Sexta-feira. É quase 20h30. Ao chegar à Casa Rapylab, na região central de Campinas, interior de São Paulo, observo uma pequena fila na entrada. O tempo está ameno. Me junto aos que aguardam a vez de aferir a temperatura e confirmar que ao menos uma dose da vacina foi aplicada. Ali, o protocolo é seguido rigidamente. Sem comprovação não entra. Até então, a máscara faz parte do figurino da maioria (de estilos diversos).
O lugar é quase uma galeria de arte com grafites por toda parte, pequenas telas e objetos espalhados pelo ambiente e uma parede quase completa por latas de spray. No fundo da residência é onde os shows acontecem. O quintal tem um tamanho considerável com um pequeno espaço coberto, que comporta os equipamentos do DJ, o palco e uma especie de área VIP, que todos se reúnem para curtir a performance bem na frente do artista. Apenas uma fita zebrada faz a separação de ambos.
Conforme as horas passam, a casa se enche. Quase todos são jovens com menos de 30 anos. O objetivo principal dos presentes é ver a apresentação do rapper Febem. Mas antes dele soltar suas rimas ao lado do Sena MC e CESRV, alguns DJs e MCs locais esquentam a festa. Destaque para DUARTE (guarde esse nome), que jogou gasolina na fogueira com a inédita “No Baile”. O DJ Xandon também chama geral para se envolver.
Quando o clássico “The Fresh Prince of Bel-Air”, do DJ Jazzy Jeff & the Fresh Prince”, trepida nos falantes, a roda se forma para que b-boys e b-girls mostrem suas habilidades. A “pista” fica mais intensa assim que os sintetizadores de “Yeah!”, hit de Usher com Lil Jon e Ludacris, explodem nos ouvidos. Os nacionais também fazem geral se envolver. “Tang”, da Tasha & Tracie, “Rei Lacoste”, do MD Chefe, “Olho de Tigre”, do Djonga, e “Se Essa B**nda”, do Costa Gold com o Kawe, ganham reforço (nos refrões) de um coro de pessoas, que está cada vez mais à vontade.
Não foi necessário perguntar se estavam confortáveis em voltar a participar de eventos presenciais. Com o passar das horas, as máscaras praticamente desapareceram – os que ainda a mantinham, podiam ser contados no dedo de uma mão. A aglomeração inevitavelmente se formou. Os copos e cigarros de diferentes espécies passavam de mão em mão, e (consequentemente) de boca em boca.
No primeiro momento me senti desconfortável. Com uma certa fobia. Por isso, na maioria das vezes observei a movimentação de longe e sempre com a proteção facial. Logo, fui me adaptando a ebulição que não presenciava a mais de um ano e meio.
Pouco depois das 23h30, Febem pegou o microfone. De jaqueta da Gaviões da Fiel e copo na mão, ele entra ligado no 220 cantando os primeiros versos de “OG“: “Mil pra você, mil pra mim (uh, uh, uh, uh) / Eles faz feiura nós faz dindin (uh, uh, uh, uh)”. É acompanhado fervorosamente pelos fãs, que também registram o momento com seus celulares. As duas partes se complementam. Quando o MC pula, o público responde da mesma forma. A endorfina retida por um bom tempo foi liberada de uma só vez.
Queria saber do Febem sobre a sensação de estar próximo novamente do público. Mas não foi possível. A produção solicitou que entrevistas fossem feita depois do show – mesmo concordando (pelas experiência adquiridas) sabia que não iria acontecer, e isso foi confirmado pelo repórter fotográfico Bruno Blirix [da Mídia Ninja], que esperou para ter essa conversa, porém, não aconteceu). Não fiquei até o final com medo de não conseguir voltar para casa. Antes de ter minha viagem aceita, três motoristas de aplicativo tinham cancelado – não sei se pelo horário, o destino, o valor ou medo do solicitante.
A experiência desse retorno foi estranha, porém, interessante. Acostumar não vai ser tão fácil. Porém, isso não se aplica a todos. Pelo observado, o novo normal terá as mesmas características do normal que conhecíamos.