Nada pode ofuscar a luz de Rico Dalasam. É verdade que sempre existe uma vontade de apagá-la luminosidade desenterrando problemas já superados. Felizmente, todas as tentativas foram em vão. “Dolores Dala, o Guardião do Alívio” prova que ele ainda continua na sua melhor fase. Assume a titularidade de qualquer time. E como no futebol, que tira o torcedor da sua triste realidade, mesmo que por 90 minutos, Rico traz alívio, beleza e uma certa paz nestes tempos de crise.
É interessante como ele consegue transformar suas dores, incômodos, emoções e problemáticas cotidianas em força. Faz reflexões necessárias sobre autoconfiança, a relação abusiva que temos com o nosso estilo de viver, escolhas e a possibilidade de dizer não, quando necessário. Tudo isso é tratado de uma forma leve [e até doce], inclusive nas introduções [que podem ser consideradas a cereja de um saboroso bolo de chocolate].
“Todos os assuntos que envolvem DDGA estão no campo da subjetividade afro-latina”, observa. “E os desdobramentos dos enredos e narrativas das canções passam por situações que inevitavelmente são contextos de dor ou de conflito, principalmente na área dos afetos, que acho que é o lugar que mais me importa discutir neste momento. Não estou debatendo o corpo político ou a vida do negro do modo social, mas discutindo um lugar lá dentro da gente que é pouco elaborado no imaginário coletivo da sociedade”.
Existe muito sentimento envolvido. Feridas são expostas na mesma proporção que o antídoto para lidar constantemente com as cicatrizes. Não é um poço de lamentações nem de ressentimentos. Dalasam usa seus desencantos com o amor e a vida para dizer com diferentes palavras e analogias de que recomeçar é mais que necessário e essencial para o aprendizado.
“Envolve o afeto preto e como ele se desdobra dentro de um território onde a história proporciona desde seu princípio um lugar de preterido. Não se sabe, não se pensa, não se espera e não se conta que a gente é feito de extrema humanidade quanto aos afetos e isso demanda uma série de conflitos e questões”.
Essas ideias estão muito bem acompanhadas de uma musicalidade que expressa muito bem a diversidade do Brasil, usando variações de samba, bossa, funk e pagode, e o apimentado tempero latino, principalmente em “Expresso Sudamericah”, “Última Vez” e “Braile”. Isso é resultado da escalação de produtores que jogam em mais de uma posição e se permitem experimentar: Mahal Pita, Dinho Souza, Rafa Dias, Pedrowl,Moisés Guimarães, Netto Galdino e Wallace Chibatinha.
Todo o conjunto faz de “Dolores Dala” uma obra atemporal. Não se encaixa em rótulos. E não pode ser colocado em nenhuma caixinha. Isso o torna relevante nos próximo 20 – 30 anos [e mais]. A mensagem é abrangente. É afrofuturístico [em todos os sentidos]. Tem magia, sensualidade, poesia, verdade.