir lá na caverna mesmo, entendeu? Com a tua espada, teu escudo e batalhar ali, tá ligado, irmão? Nadar contra a corrente e ir levando no sorriso. Mas é uma parada que eu gosto de fazer, irmão, porque… alguém tem que fazer. Senão ele fica lá na maluquice dele [risadas]. Ele me salvou, na real, mano, porque eu tinha pego a batida, né mano? Eu queria muito uma voz feminina nessa música, tá ligado? Eu tinha tentado acionar algumas amigas também para tentar fazer esse refrão. Eu gosto muito de batalha mesmo, eu sou péssimo no improviso, mas eu gosto muito de batalha de rima, fico vendo pra caramba os vídeos, quando está em live. Eu até vou em algumas presencialmente, mas particularmente eu prefiro ver nos vídeos, porque eu fico aqui no conforto da minha casa, avanço o que pode avançar, volto, tá ligado? Mas eu queria muito encontrar alguém. E, mano, é até difícil fazer isso se você não sai de casa, porque tem esse bagulho muito urgente também nas batalhas, assim, você tem que estar na rua, mano. E é muito maneiro pra mim, essa onda do rap, porque o rap é jovem, é pro jovem, é feito pelos jovens. E o jovem tá na rua por causa das batalhas de rima hoje em dia, cara. Porque os MCs deixaram de vender CD de mão em mão pra se trancar no camarim e virar essa onda do pedestal, do heroi, do cara que é só o ídolo. Então, na rua mesmo, mano, só essas batalhas de rima que estão mesmo hoje em dia. É muito maneiro, mano, você sentir essa energia. E eu queria muito essa energia já no disco mesmo. Queria fazer alguma coisa, a gente até fez mesmo lá com o Coliseu, fazer alguma parada na rua, na batalha. E eu queria trazer mais disso no disco. E aí, pô, mano, poder fazer isso com o Jotapê foi uma parada fenomenal, porque pra mim é disparado um dos melhores disso. E ele pôde ir na minha casa, a gente fez um churrasco, a gente trocou essa ideia de música. Também foi um lance de juntar essas gerações, porque também… o Marecha é um exímio freestalheiro. Faz improviso de uma forma impecável. E aí ele já tava na produção, tá ligado? E o Jotapê tava ali na rima. E eu não consegui essa voz feminina, tá ligado? Tipo assim, difícil pra caramba. E o Marechal na produção conseguiu fazer uma onda de algumas coisas assim, que soava como um vocal feminino, já na batida, tá ligado? E aí ele tirou da cartola esse refrão. Eu queria que esse refrão se repetisse até mais. E ele falou só ali no comecinho, mas se eu reclamar eu tô mentindo também, já tá ótimo, já é suave. Muita gente nem pega essa visão que é o Marecha ali….
Você é uma das referências do rap da sua geração. Sente uma pressão, às vezes, de continuar sendo consistente, manter um trabalho retilíneo?
Não, cara, porque… eu não sei se é a minha insegurança. Eu acho que eu sou bem realista nisso. Eu acho que não é minha insegurança, mas pode ser também. Assim, cara, eu sei lá, irmão. Eu tô tentando tirar minha casa própria agora, em 2025, irmão, tá ligado? Então, tipo assim, referência do quê? Se liga! Eu tô correndo pra caralho, trabalhando como um filho da puta [risadas]. Não, essa parada não está na minha mente não, tá ligado? Muitas das vezes os caras conversam como se eu não estivesse na sala. Não sei se existe isso tanto mesmo. Meu bagulho é continuar fazendo minha parada, tá tranquilo. Se eu reclamar, eu tô mentindo também.
Mas o lance da referência existe, sem falsa modéstia [risadas].
É, eles têm que me engolir, irmão. Eles têm que me engolir, não tem jeito [risadas].
Querendo ou não querendo. É aquela coisa: o San lançou uma parada ali, vamos ver qual é.
Querendo ou não querendo… mas ele não me deu essas flores, não, irmão. Dificilmente eles me dão essas flores. Mas eu já cansei de ficar nessa também, de querer essas flores. Teve um tempo na minha carreira que até me adoeceu um pouco nisso, deu falar isso pros amigos, assim, de tipo: “não mano, vou obrigar os caras a falar de mim irmão, tá ligado?” Tipo assim, eu não vivo a realidade dos caras, porque mano, é um monte de playboy da Zona Sul, mas eu vou tá ali mano, na hora de falar dos caras, vai ter de falar meu nome, irmão. E aí numa dessa, eu tive de fazer um monte de coisa e acabei não ligando pra mim. Eu fui lá fazer música, eu enchi o canal de várias pessoas de milhões de visualizações e eu mesmo não lancei as minhas coisas, cara. Mas eu me orgulho demais das obras que eu fiz, dos lugares que eu conquistei, das pessoas conhecerem, desse carinho, dessa parada que você falou: “mano, se tem isso aí, se tem o menor ali, mano, vale a pena dar atenção”. Só que eu acabei eu mesmo não dando atenção para minha parada também, cara, então tipo, na balança, é foda, tá ligado? Então hoje em dia eu já quero conseguir fazer essa parada de uma melhor forma, mano. Até sobre saúde mental mesmo, assim. Quero muito conseguir falar isso de uma melhor forma também, sabe? Não sei se em música ou de outras formas. Mas quero tentar colocar esse lugar na história de uma forma melhor. Se não, realmente, mano, os caras vão fazer de tudo para me invisibilizar.
E como você observa hoje o cenário do RAP? A gente chegou num momento ideal de um rap que ganhou destaque ou somente alguns conseguiram…. não chegou para a maioria.
Ah, eu acho que é o que sempre foi, né, irmão? Tipo, eu acho que… lógico que mudou muita coisa. Eu acho que um jovem abraçou essa parada e eu acho que isso foi uma virada de chave. Tipo, quando um empresário do RUN DMC falou isso, tá ligado? Tipo, o rap não é música de grito, não. O rap é uma música teen, tá ligado?Aí, os caras lançam o comercial da Adidas, de conjunto e tênis, é isso aí. Eu sinto mesmo que a gente tá numa defasagem de 20 anos ainda mesmo, que tá rolando o que 20 anos atrás rolava lá fora. Mas eu acho que já é melhor. O meu olhar é bastante esperançoso e otimista mesmo. As coisas têm melhorado, as coisas têm evoluído. A passos de formiga, as coisas têm até amadurecido. Eu acho que a galera tem que se racializar um pouco mais. Acho que a galera tem que se intelectualizar um pouco mais. Não é também ficar se descolando da realidade, porque aqui é Brasil também. Mas eu acho que a galera tinha que ter um pouquinho mais de consciência, cara, tá ligado? Até para continuar fazendo as mesmas coisas, mas conseguir ter uma postura melhor, cara, porque senão vão continuar tirando o jovem para moleque. E não é isso, tá ligado? O jovem no Brasil não é levado a sério mesmo, mas é porque a gente também não bota as peças na mesa e fala assim: “mano, eu consigo trocar uma ideia de igual para igual com você, irmão. Tá ligado? Tipo assim, a gente precisa disso mesmo? Recentemente fizeram o Pose do Rodo chorar, mano. Isso parte o meu coração, mano. Porque, tipo assim, o Pose tinha que estar muito mais bem posicionado pra trocar essa ideia de igual pra igual contra o sistema. Mas é complicado, mano. E aí, tipo assim, me faz chorar também, tá ligado? Nós ainda não tá ali, mano. Vai ficar sempre tirando a gente de Lil Nigga, tá ligado? Tipo assim, sempre, tá ligado? Vai sempre… pô… E é culpa nossa também, tá ligado? A gente tem que assumir essa resposta, tá ligado? A gente tem que puxar as rédeas mesmo. Mas eu acho que o futuro é melhor, mano. Eu acho que a galera tem que ser conscientizada também. A galera tem entendido melhor isso também. O poder de compra cresceu também, né, mano? Mas eu acho que isso tem que ser coletivo, cara. Não dá pra gente ter uma fan base pra uma menosada de 10 anos indo pra escola só pra comer, mano. Ouvindo sobre teus carros, sobre tuas joias e cantando isso enquanto ele tá indo lá só pra comer, mano. Tá ligado? Ele não tá indo pra estudar ainda. Ele tá indo pra ter uma refeição no dia, mano. E tá cantando essa parada que tu tá botando aí, enchendo o cu de dinheiro. Então, tipo assim, essa balança está um pouquinho desregulada.. Mas acho que vai melhorar, acho que vai melhorar, cara. Eu sou esperançoso pra caramba.
Você tem feito esse papel também de fazer a gente pensar nas músicas, né?
Alguém tem que fazer, meu compade [risadas]. Mas eu não sou o único.Tem uma galera muito boa fazendo coisas muito boas, só que tem essa invisibilidade, né? Soa como velho chato, rabugento, que ninguém quer ficar ouvindo não, mano. Dá nem pra dançar, mano. Essa parada não vai tocar no baile, mano. Tá ligado? Então, tem de encontrar um caminho do meio, pô. Tá ligado? Porque essa parada também tem de tocar no baile. Tá ligado? Mas aí é culpa minha também. Porque eu também tenho de encontrar uma forma melhor pra parada soar melhor, pra tocar no baile. Tá ligado? Então, tipo assim, vamos encontrar esse caminho.