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VHOOR

VHOOR: “A gente tem que entender por que estamos fazendo música e qual o significado da nossa arte”

Uma conversa sobre música brasileira, tendo como base os trabalhos que o produtor vem fazendo nesses seus 5 anos de carreira.

A conversa com o Victor Hugo, conhecido no mundo todo como VHOOR, estava marcado para uma semana depois do álbum “Ritmo” chegar às plataformas de streaming. Alguns minutos antes entrei no link do Zoom para ver se estava tudo certo. Deu o horário, e nada dele aparecer. Permaneci no aguardando por mais uns 30 minutos. Pensei: “tomei um bolo”. Minutos depois, fiquei sabendo que ele tinha ido para o hospital. Pelo momento, achei que estava relacionado à Covid-19. Mas logo recebi a informação de que ele estava bem.

Duas semanas depois a troca de ideias aconteceu. VHOOR fala tranquilo, é risonho. Também se mostra um estudioso, daqueles que conhece cada detalhe da arte que se propõe fazer. Ao longo de 45 minutos, conversamos sobre música brasileira, tendo como base os trabalhos que o produtor vem fazendo nesses seus 5 anos de carreira – que mais parecem 20. Como o próprio diz: “eu sou viciado em produzir. Se deixar, eu produzo o dia inteiro (minha namorada até briga comigo pra mim dar um tempo). Mas eu fico estudando, lendo música, ouvindo música, pensando coisas, criando teorias na minha cabeça”.

Aluno aplicado, ele facilmente seria um professor. Fala com propriedade sobre produção musical, Soundcloud e os mais variados estilos de música eletrônica, seja feita no Brasil, na Europa, Estados Unidos ou em alguns países da África.

 

VHOOR · Acima EP

 

Nada melhor que começar do começo. Me fala quando você começou a produzir… e de onde vem essa paixão pela música.

 

Então, eu sempre gostei muito de música, desde pequeno. Sou de uma família de músicos aqui de Belo Horizonte e meus pais além de ter os trabalhos normais, eles também trabalharam com música pra poder dar uma acrescentada na renda, tanto tocando em casamento, tanto tocando em bar. E ou meu pai sempre teve uma preocupação de ter um repertório de playbacks (instrumentais)… Meu pai fazia os próprios playbacks pra tocar nos lugares que ele ia tocar. Então, eu vi meu pai fazendo muito isso e mesmo não tendo muita ligação com o que eu faço hoje, foi uma ponte pra que eu começasse a tocar violão. Comecei tocar na igreja, e sempre tive essa vontade de fazer minhas próprias músicas. Aí um amigo meu uma vez me sugeriu: “por que você não começa, não baixa um programa e tenta produzir suas próprias coisas?” Falei: há velho, isso não é pra mim! Mas aí baixei, fiz uns testes e acabei me apaixonando. E já faz 5 anos que tô produzindo.

 

Tenho falado que as igrejas (evangélicas e católicas) são pólos culturais que formam diversos artistas, porém, depois de um tempo eles meio que descartam todos eles. Não aproveitam os talentos.

 

Acho que a igreja é muito importante na formação dos músicos. Eu era de uma igreja aqui do subúrbio da região norte de Belo Horizonte. Era uma estrutura bem simples. Então, eu era responsável por aprender os repertórios da missa e tá lá toda quarta-feira. Isso se torna um treinamento de fogo pra mim, porque a gente precisa estar lá duas vezes por semana, tipo quarta e aos domingos.  Desse jeito, aprendia tocar instrumento e também ter noção de afinação, ter noção de até ter uma presença de palco e resolver os pepinos que na hora acontecem, porque aquele momento, querendo ou não, é um show. Você precisa ser um bom artista também pra poder se virar. Concordo com você que a igreja é um polo muito forte de formação de artista justamente por ter toda essa responsabilidade para prestar um serviço. Essa rotina te faz se aperfeiçoar como artista. Hoje eu vejo que isso me ajudou muito, porque observo muitas pessoas que muitas pessoas com banda não tem tanto esse hábito de ensaio quase que religioso.

 

E como foi essa transição de pegar as referências dos seus pais, aprender a disciplina musical na igreja e começar a produzir? Apesar de ter apenas 5 anos de trabalho, parece que você está fazendo isso há muito tempo… e só cresce.

 

Isso é muito louco. Muita gente de BH e de fora de BH me ajudaram nesse meio de caminho… a cena da música eletrônica. Tipo assim: hoje eu me vejo um produtor de música brasileira, mas também um produtor de música eletrônica brasileira. Tudo que a gente construiu tem uma caminhada bem grande se a gente for parar pra pensar do que é a música eletrônica brasileira… tem várias vertentes e várias pessoas que contribuíram pra gente ter uma estética nossa. Eu sempre fui muito fã de música eletrônica brasileira, tanto a forma que o rap é feito, tanto do funk, quanto as coisas mais tradicionais como o house. Eu sempre tive a visão de que os DJs e beatmakers brasileiros também tem seu espaço lá fora e são respeitados. Pessoas em diversas cenas são respeitadas e tratadas como iguais numa cena eletrônica, que muitas vezes a gente acaba se sentindo inferiorizado por causa de não termos muita grana pra comprar equipamento. E esse tipo de música tem muito a ver com o equipamento que você tem, com as coisas que você consegue comprar. Aqui a gente conseguiu fazer várias coisas… tiramos leite de pedra e criar gêneros, estéticas e coisas novas e ser respeitado lá fora… isso é muito foda. Comecei misturando trap com o funk, quando o trap estava começando a ganhar força ainda… o Tropkillaz estava bem forte e eu era muito fã deles (Tropkillaz, Omulu). E fui na onda deles… escutando, entrando em fóruns, tentando ver o que eu podia pegar de informações pra poder a produzir. Aí fui conhecendo várias coisas, vários estilos novos, e conhecendo também novos estilos que eu poderia colocar nos meus sons. Algumas coisas mais tranquilas, como o lounge, que hoje a gente chama de chill baile, que é uma mistura de R&B com funk. Isso tudo eu fui acrescentando no meu som e me apaixonando cada vez mais por essas cenas de beats que estavam acontecendo pelo mundo. E até chegar onde cheguei foi um caminho de 5 anos de experimentações. Eu gosto muito de funk, até por ser um gênero que sempre escutei muito, mas curto tudo que é relacionado a música eletrônica periférica espalhada pelo mundo e pelas histórias delas, de como são feitas.

 

“Eu não tenho esse processo criativo de sentar e dizer: ‘agora vou produzir’. Até queria ter, mas vem dessa inspiração que fica ali martelando e vai acontecendo a li no programa”.

 

Quando eu ouvi o seu som pela primeira vez, eu achei que você fosse carioca. Na real, primeiro eu achei que era gringo, por conta de uma proximidade com o Sango, e só mais recentemente descobri que você é de Minas. Eu vejo que aqui ainda tem um certo preconceito, principalmente com o funk, mas lá fora ele é muito valorizado. Os seus EPs “Baile Vibes” e “Baile Salce” são bem viciantes. Você consegue mostrar essa identidade quente do Brasil. Como você tá vendo esse reconhecimento da música eletrônica brasileira lá fora?

 

Mano, eu acho  que hoje no contexto musical pelo mundo a gente tá tendo esse reconhecimento da música eletrônica periférica e do que é a essência de se fazer a música eletrônica, porque… historicamente alguns estilos da música eletrônica, tanto house quanto o tecno, vem de contextos sociais de galera pobre, do público LGBTQI+. O house teve muito preconceito quando surgiu. Para se ter uma ideia, ele era feito com os vinis que sobraram da era disco que a galera devolveu, porque teve um protesto muito grande nos EUA que sujou a imagem da disco music. Aí a galera acabou usando esses discos para criar o house. Por isso, a similaridade entre os dois estilos. E tudo isso foi evoluindo. O próprio Hip Hop tem influência no jazz e soul com a inserção de baterias eletrônicas. O funk aqui no Brasil com as MPCs e os poucos equipamentos que a galera tinha pra produzir música na época… e isso aconteceu no mundo todo. A nossa geração cresceu escutando essas músicas também. A gente sempre ouviu house, funk, forró… até estava conversando com um amigo meu esses dias sobre esse boom do forró, da pisadinha. Cara, isso também é música eletrônica. É um cara do interior do Brasil que dominou um teclado da Yamaha, bota fé!? Tipo assim: o cara sabe todos os timbres ali e manja tudo daquele teclado. E é só um cara cantando, mas tem um outro cara tocando teclado que agora são os mais ouvidos do Brasil. E tem vários outros estilos nessa mesma pegada, que também são músicas eletrônicas brasileiras olhadas de um outro contexto por alguém que está de fora. E esse é um patrimônio que a gente tem aqui, que a gente dominou, mas que não damos esse devido valor. Mas quando as pessoas de fora ouvem, eles enxergam isso como música eletrônica. E isso é no mundo todo. É por isso que o meu público acaba sendo maior lá fora do que aqui em alguns contextos, porque faz parte desse movimento. Por causa do Soundcloud, eu pude conversar com produtores de outros lugares, até pra conhecer o que acontecia de cena musical pelo mundo… e é muito doido que todo mundo caminha na mesma direção. Por exemplo: a galera de Portugal são pessoas que cresceram escutando kuduro e os ritmos eletrônicos africanos e hoje fazem um afro-house. A galera de Londres cresceu escutando reggae e as coisas que vieram ali dos imigrantes jamaicanos e fazem o grime. E a gente aqui tá seguindo esse mesmo caminho com o funk, usando os gêneros que a gente tem aqui… a galera dos EUA com o house e o trap. Eu acho isso muito foda, porque mesmo sendo estilos diferentes, eles caminham muito juntos em questão de evolução, quando a gente pega numa perspectiva de evolução de música global.

 

O mais louco é que tudo sai das periferias, mesmo tendo as dificuldades com os equipamentos… e depois de imergir no funk, você foi beber da fonte do Samba de Coco. Como foi essa virada de chave?

 

Mano… faz parte da pesquisa. Eu sou um cara que pesquisa muito a música brasileira, até pra poder samplear. Vi que o samba de coco tem uma similaridade de um sub-gênero de funk, chamado rasteirinha… que tem algumas músicas, principalmente ali de 2012, tipo aquela (canta): as novinhas são sen-sa-cio-nais. Essas músicas são bem parecidos com o coco. Quando eu ia tocar (que também sou DJ) percebia que o BPM era muito parecido e a rítmica igual. Achei isso muito incrível, falei: caramba, véi, um gênero praticamente folclórico que a gente tem aqui no nordeste do Brasil, em Pernambuco, que é muito ligado às questões da música de trabalho, também tem um estilo do funk que é muito parecido. É uma raiz cultural que a gente conseguiu manter. E foi um trabalho de estudo. É muito foda o jeito que o samba de coco é feito, com os sapateados e o canto. Mas também pego outras referências da música folclórica, tanto brasileira como as influencias que a gente pega de fora. Tem alguns sons com referências da cultura negra. A gente acaba trocando algumas figurinhas ali no Soundcloud e a gente teve a honra de aprender a fazer e até a conviver com os caras, deles mandarem sample pra gente… muitas coisas vindo da África mesmo, tipo: gravações de tambores africanos. É um material muito rico, que a gente também tem que estudar a rítmica desses estilos aqui no Brasil, o forró, a rasteirinha (que te falei), samba… entender mais ou menos de como esses estilos regionais são construídos e trazer um aspecto eletrônico pra ele. Esse é um trampo que eu tenho bastante orgulho, porque deu muito trabalho de tentar traduzir ritmos folclóricos em música eletrônica. Acho que deu muito certo… tem samples de coisas ali que eu fui catando, recortando e tratando pra dar um contexto certo. É uma forma de manter esses estilos sem deixar que morram. Isso é muito importante e a gente tem que ter essa visão como músicos brasileiros, não deixar esses estilos tão ricos que a gente tem, com histórias tão bonitas, muitas ligadas à questão da escravidão, da música de trabalho, que as pessoas cantavam para poder trabalhar, para ter força e se animar num período tão difícil que a gente teve aqui no Brasil.

 

É meio que fazer um resgate e até mesmo apresentar para o seu público, que é um pouco mais jovem, e de repente não conhece essa cultura que é muito rica. Também é muito legal essa conexão que a internet, principalmente o Soundcloud, permite que você faça com alguém lá de África que te mandam sons originários. Qual é a importância da plataforma para vocês produtores?

 

Ah mano, o Soundcloud foi uma virada na minha vida, porque é uma plataforma que tem a peculiaridade de que a gente consegue conversar com os artistas, comentar as coisas, republicar e ter um envolvimento com o artista… criar uma noção de comunidade ali. Tem movimentos, estilos musicais, coisas que só acontece no Soundcloud justamente por essa dinâmica de você publicar uma música, aí uma pessoa comenta, você entra no perfil dessa pessoa e ver o que ela faz e também comenta. Nessa troca de informação e de ajuda, muitas vezes de republicar uma coisa, você acaba conhecendo outros artistas,  o público deles e da mesma forma, eles conhecem o seu público. Então, eu acho que ele é muito democrático por causa disso… porque só precisa sua música ser boa e uma pessoa ver. E quando uma pessoa maior vê e republica, você acaba ganhando novos fãs ali que você não tem nem controle de onde vem essas pessoas. Pra mim, essa dinâmica é perfeita. Essa relação com os músicos africanos também foi muito legal, porque eles mandaram vários gigabytes de packs com samples de afro house e ritmos locais, e eu mandei muita coisa de música brasileira… e nessa troca teve músicas de afro house que tiveram samples de funk, e teve músicas de funk com sample de afro house. Então , a gente acaba mesclando ali uma música eletrônica global.

 

Vai naquele lance da música ser uma linguagem universal, sem barreiras… se conecta com várias coisas e um vai ajudam o outro…

 

É exatamente isso. É muito foda.

 

 

Antes de “Ritmo”, você fez um trampo com o FBC, que vem numa pegada de Dril e segue uma outra vertente que você trabalha… Apesar de serem diferentes é possível observar sua identidade ali. A gente ouve e diz: essa é do VHOOR. Como que você consegue produzir em gêneros diferentes e em todos eles imprimir sua identidade?

 

(RISOS) Que foda, mano… Tive a honra de trabalhar com o FBC que é um rapper aqui de Belo Horizonte… Ele acabou conhecendo o meu som pela esposa dele (isso que eu achei foda). Ela ouvia minhas músicas, e ele perguntou: “quem que é esse”? Aí ele foi olhar e viu que eu era daqui e ele também… aí ele me ligou e disse: “Véi, vamo fazer algo juntos”. Aí, ele teve a oportunidade de ir pra Europa gravar os clipes lá e a gente pensou: “Como que a gente pode aproveitar essa relação de você ir pra Europa.. da questão estética, do que tá rolando de música na Europa e o que está rolando de música aqui no Brasil e a gente criar algo novo, uma estética nova. Então entramos em estúdio, ficamos enfurnados no estúdio e desenvolvemos “Outro Rolê” e também mais um álbum que está vindo por aí que se chama “Baile”.

 

Óia… spoiler

 

É, tá no processo de criação ainda… A gente fez muita coisa nesse período. Foi muito rico, tanto pra mim aprender a trabalhar com um artista… eu que sou um produtor de quarto, de home studio, tô aprendendo a trabalhar num estúdio maior com equipamentos maiores e com um cantor ali dando ideias e me falando a forma dele de trabalhar. Então, acho que a gente conseguiu chegar num resultado único. A gente tentou juntar a questão toda do dril, desse novo estilo de rap que tem surgido pelo mundo, principalmente em Londres, com as questões rítmicas brasileiras. Eu acho que o mais difícil foi fazer encaixar, mas quando encaixou, quando a gente conseguiu a fórmula certa de fazer encaixar, conseguimos fazer conversar os dois estilos. Até por isso, tudo que a gente está falando de como a música negra e periférica caminham na mesma linguagem e conversam entre si, elas se encaixam. A gente só tem que ter esse carinho de fazer elas se encaixarem. E nesse trabalho saiu “Outro Rolê”. Na minha visão, é um trampo incrível que a gente conseguiu desenvolver. Igual eu e o FBC falamos: “com o tempo  as pessoas vão falar se ele é um álbum bom… mas ele é um álbum diferente do que tá  rolando, tanto na cena de dril, tanto na cena de trap, tanto na cena de Hip Hop. Ele é diferente, sonoramente. E isso é o que orgulha a gente… eu também lanei trabalho com o LEALL… e ter essa oportunidade de trabalhar com outros artistas que agregam é importante para que eu possa aprender mesmo. Eu sempre peço para os artistas me mandarem referências. depois que eles mandam a gente vai conversando e tentando construir coisas novas… tentando fazer a coisa velha de um jeito que seja mais orgânico possível. E eu acho que é isso que eu tento fazer.

 

E você tem algum processo de criação ou os sons surgem ”naturalmente”?

 

Mano, eu sou viciado em produzir. Se deixar, eu produzo o dia inteiro (minha namorada até briga comigo pra mim dar um tempo). Mas eu fico estudando, lendo música, ouvindo música, pensando coisas, criando teorias na minha cabeça, tipo: “hoje mesmo eu tava com a ideia de que o forró é muito próximo do dril (em questão de BPM)… será que tem como misturar isso ou talvez fazer um xote de uma forma mais atual com os timbres que a gente tem?” E nessa pegada são coisas que ficam ali me atormentando e eu fico ali 24 horas na frente do computador, até que sai. Eu não tenho esse processo criativo de sentar e dizer: “agora vou produzir”. Até queria ter, mas vem dessa inspiração que fica ali martelando e vai acontecendo a li no programa.

 

A mente não deixa… fica só te pilhando pra continuar…

 

É que a gente que produz, principalmente eu… é mais pra mim, sabe!? Acaba que hoje o meu trabalho como VHOOR virou bem maior do que eu imaginava que seria. Tem pessoas que acompanham o que eu faço, tem pessoas que são interessadas em fazer, mas também tem o lado de fazer música pra mim… fazer a música que eu gostaria de ouvir, porque eu sou viciado em música.  Então, muitas vezes eu gosto muito de me ouvir, ouvir a minha música. Então, muitas vezes eu fico ali (se deixar) 12 horas na frente do computador fazendo música e não sai nenhuma música. Mas eu fiz pequenos micro beats ali, durante o dia, loops de 5 segundos, 10 segundos, 20 segundos, que já me deixou feliz. E eu acho que é isso que importa no final das contas… e nesse processo acaba saindo alguns materiais que eu gosto de compartilhar. Tudo isso é quase terapêutico.

 

VHOOR
VHOOR | Foto: Reprodução

 

E o que você gosta de ouvir?

 

É meio clichê isso, mas eu gosto de ouvir tudo, principalmente o que é diferente. Eu me pergunto isso também: “O que que faz eu gostar de uma música?” Ultimamente eu tenho ouvido muito bregadeira, tá ligado!? Pisadinha eu tenho escutado bastante, mas também tem escutado jungle, um tipo de música eletrônica ali de Londres… super rápida, que é feita com cortes de loop de jazz. Eu gosto muito de ouvir músicas do mundo todo que são diferentes. Por isso, faço essa pesquisa pra saber o que que tem de música no interior do Brasil? O que as pessoas de verdade escutam? O que tá tocando na vitrola do boteco na frente da minha casa? O que que é isso que tá rolando? Aí, observo pra entender como esse som acontece. Essa é minha paixão… estes dias eu estava até conversando com a minha namorada e pensando… tem um bar aqui na frente da minha casa que toca muita pisadinha, seresta, estas músicas de bar… e eu fiquei pensando: “Véi, esse tipo de música toca em quase todos os bares pelo Brasil inteiro… quem são essas pessoas que fazem essas músicas? Como é que essas músicas chegam ali?” Essas músicas estão sendo consumidas a muito tempo e que não tocam muito no rádio, mas tem um organismo próprio de distribuição, a galera escuta ali nos bares… aí eu entrei em vários canais no Youtube e vi que tem alguns que postam, sei lá: Zezinho dos CDs, Barões da Pisadinha com grave, Boate Azul com Grave… Aí, eu tava vendo que tem várias coisas que acontecem na música pelo mundo e eu vou escutando (e ficando curioso) pra entender como que essas coisas vão chegando no público e acontecendo. É isso que eu mais gosto de escutar, tanto em questão de música eletrônica.

 

Isso é bem a nossa realidade brasileira. Meu pai gosta muito de música nordestina, e toda vez que eu vou na casa dele tem novos CDs (considerados piratas, copiados) de uma galera que eu nunca tinha ouvido falar. E tem uns DVDs com um público gigantesco… e eu nunca tinha ouvido falar. É uma música diferente do que a gente ouve no dia, mas que na região dele já bomba a muito tempo, só que a gente nem tá ligado…

 

… Essa é a música de verdade, porque cada dia mais eu tenho chegado a conclusão que a música que o seu pai escuta, a música que a gente faz, o funk, a música que passa tocando no carro (com o volume no talo) em frente da sua casa… tudo isso são peculiaridades da música. Algumas semanas atrás eu tava conversando com a Badsista e ela falou uma coisa que é muito verdadeira: “quando a gente pensa como o funk é mixado e masterizado, como ele é feito pra ser tocado, a gente sempre pensa que ele é feito numa qualidade inferior, mas ele é o melhor estilo para se tocar no porta-malas de um carro, que é pra onde ele está sendo feito. Quem faz o funk está preocupado se a música vai bater no porta-mala de um carro. Isso não é nada pior ou melhor do que outros estilos musicais ou outros padrões. É um padrão específico daquele som, e a gente cada vez mais tem que começar a olhar essas coisas com essa visão, porque os gringos já fazem isso. Cada aspecto sonoro, eles categorizam e não tiram o valor daquilo por causa desse aspecto. E aqui no brasil, se toca numa vitrola de bar a gente acha que é ruim, e se tem lá o Zezinho e os seus teclados, a gente acha que é pior que um músico de bossa nova. Não. Esse cara dominou o teclado dele… ele sabe muita coisa ali que talvez  um músico de bossa nova não sabe. Ele é de outra estética, de outro contexto, pra outro público. Tudo isso eu tento pegar e passar pra minha música.

 

Nesses quase dois  anos bem complicados, ficar em casa te beneficiou (por você estar o tempo todo produzindo) ou te prejudicou por também não poder fazer apresentações?

 

É uma falta de dois gumes. Em determinado momento, eu achei que por mais que seja terrível, ficar em casa me beneficiaria, porque produzo tudo aqui. Por mais que eu toque em festas, eu me vejo mais como produtor do que como DJ. Só que o isolamento, de não poder sair, acaba desanimando. Ao mesmo tempo que agregou no meu trabalho, de poder ficar só no estúdio produzindo (que eu já gostava muito de fazer), é também muito ruim. Eu acho que a gente tem que se cuidar, entender os nossos limites, entender o período que a gente tá passando… não deixar de fazer o trabalho, mas também não se cobrar em ser produtivo com o mundo acabando. Eu li essa frase e acho muito verdade. A gente tem que entender por que estamos fazendo música e qual o significado da nossa arte, senão a gente só vai virar uma indústria do fim do mundo. Produzir pra nos salvar, né!? Porque a gente que é músico independente, não podemos pensar a peteca cair por causa da própria sobrevivência. A gente só tem isso para nos manter. Mas às vezes temos que por o pé no freio, porque a arte tem um significado maior e é por isso que ela nos salvou.

 

 

Indicamos também: PREMIERE | Assista ao DOC “O DeeJay no Movimento Hip Hop: O toca-discos como instrumento musical”. Leia aqui.

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