No meio da Guerra Civil Libanesa, que envolveu cristãos e muçulmanos entre 1975 e 1990, Issam Hajali, Toufic Farroukh e Elia Saba, líderes do Ferkat Al Ard, estavam gravando o álbum “Oghneya”. Naquele momento, em meio a um conflito, era impossível encontrar fitas cassetes que tivessem o tempo necessário de reprodução previsto por eles. A solução foi cortar manualmente cada uma delas e personalizá-las na minutagem que queriam.
Em 1978, as K7s ganharam as ruas de Beirute. A sonoridade fazia uma mescla de funky, bossa nova, tropicália e elementos tradicionais árabes e jazz, que serviam de camada para as letras baseadas em poemas de Mahmoud Darwish, Samih Al Qasem e Tawfiq Ziad, três pilares da poesia palestina no século passado. A influência deles foi em si uma forte declaração política durante a guerra.
Issam Hajali se lembra de ouvir músicos brasileiros num bar no bairro de Hamra, em 1974. Quando conheceu Ziad Rahbani, filho de Fairouz, uma das cantoras mais conhecidas do Líbano e do mundo árabe, eles perceberam o interesse comum pela musicalidade do Brasil.
Passados 42 anos, a pérola arranjada por Rahbani é resgatada pelo Habibi FunK, mas sem duas faixas do lançamento original: “Ghfyara Ghaza” foi substituída por “Juma’a 6 Hziran”, enquanto “Huloul” não teve substituição. “Isso aconteceu como uma pré-condição da banda para que essa reedição acontecesse”, afirmam os representantes do selo alemão especializado em música eletrônica árabe. “Adoraríamos incluir todas, mas a decisão variou entre ter uma reedição como a que lançamos ou nenhuma”.
Na apresentação da edição atual, também disponível em vinil e CD, a Habibi afirma que é “como se Arthur Verocai fizesse uma viagem a Beirute nos anos 70 para gravar um disco”. E de fato existe um primor em cada detalhe. É possível observar o cuidado que tiveram para criar algo atemporal com a conexão de culturas distintas. Reflete também a conexão que o Brasil tem com o Líbano há quase um século, por causa do fluxo contínuo de imigrantes de um país para outro. Hoje, a maior diáspora libanesa do mundo, o “Brasilibanês”, está aqui.
Nesses anos entre a independência e o início da guerra civil, a capital do país tornou-se ainda mais um centro cultural e regional do que já era – com muita influência do que era produzido no BR. Na época, o projeto foi bem recebido, apesar de alguns críticos culturais o considerarem muito “ocidental”. Ao ouvi-lo hoje, provavelmente as visões mudariam. Mesmo com as diversas influências, a essência local se mantém intacta.