O mundo precisa de cura espiritual. Essa necessidade serviu de motivação para que as gêmeas afro-cubanas Lisa-Kaindé e Naomi Díaz, do Ibeyi, redirecionassem o poder do destino para um caminho de restauração em busca da verdadeira harmonia. Algumas possibilidades de tratamento estão presentes nos pouco mais de 20 minutos de Spell 31.
Seguindo um caminho diferente dos álbuns anteriores, o homônimo de 2015 e Ash (2017), onde focaram em abordar temos relacionados à feminilidade, racismo, família e origens , elas desenvolvem uma espécie de antídoto para a apatia que impera esse mundo dividido. No ensaio que fez sobre o disco, a ativista social Janaya Future Khan, co-fundadora do Black Lives Matter (BLM)Toronto e embaixadora internacional da organização, escreve que ele “é um manifesto subversivo das rainhas de uma terra soberana”.
“Ibeyi ocupa o liminar, o espaço entre a vida e a morte, passado e presente, certo e errado, e clama pelas revelações interiores que criam as revoluções sistêmicas pelas quais ansiamos”, diz o texto. “Spell 31 lança com convicção, transmutando niilismo em sangoma, binários em dualidades sem fim, austeridade moral em abundância”.
A inspiração para chegar a esse conceito partiu do “Encantamento 31”, retirado do Livro dos Mortos do Antigo Egito, de E. A. Wallis Budge, que é composto por combinações de orações, feitiços e discursos que os antigos egípcios enterravam com seus mortos, para ajudar os falecidos em sua “jornada” para a vida após a morte. Esses ensinamentos ancestrais servem como guias para que as irmãs criem suas narrativas sobre o que consideram ser os medicamentos naturais para que a humanidade seja tratada.
Novamente produzidas por Richard Russell (Ash, Ibeyi), as 10 músicas foram escritas e gravadas pela dupla ao longo de 2021 em Londres, tem participações de Jorja Smith, Pa Salieu, BERWYN e dos pais de Ibeyi. Há uma fluidês na entrega, e até simplicidade. É um álbum rápido, mas transmite o que se propõe de uma forma reconfortante. Traz um certo alívio com a soma lírica com a textura, que continua bem próxima da que elas já vinham fazendo, mas os elementos da música afro-latina estão mais presentes, principalmente com uma maior acentuação dos tambores.
Assim como o próprio nome Ibeyi representa na religião iorubá (mestres da percepção e uma personificação da verdadeira harmonia), “Spell 31” traz uma percepção de que a solução dos problemas está na união. Não é uma fórmula concreta, e provavelmente essa nem seja a intenção delas. Porém, nos faz enxergar uma saída olhando para dentro de nós, nas pequenas mudanças que podemos fazer para beneficiar o outro. Apesar de sintético, e a expectativa era que esse fosse um pouco mais encorpado, esse trabalho é um incentivo a reflexão de qual será o direcionamento depois de tantos aprendizados.
*Foto capa: Sandra Ebert
