Aos 12 anos, encarcerado na Fundação Casa, Marcelo Abdinego Justino Generoso, o Nego Bala, teve um encontro com o seu destino: a música. Ele poderia se manter no mesmo caminho que vários outros jovens da sua cor e realidade escolheram percorrer sem ter certeza que chegariam até o final. Mas decidiu mudar o direcionamento, tendo como ponto de partida a Boca do Lixo, na região central de São Paulo (“popularmente” conhecida como Cracolândia).
Os detalhes dessa jornada, o funkeiro compartilha no álbum que traz no título o lugar de onde ele veio: “Da Boca do Lixo”. Algumas das músicas foram desenvolvidas na prisão, quando o autor esteve privado de liberdade aos 19 anos. É quase uma autobiografia de suas vivencias.
Para complementa-lo, a AKQA\Coala.LAB e a produtora Stink Films fizeram um curta-metragem dirigido por Douglas R. Bernardt. A música “Sonho”, escrita há mais de uma década por Nego Bala, e tem a participação de Elza Soares, serve como guia para que a história do MC seja revisitada.
Um dos momentos inspiradores está próximo ao fim do filme, quando o Bala do futuro se encontra com quem ele foi na infância. O conselho dele serve para todos que em algum momento têm pensado em desistir, principalmente nesses quase dois anos de caos que afetou ainda mais a população negra e periférica. Apesar dos pesares, desistir não está entre as opções.
“Foi um flash de várias emoções e um misto de aprendizado monstro pelo qual passei”, afirma Bala. “A ideia central do disco era a de unir as minhas poesias em diferentes formas de fazer funk, criamos a atmosfera necessária para cada uma das letras, como um laboratório”.
Esses experimentos fez com que as ideias fossem sintetizadas em cima de texturas variadas, que abre para diferentes possibilidades. Isso também faz com que confundam o tipo de arte feita pelo cantor: é funk ou rap?. Vai além.
Tentar colocar Nego Bala em algum tipo de caixa é um erro. Ele fala a linguagem das ruas. Eleva a autoestima dos seus iguais, fazendo com que sua mensagem ancestral de esperança, liberdade e, também, de curtição chegue aos ouvidos sem nenhum tipo de ruído. É a verdade dele, que reflete o cotidiano de brasileiros que vivem à margem de uma sociedade opressora.
Livre de qualquer tipo de amarra, Nego bala ressignifica sua história, celebra as vitórias, trata das feridas e mostra que a sobrevivência pode ser transformada em existência – porque, para os pretos, se manter vivo é um ato revolucionário. Da boca do lixo é possível chegar a qualquer lugar. “Quando você está preso, a única coisa que você tem para se libertar é a música”.
Foto: Larissa Zaidan
