Escolhidos a dedo, os adjetivos linda, chique, sexy e braba traduzem a representação de Kynnie para mulheres pretas iguais a ela. As palavras intitulam a música que encerra uma trilogia iniciada com “Simples e Assim”, e “Desculpa os Áudios”. Esse conjunto narra a jornada da heroína, na qual ela se apresenta segura e potente, sofre por amor e agora dá a volta por cima se autoafirmando com a potência do funk / soul.
“Consegui colocar no mundo um dos maiores sonhos da vida: minhas músicas autorais. Consegui chegar em espaços que antes eu só conseguia sonhar”, diz ela. “Consegui ver e enxergar que sou inspiração de verdade para muitas pessoas – e esse é o meu maior propósito enquanto cantora, mesmo estando em início de carreira”.
Kynnie celebra sua vitórias, mas não deixa de se posicionar, principalmente em questões relacionadas ao racismo estrutural, homofobia, machismo e o descaso social. “Temos o nosso país vivendo situações jamais vistas. Então, o meu coração e a minha consciência ficam divididos dentro desse ano tão difícil: por um lado, comemorando o máximo que eu posso com as alegrias da minha vida; por outro, e tentando ajudar, da forma que posso, as pessoas ao meu redor”.
Justamente no mês da Consciência Negra, e um dia antes do 20 de novembro, João Alberto, de 40 anos, foi brutalmente assassinado numa loja do Carrefour em Porto Alegre. O caso gerou comoção e raiva, colocando novamente em evidência a violência contra o povo preto.
“É difícil falarmos sobre um sistema de mais de 520 anos”, observa. “Sobre um país que estende o racismo estrutural, que está enraizado. Que nos humilha diariamente por conta da nossa cor. Quantos vídeos já vimos na internet, só esse ano, de episódios de racistas contra crianças e adultos? Acho que as pessoas poderiam escutar mais. Tentar entender mais. Se colocar no lugar do outro – isso se colocarmos essa situação em uma perspectiva muito positiva sobre o assunto”.
Para que haja mudanças efetivas, a cantora ressalta a necessidade de existir mais oportunidade em todos os setores da sociedade. Ela também manda um recado aos privilegiados.
“Entenda seus privilégios simplesmente por ser uma pessoa branca e use-os para ser antirracista. Dentro da sua empresa, faça acontecer. Estimule o estudo. Enxergue o nosso talento, pois somos muitos. E que não seja só no mês de novembro. A única solução para equilibrar a desigualdade racial seria reescrever uma nova história no nosso país. E isso não vem sendo fácil. Quando existirem mais pessoas que acreditam e atuam de forma antirracista dentro do nosso país, aí sim, poderemos começar a conversar sobre quais medidas seriam adotadas para equilibrar a desigualdade. Mas hoje em dia, ainda é muito difícil dizer. Insisto, temos que ter mais oportunidade e que nos paguem de forma igualitária. Tanto para mostrarmos o que sabemos fazer quanto para sermos melhores”.