Aperte os cintos.
Preparado para decolar?
A viagem vai ser rumo à Londres.
Coloque os fones. Abra seus ouvidos. O que você está prestes a ouvir agora é um sotaque carregado, que entona letras fortes de uma vivência imigrante e periférica na Inglaterra, em batidas eletrizantes, difundidas, que flertam com o RAP, a música eletrônica e ragga.
É nas chamadas “rádios piratas” que o Grime começa a ser propagado localmente. Neste material foda da Vox, a DJ britânica Julie Adenuga nos guia pelos pilares mais importantes do gênero que é comumente confundido com outras vertentes musicais.
Uma das principais diferenças entre Grime e os gêneros a que se assemelha é o bpm. Este costuma ser mais acelerado – em geral em torno de 140 – o que caracteriza uma diferença na melodia batida e também na(s) forma(s) que é rimado.
O freestyle no Grime é caracterizado por escritas prévias, bem como batidas já executadas, porém mixadas de uma forma diferente. Dada a presença de elementos do RAP, ele costuma ser confundido com o mesmo. JME, Mc inglês, disse em entrevista que “Grime é a versão do Hip Hop no Reino Unido”, considerando que trata-se essencialmente de “letras em cima de batidas”.
Grime também é RAP (hip hop), mas não só isso. O que o torna tão único e original é justamente as mixagens e a liberdade de poder dialogar com outras vertentes e inspirações. Sabemos que trap, além de música, é lifestyle. E é isso que os britânicos querem que a gente entenda: você não está consumindo música somente, mas política, moda, comportamento e visão de mundo.
Há alguns anos, a polícia local criou uma brecha constitucional chamada Form 696, nada mais do que uma forma de criminalizar e barrar eventos da cultura a partir de critérios étnicos. O Grime se popularizou e pessoas de diferentes regiões passaram então a frequentar esses locais, fazendo um verdadeiro movimento social e financeiro. E quando envolve dinheiro, a gente sabe que as coisas mudam. Após revisão – mas sem a explicitação do quão racista e discriminatório aquilo era – a lei foi revogada. Isso te lembra alguma coisa?
Arte não é crime. DJ não é bandido.
(A gente não esquece a prisão injusta de Rennan da Penha).
Quando comecei a estudar mais sobre o gênero, encontrei majoritariamente conteúdo em inglês sobre o assunto. Mas esta matéria específica me chamou a atenção. Ela foi escrita por um brasileiro, que ao analisar o RAP brasileiro e o grime londrino trouxe uma reflexão importante: o Grime envolve e mobiliza financeiramente quase que exclusivamente artistas imigrantes, periféricos e negros. E esse é mais um ponto importante para o mundo pensar na relevância desse gênero musical.
Mudamos de aeronave. O destino agora é a Cidade Maravilhosa – aka Rio de Janeiro. O primeiro músico que tive contato com o Grime no BR foi o Leall – e não só eu, vários dos meus amigos começaram a ouvi-lo também.
Leall rima de uma forma que faz você pensar que isso é fácil. E talvez realmente seja. Por mais que exista a influência do gênero britânico, ele imprime originalidade no que faz, seja por vivência de cria, seja também pela influência do funk nas batidas e no flow.
Anti Adidas é envolvente. Você pensa em camisas de clubes, mas isso é estilo. Você pensa em marcas, listras e vírgulas, mas isso é sobre C.V vs T.C.P. Você pensa em Síria, mas a guerra verdadeiramente acontece aqui, todos os dias.
Logo depois disso, comecei a acompanhar os vídeos do canal BRASIL GRIME SHOW, onde artistas como ANTCONSTATINO, VND, Fleezus passaram a integrar minha playlist. É um programa com um formato excelente, reunindo DJs, produtores e MCs para fazer freestyle em beats de Grime. Mais do que descrever, te convido para se inscrever e acompanhar. Para quem curte música, a parada é quase terapêutica – risos.
E se você achava que íamos ter conclusão, prefiro que não. O Grime não sai da minha playlist e sei que também vai integrar a sua. Rimar dentro ora fora do beat, repetição, refrão ou freestyle, speed ou slow flow. Faça o que quiser. Mas faz sabendo a origem desse movimento foda. 2020 é o ano do Grime – e não diga que eu não avisei.
*Foto capa: New Gen | Courtney Francis
Indicamos também: “True Religion”, do Yung Buda, é para ‘esquentar’ as pistas e fazer tremer os falantes dos carros. Leia aqui.