O Coruja BC1 foi ao estúdio da ONErpm para fazer um showcase inédito na companhia do músico Raffael Emílio. Na intimista performance, Coruja fez versões inéditas de “Modo F”, “Um Acorde”, “Lágrimas de Odé”, “Dopamina” e “Éramos Tipo Funk”.
“Eu aproveitei esse showcase para trazer novas versões, mais orgânicas e com referências musicais que fazem parte da minha formação não só como músico mas também como pessoa, diz ele. “Éramos Tipo o Funk” trouxe uma linguagem mais próxima do reggae de Damian Marley e Alexandre Carlos, que são grandes referências musicais pra mim. Em “Dopamina” eu apostei numa linguagem mais MPB, com inspiração que vai de Djavan a Milton Nascimento, para “Lágrimas de Odé” tentei trazer uma língua mais poética de sarau, criando uma atmosfera de trilha de filme, com uma narrativa mais intensa. Já em “Camisa 12” trouxe uma mescla de bossa nova e MPB, com referência de Caetano Veloso. Por fim, em “Um Acorde” temos um tom de R&B Neo Soul, como base Lauryn Hill e D’Angelo, e em “Modo F” mesclei um Balanço com Jazz referência de Chuck Barry, a Wilson Simonal”.
Dias depois de gravar os vídeos, Coruja BC1 se apresentou no Campinas Hip Hop Festival. O show foi rápido, mas impactante. O público, que lotou a antiga estação de Campinas, chegou junto até nas acapellas. Logo que saiu do palco, o MC falou rapidamente sobre “Psicodelic”, a saúde mental dos pretos e a atual política brasileira .
Tem muita gente que não entendeu o conceito do título “Psicodelic”.
Pscodelic é a busca de saúde mental de um jovem da periferia, tá ligado!? Estou lidando com meus traumas através da arte.
E esse processo de expor o seu problema para todos?
Foi um processo de auto-cura. Tinha coisas, que eu tinha um pouco de medo de falar, tá ligado!? Umas paradas que estavam presas, mas neste disco eu consegui ficar um pouco mais liberto para abordar, falar disso. Achei que era o momento, tendo em vista o que está acontecendo socialmente com nossos irmãos e irmãs diariamente… diversos casos de depressão. Muitas vez, principalmente nós homens, negros de periferia, tem esse medo de tocar nesse assunto ou essa prisão de falar de sentimento, de traumas… tá liga!? Achei que era o momento oportuno para falar disso e acrescentar algo.
Isso é importante porque mostra que a juventude preta tem sofrido [e muito] com a depressão e que é necessário procurar ajuda e falar sobre o ela.
Acho que nós, homens negros, seja de pele retinta ou parda, temos uma prisão pra falar de sentimento. Nesse caso eu vejo que as nossas irmãs já estão mais avançadas, porque elas se reúnem para falar dos problemas. Mas a gente tem uma prisão, fica nesse negócio de que a gente tem de ser forte pra aguentar tudo… de não poder chorar na frente do amigo, de não poder trocar uma ideia abertamente. Eu acho que esse não é o caminho. Esse foi um caminho que deixou a gente mais doente ainda.
“Não dá pra colocar toda essa responsabilidade no RAP, de um jovem negro, de uma mulher negra. Não dá pra por tudo no RAP. A responsabilidade é social”.
Tem essa questão da virilidade do homem negro que é imposta e constantemente ressaltada pela sociedade…
Exatamente. Ele sempre tem que ser forte, absoluto.
Creio que ao expor a sua situação você atingiu um número expressivo de pessoas que estavam nas mesmas condições. Tem recebido feedbacks de ouvintes que foram impactados e a partir daí tiveram a coragem de externar suas angústias?
Velho, eu recebo de 80 a 150 mensagens por dia (contando todas as redes sociais)… e a maioria das mensagens dizem: porra mano, sua música me ajudou, me salvou, fez a diferença. Tudo isso aconteceu, quando na verdade eu também estava tentando me salvar, fazendo arte. Então, é muito louco. Eu tava tentando me salvar e as pessoas escutam e se salvam.
Vivemos um momento político reacionário, de cortes culturais. Qual o nosso papel na posição de comunicadores de um gênero periférico, por muito tempo discriminado, que tem ganhado espaço em lugares antes restritos?
O RAP tá aí. Tem muita gente indo na contra-mão desses tempos sombrios. Tá cheio de artista foda fazendo acontecer. Mas acho que, muitas vezes, tem uma galera que foca em quem não está neste propósito e deixa de focar em quem abraçou a causa. Mas eu vejo muito mais gente na contra-mão dos tempos sombrios usando a arte para alimentar a alma, para transformar… O que acontece, infelizmente, é que a gente está vivendo um tempo doentio. Se a gente parar pra ver quem é o presidente do Brasil… é um cara lunático, um cara louco que vive numa realidade paralela a realidade do nosso povo, tá ligado!? E ele tenta levar todo mundo para essa realidade.
Este é o momento do RAP se reafirmar como movimento de contra-cultura e usar essa exposição para bater de frente com este sistema?
Este é o momento da sociedade. Não dá pra colocar toda essa responsabilidade no RAP, de um jovem negro, de uma mulher negra. Não dá pra por tudo no RAP. A responsabilidade é social, seja qual trampo você tiver, você tem responsabilidade, tá ligado!? E outra, eu vejo que as pessoas estão precisando se salvar. Tem pessoas que estão tentando se salvar. Então não tem como cobrar essas pessoas que nem estão conseguindo se salvar… A informação não tá chegando… E vejo que tem muitas pessoas que quando alcança um lugar, quer andar só com quem pensa igual. Não vai fazer a base, entendeu!? Como você vai cobrar conhecimento, onde o conhecimento não chega? Como você vai cobrar a informação onde a informação não chega? A informação não tá chegando!
Veja os vídeos do showcase ONErpm
*Foto capa: Pedro Gomes
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