Sempre tem alguém dizendo que o rap BR passa por uma fase em que é difícil encontrar algo que não seja o mais do mesmo. Isso pode até ser verdade se formos guiados apenas por números. Quando ampliamos a visão, facilmente encontraremos uma diversidade gigantesca. Mas nem todos estão dispostos a explorar o que está na margem. Isso só acontece quando alguns conseguem dar uma saída – mesmo que momentânea – do “submundo”. Assim, impressionam pela capacidade de criar algo que não siga a famigerada receita. Porém, quando alguém tenta ser um pouco mais subversivo na fórmula, pedem para voltar à base. Não agrada. Quem consegue subir à margem, ganha os louros . Por outro lado, às vezes é melhor que fiquem ali para não serem explorados artisticamente, como aconteceu milhares de vezes.
Ouvindo o Ruas MC concluí que ele poderia ser um desses que furam as bolhas e servem conceitos. É tipo aquele artista que você descobre e não quer que ninguém mais tenha acesso ou vire tendência, deixando o status de underground. De 2021 a 2024, ele transmutou. Do rap clássico, com letras contundentes, de “Sonhos de Vitrine” (2021), ele foi para algo mais ritmado no “Picaretas de Fachada” (2022). Depois, usou novamente para falar sobre os perigos e as delícias da noite em “NO EMBALO DE UMA SEXTA-NOITE, Volume 1 (2023)”. Comparando o primeiro com o último, são dois MC’s distintos. Essa é daquelas evoluções que causam um certo impacto – positivo. A transição foi rápida e assertiva. Ele uniu a experiência anterior com as que foi adquirindo no caminho para criar aquela que agora pode chamar de sua identidade.
Ao ouvir o segundo volume de “NO EMBALO DE UMA SEXTA-NOITE” é possível sentir que Ruas se encontrou naquela forma de interpretar – ágil, cômico, sintético. Depois de ir na audição deste álbum, a fotógrafa Gabriela Zanardi (minha amiga) disse que eu precisava ouvir com urgência. Pela empolgação dela, fiquei curioso porque até então só tinha ouvido o Ruas no Picaretas. Depois de ouvir várias (e muitas) vezes, entendi o frenesi.
No V2, as ideias iniciadas no V1 foram extendidas, e a estética do MC também está ainda mais encorpada. Pode-se considerar que cada música é uma crônica que gera visualizações de como poderia ser o “pião” de sexta-feira à noite. Não que ele conte tudo nos mínimos detalhes. Pontua apenas o que importa, te levando a vivenciar o momento. A linguagem usada gera identificação com o ouvinte, bem como as situações que são desenroladas. “Chego no Baile” é uma das que ele mais usa jogos para criar o cenário. “Mesma cidade noite diferente / joga no Waze a loc do pico / onde ela ama o tamanho pingente / leva pra casa o cordão mais bonito / um cap da Gucci, um kit all black, eu fico mocado até fora da base / essa mina é igual novela da 7 / da malhação ela parte pro baile”, diz um trecho da música.
Ainda nessa, ele cria uma narrativa usando temas e personagens de novelas para criar seu roteiro. Outro ponto é o deboche que usa para se auto afirmar, tipo: “Chego no baile, as damas já dá chilique / é que meu perfume é dinheiro / eu passo ela espirra igual rinite”. E esta: “O corte na risca / os menino conta forte / então entenda a diferença / seis é cavanha, nóis é bigode”. Em “Remédio pros bico” diz isto: “Eu tenho a senha, o cash, a chave, a city / já que ela posa e ama / se pá tô sem pano dry fit / lanço o kit Dolce Gabbana / esse nerd não tem suingue e ele odeia meu nome”.
Só por esses pequenos trechos é possível ter uma visão amplificada do arsenal lírico que ele lança ao longo dos 30 minutos. Para guiá-lo, MELI cria camadas com beats eletrônicos distintos. Eles fazem com que o alvo (ouvido) seja atingido com êxito.
Esse é um álbum direcionado para pista, e recomendado que se ouça com o volume bem próximo do máximo. Quando a vibração começa, o corpo responde espontaneamente Tem um pouco de tudo. House, techno, EDM, miami bass e funk. A já citada “Chego no Baile”, “Don Julio” e “Balança”, com Kenan e Kel, & Yuri Redicopa, são algumas que podem (e devem) fazer parte do set de diferentes DJs. Serve também para fazer o esquenta das aventuras de sexta à noite. De um jeito atraente e fluído, Ruas segura a atenção. Não dá a oportunidade de que alguma música seja descartada logo no início. Não tem como colocá-lo na caixa do rap, mesmo sendo. A pluralidade é tanta que cabe em várias ou em nenhuma. Isso pode fazê-lo ganhar destaque em outros ambientes, inevitavelmente, servir de referência.