“Por favor não divulguem esse projeto”, escreveu Matuê, em 05 de agosto, no X – antes Twitter, hoje bloqueado no Brasil – logo depois que o EP “Sabor Overdose no Yakisoba” foi liberado para streaming sem aviso prévio. O objetivo desse projeto era apenas cumprir com suas “obrigações” e finalizar um contrato com a Sony Music, vigente desde 2019, o qual o rapper cearense demonstrava insatisfação. Pouco mais de um mês depois, ele aparece no Vale do Anhangabaú em cima de uma pilastra com um led marcando as horas.
Debaixo de um sol forte, e tempo seco, ficou ali por 3 horas até o relógio marcar 3:33 da tarde. Depois, acendeu um e o segundo álbum dele, “333”, ganhou o mundo. Rapidamente, os números escalaram: 16 milhões de plays em suas primeiras 24 horas no ar, apenas no Spotify. Também colocou 11 das 12 músicas do projeto no Top 50 das mais tocadas da plataforma no Brasil, sendo duas delas entre as cinco primeiras posições.
Esse fenômeno não é algo surpreendente. Mesmo antes de “Máquina do Tempo”, Matuê tem conquistado uma base de fãs cada vez mais fiel. Por isso, seria difícil mudar por completo uma receita conhecida e apreciada por quem o ouve. As músicas que abrem “333” refletem muito isso. Liricamente faz o básico, com um misto de mais do mesmo. Usa formas diferentes de falar sobre maconha, carros, jóias, que tem muito dinheiro e que as mulheres (na maioria das vezes chamadas de vadias) tem interesse ou se excitam por aquilo que tem, e que também por isso possui muitas pessoas com inveja e inimigos querendo o seu mal.
É claro que isso seria inevitável, porque é o tipo de mensagem que o público dele está acostumado a ouvir, seguindo a estética dos trappers estadunidenses. Esse, na visão dos amantes do gênero, seria o real trap.
Ao contrário disso, a base instrumental é eficiente, muito bem lapidada. O trap puxa o fio, mas está longe de ser unanimidade. Do original funky ao miami bass, o trapper também explora o indie rock, soul e até um jazzy (em “333”). Essa versatilidade rítmica faz com que a “pobreza”de algumas letras passe despercebida e ganham status de possíveis hits -: “Crack com Mussilon”, “1993” e “4tal”. Um ponto a ser considerado em relação a maioria é o uso do auto-tune. Tem uma certa moderação, e a mixagem equilibrada entre a voz e as linhas harmônicas deixam a escuta agradável.
Os apontamentos em relação às composições iniciais não quer dizer que “333” é limitado. Podemos dizer que ele se divide em duas partes, sendo a segunda – apesar de alguns resquícios da primeira – mostrar um Matuê maduro. A virada começa com “Som”. A partir dela, o artista inicia abordagens mais densas, trazendo à tona suas referências. Talvez (talvez) esse seja o começo de um outro direcionamento que ele pretende explorar.
Desse lado B, destaque para “04AM”, “Maria”, “333” e “V de Vilão”. Nesta última, ele desenrola uma história que mexe com o imaginário. É um pouco mais profundo do que todos estão acostumados.
Se for seguir pelo caminho que propõe em parte de “333”, Matuê conseguirá estender um pouco mais o raio de extensão. Pode ser que nem seja a pretensão dele sair da sua redoma- por estar confortável nela -, porém, os indícios mostram que não tem a intenção de ficar numa caixa. Um desafio será levar essas características que alicerçam o disco para o palco e manter a atenção da audiência. Sua apresentação no Rock In Rio deu uma pequena amostra do que ele terá de lidar. Quem estava na plateia já foi com as músicas atuais na cabeça, mas as que mais empolgaram foram as conhecidas. Evidentemente, terá um bom tempo para trabalhar essa dinâmica.
A opinião/crítica expressada se relaciona única e somente à obra musical.