Russo Passapusso é uma das vozes mais conhecidas da música brasileira contemporânea. É verdade que muitas vezes não associam ele àquele que dá voz às músicas do BaianaSystem e conduz o Navio Pirata com uma energia singular. Russo tem o poder de cativar. Dificilmente alguém vai ficar parado quando ele estiver com o microfone na mão, seja no Baiana, sozinho ou acompanhado. E por incrível que pareça, tudo isso pode ganhar uma proporção ainda maior se a companhia escolhida tiver a mesma energia que ele.
Também de Salvador, Vandal é referência no rap BR e pioneiro (de fato) nas atuais vertentes do gênero, como o Drill. Tem personalidade e uma forma de rimar que é própria, não apropriada. Ele é unanimidade entre os especialistas, leigos e amantes do hip hop. Já Melly é diferenciada, mas segue a mesma toada dos seus conterrâneos. Possui voz marcante, agridoce – suave, mas potente, e sua forma de interpretar leva o ouvinte para uma experiência única de audição.
A partir de encontros no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, perto da casa de Jorge Amado, essa explosiva trindade se formou para dar vida ao single “FerroFere”. “É como se fosse uma matéria-prima da Bahia misturada com música urbana dos dias de hoje”, diz Russo. De fato, ela une o clássico e o moderno, do soundsystem ao rap e ao R&B, com toda essência e o tempero apimentado de um dos lugares onde a cultura preta está enraizada.
Com doses balanceadas do estilo de cada um, a música foi inspirada em “Fera Ferida”, escrita por Roberto e Erasmo Carlos, e popularizada na voz de Maria Bethânia. As primeiras rimas dela nasceram anos atrás nas festas do Ministereo Público, soundsystem que Passapusso fez parte e onde se aproximou de Vandal. Quem participou de eventos feitos por eles nos bairros de SalCity teve a oportunidade de ouvir várias vezes citações de que “quem com ferro fere também será ferido”. Talvez esse fosse o sinal do que estaria por vir.
“Essa mensagem precisava sair de uma forma que mostrasse a atemporalidade das ruas de Salvador”, observa Russo. “Aí vem Vandal, aí vem Melly. Então é uma mistura disso com esse mote das relações de ação e reação específicas que a gente vê hoje, até com as redes sociais, e com as influências românticas em relação a ‘Fera Ferida’, essa peça preciosa da música brasileira. Eu sinto isso na letra”.
Por se tratar de três artistas diferentes, a produção também foi dividida entre Seko Bass, que também faz parte do BaianaSystem, e Tiago Simões, produtor de Vandal, com Ícaro Santiago, tecladista de Melly. São gerações distintas com estilos, que apesar de se conversarem, têm personalidade própria. Porém, o alicerce bem estruturado permitiu que cada um compartilhasse suas ideias sem que ninguém ficasse em segundo plano – tipo no jazz, onde todos são protagonistas.
“Houve uma conexão muito forte entre os artistas e todos estavam imbuídos em fazer com que essa música fosse um presente de início do ano para o público. Isso se configura como nosso abre-alas para o ano”, ressalta Vandal, que é complementado por Melly: “Quando Russo me apresentou os versos vi a oportunidade de ser, nesse eu lírico, uma pessoa que não teme, uma fera de fato, que toma posse da dor. Cada batalha vencida só resulta num brilho mais forte. É uma mensagem importante, é necessário ser seguro das suas feridas, saber quem você é, pelo que você passou e porque, ter orgulho de onde pode chegar”.
