Os ponteiros do relógio alertam que já passa das 5 da tarde. É 8 de junho. A temperatura oscila. Está sol, mas faz frio. Antes do jogo contra o Athletico Paranaense, torcedores do Palmeiras se concentram nas imediações do Allianz Parque, na Barra Funda. Bem perto dali, no número 378 da Rua Gustav Willi Borghof, começou horas atrás a 6ª edição do Marisco Festival. Uma bandeira preta da Mareh Music sinaliza. Dessa vez o local escolhido é uma garagem de ônibus desativada. A ambientação reflete o ideal underground que a festa de quase 24 horas propõe.
O público demora a chegar. Mas chega. A grande maioria perde boa parte da seleção de vinil da Soul Clap. As mais de 2 horas de performance dos DJs estadunidenses teve variações de house, funk, jazz. Tudo condensado em mixes afro-futurísticas, carregadas de percussões.
O sol se vai. O frio intensifica. A circulação de pessoas aumenta. Mas não há aglomerações. Cada um dos palcos está tomado por quem tirou a noite para curtir e dançar, sem restrições. A proximidade deles foi bem planejada para permitir que as pessoas, se quiserem, apreciem os dois num mínimo espaço de tempo. E é isso o que acontece. Durante, ou próximos do final, de uma performance o fluxo segue para conferir o que está rolando do outro lado. É tudo muito democrático, começando pela variedade de gêneros.
Do Pará, o Dj Bernardo Pinheiro tempera seus remixes com a musicalidade paraense, apimentando ainda mais os sons brasileiros de Marcia Maria, “Meu Amigo Branco”; Luiz Melodia, “Mistério da Raça”; e Zé Roberto, “Lotus72D”. Bernardo é aclamado, recebendo logo em seguida as congratulações de quem o encontrou na pista. Ao mesmo tempo no Mareh Stage, o Dj Rafael Cancian solta seus sons envenenados. O cigarro é o seu companheiro inseparável. E funciona como uma ampulheta que conta o tempo. Assim que um acaba, ele logo acende outro sem deixar o groove cair. É tipo um soldado no fronte que vai lançando suas bombas para abrir caminho. Alucinante.
De volta ao Jameson Stage, a Mental Abstrato deu uma amenizada na situação. Um momento para viajar com os instrumentais embrazados de jazz. O impacto é imediato. Revigorante.
Já na sequência, o legendário Dj Hum chega para jogar um pouco mais de gasolina para manter o fogo aceso com clássicos do soul, disco, samba-rock e, claro, algumas pérolas do Rap. A sessão durou quase três horas. Simultaneamente, do outro lado do terreno, o trio Mr. Bongo apresenta algumas raridades com seus compactos de 7 polegadas, mixando sons latinos, música brasileira e caribenha. É um mix tropical que aquece a noite fria de São Paulo. Os três se revezam nos toca-discos, mas a sincronia permanece intacta. A conexão é perceptível. A peteca não cai. E ninguém para.
Raras são as pessoas que sacam os celulares para registrar o momento. Querem somente aproveitar a energia compartilhada para esquecer dos problemas externos e extravasar. Dançar até não conseguir mais ficar em pé. O limite mínimo entre a plateia e os DJs ajuda na relação de ambos que se mantém acalorada. Um detalhe que faz toda a diferença.
Os italianos do Nu Guinea sentiram isso. Foram abraçados. Um magnetismo é gerado. Eles retribuem a hospitalidade com palavras em português, como o já tradicional obrigado. Os potentes sintetizadores criam a atmosfera para que o interessante italo-afrobeat seja exposto com sensualidade. O suingue não sai de cena. Era a performance que a grande maioria esperava. E foi de alto nível. Sem decepções.
O Marisco tem palcos bem próximos e line-up variado. Esses quesitos são primordiais para que você tenha uma experiência marcante – por isso, muitos precisam conhecer [talvez o conceito e a forma de disseminação escolhida tenha atingido um número restrito de pessoas]. Mas é necessário ter disposição. É praticamente impossível não dançar a noite inteira – ou pelo menos mexer o corpo e balançar a cabeça. Cada um ao seu estilo.
Às 3 da madrugada, volto para casa com dores na perna [fazia tempo que não dançava tanto]. Mas extremamente satisfeito. Em 2020 tem mais.
FOTOS | por Rafael Morse
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