O rap brasileiro tem conseguido furar as bolhas, e entrar em lugares que antes não era muito bem-vindo. Porém, os que consomem e aqueles que ajudaram (e ajudam) a fomentá-lo não tem conseguido o mesmo acesso – e em diversos momentos nem o respeito de artistas, organizadores e até mesmo o público. Esse é o caso de jornalistas, fotógrafos, blogueiros e profissionais que se dedicam cotidianamente à cultura Hip Hop.
Um dos exemplos disso foi a negativa de credenciais para a maioria da imprensa especializada de rap – como é o caso do RAPresentando -, que se inscreveu para cobrir o Lollapalooza 2022. (Outro exemplo foi o jornalista/fotógrafo Felipe Mascari ser acusado injustamente – no Twitter – por uma colega de profissão de ter roubado uma foto, que ele mesmo fez do Emicida com o Criolo no show em homenagem ao Taylor Hawkins). Como Emicida canta em “Bang!”: “Nem todo mundo que tá é nem todo mundo que é tá”.
Nesta edição, querendo ou não, o rap teve um papel de protagonista, inclusive por conta de toda a polêmica que se desencadeou ao longo dos três dias de festival, após o TSE acatar a denúncia do partido do atual presidente para proibir a manifestação política durante os shows. Obviamente, essa tentativa de censurar o direito à expressão só deu mais combustível para que a política se tornasse a parte central das apresentações.
Como sempre acontece, Djonga chamou a atenção pela dinâmica. Muitos se impressionaram pela sua forma, outros que estavam na platéia não entenderam. É certo que o nível da apresentação dele no festival foi elevado, mas quem já participou de alguns de seus shows sabe que é sempre o mesmo frenesi, e que fazer a roda e ele ir no meio do público é uma ação tradicional. Pela TV, deu para observar que muitos estavam perdidos na proposta (detalhes). Por outro lado, o rapper mineiro conseguiu envolver, xingar Bolsonaro 22 vezes e dar o recado para que os presentes, majoritariamente brancos, abraçassem de fato a causa negra.
“Quero ouvir com muita força, para o mundo inteiro ouvir, e ver se acaba com essa palhaçada de uma vez. ‘Nós’ não aguenta mais perder criança na favela com bala perdida”, ressaltou. “Não aguenta mais polícia parando a gente na rua por a gente ser quem a gente é. Não aguenta mais ser perseguido por segurança no shopping […] Quando a gente reage, a rapaziada fala que a gente é violento, que nós somos loucos. Nós não aguenta mais, é Kauan, é Ágatha. Vocês têm que lutar junto. Eu não sou político, não sou porra nenhum, eu sou só o Djonga falando uma coisa em que eu acredito”.
Para espectadores de pop (e talvez rock), o qual festival é destinado, Emicida também deu seu papo, de uma forma menos efusiva que o Djonga. Tocando guitarra, ele abriu com “Boa Esperança”, e passeou por diversos sons de “Amarelo” e aqueles que foram essenciais para chegar onde chegou, como “Hoje Cedo” e “Levanta e Anda”. O cenário com vitrais de igreja, que faz parte da atual turnê, ilustrou o palco. Acompanhado por sua banda, e o DJ Nyack, o MC recebeu no palco Rael, Drik Barbosa e Majur. Entre os sons, também convocou a molecada para tirar o título de eleitor, deixou sua mensagem ao presidente, e finalizou com a palavra do pastor Henrique Vieira (a mesma presente na música “Principia”).
No domingo, Emicida voltou ao palco para homenagear Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters, falecido na noite de sexta-feira, 25, aos 50 anos. Como o show da banda liderada por Dave Ghroll foi cancelado, a organização convocou o rapper para ser o mestre de cerimônias do tributo. No primeiro momento, a escolha não foi muito assertiva. O público não esperava essa substituição, e não a aprovou 100%. Havia uma apatia de quem assistia ali na frente. Não se envolviam, mesmo os artistas no palco entregando tudo.
No ato, estavam Mano Brown, Ice Blue, Criolo, Drik Barbosa, DJ Nyack, DJ KL Jay e Bivolt (que fez um freestyle para geral tirar o título de eleitor, que poderia ser usado nas campanhas do TSE). Uma das respostas mais diretas deles para a tentativa de quem está no poder calar a boca de quem estava se manifestando contra foi “Mil Faces de Um Homem Leal”, do Brown, que diretamente enaltece o inimigo número um da Ditadura Militar: Carlos Marighella. E mesmo com todas as tentativas de levantar geral, a resposta não teve a mesma potência.
Ao final, o Planet Hemp complementou o tom crítico, mas sem dar o protagonismo aos inimigos. Do início ao fim, Marcelo D2 e BNegão não pararam no palco. Falaram de amor, política e, claro, maconha no melhor estilo punk. Apesar de toda a energia, novamente os pagantes pareciam não estar interessados. Talvez o lugar e o momento tenha sido errado, porém, se tornou importantíssimo para mostrar o quão poderoso o rap é – em todos os sentidos -, e que vai tomar lugares com apoio ou não.
Na sexta-feira, 25, o Matuê também fez uma apresentação consistente, cantando hits atrás de hits. Levantando geral em alguns momentos, e em outros nem tanto – e nisso ele não teve culpa. E mais uma vez, infelizmente, Rashid teve sua participação cancelada. O motivo, novamente, foi o tempo e os riscos de tempestade e raios.
Infelizmente, não foi possível assistir todos os shows de rap, porque os outros que aconteceram não foram transmitidos e também (ainda) não foram disponibilizados. Essa imersão cada vez mais frequente nos principais festivais é totalmente essencial até para popularizar o estilo em outros ambientes. Mas também se faz necessário ter uma quantidade maior de grandes eventos de rap, direcionados aos amantes do próprio, que raras vezes acessa (por inúmeros motivos) os demais espaços. E que também exista mais respeito (só isso) com quem está na base.