Campinas completou 250 anos no dia 14 de julho. Um dia antes, no Largo do Pará, um dos mais representativos do centro da cidade, que faz referência à temporada que o Maestro Carlos Gomes passou em Belém do Pará (onde faleceu em 1896), a Guarda Municipal decidiu encerrar de forma violenta a edição comemorativa de número 200 da Batalha do Cálice, a principal disputa dessa que é a terceira maior cidade do estado de São Paulo. Porém, essa interrupção não aconteceu por falta de autorização (alvará).
Antes mesmo do horário previsto, os organizadores receberam o ultimato para acabar com o evento pelo motivo de ter passado os decibéis – o limite considerado perturbação do sossego a reprodução sonora é de 70 depois das 22h – e sob ameaça de dispersar todos os presentes (cerca de 500 pessoas) com granada de gás lacrimogêneo, responsabilizando aqueles que estavam na coordenação. “É ordem, acabou. Chega, acabou… e se fizer gracinha, vai ter. Não tem gracinha não”, disse o GM responsável pela ação, que na sequência dá um tapa num dos celulares que registravam o momento.
Essa “operação” descontrolada poderia gerar uma tragédia, como já aconteceu várias outras vezes em diferentes lugares do Brasil, mas a sobriedade do Azec, um dos organizadores do Cálice, ajudou a acalmar o público e manter a tranquilidade. “Calma aí, o bagulho é o seguinte, vamos fazer o seguinte […] O cara da guarda municipal falou que se a gente não encerrar o evento, ele vai jogar uma bomba em vocês e eu vou ser o responsável [… ] eu tenho uma filha e eu não colocaria ela em risco e não colocaria a vida do filho de outras pessoas em risco”, disse o MC.
Isso não é uma novidade tratando-se de tratar como marginais quem fomenta a arte através do hip hop, mas é difícil entender os motivos pelo simples fato de no dia 18 de junho o prefeito da mesma Campinas, Dário Saadi, ter sancionado a lei Lei Ordinária Nº 16583/2024, de autoria do vereador Permínio Monteiro, que estabelece o Dia Municipal da Batalha de Rima (22 de fevereiro). “A cidade é rica quando tem diversidade, principalmente a Cultura com todos sendo respeitados, sem preconceito”, disse ele ao assinar a sanção. “Ações e iniciativas como estas que vão quebrar a resistência e dar ao Hip Hop o lugar que sempre mereceu e merece”.
Um dos objetivos principais da Lei, além da “celebração e incentivo à promoção das batalhas de rima no município”, é “difundir entre a sociedade os benefícios culturais da prática da batalha de rima e a diversidade de valores sociais, prezando o desenvolvimento da cidadania participativa, do convívio social, do PRESTÍGIO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS e da inclusão social e visando ao favorecimento das culturas populares, das culturas urbanas e das culturas da juventude”. No entanto, esse ponto não foi levado em consideração.
Agora, fica a dúvida se a lei será de fato para “celebrar as culturas urbanas e suas origens históricas, sejam nacionais, regionais ou locais” nos locais de acesso a todos ou será apenas mais uma forma de aproximação da cultura hip hop por interesses políticos e eleitorais?
A resposta não pode ser dada apenas por uma carta de repúdio (como foi dada ao G1 Campinas) escrita por alguém da assessoria de comunicação, mas sim de forma prática, principalmente na orientação e “letramento” das autoridades – que deveriam proteger os cidadãos e não o contrário. Agora, não sabemos se isso acontecerá de fato. As promessas, reuniões, fotos e textos de apoio precisam acabar. É necessário agir com urgência.