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Caio, o Garoto Oceano

Ao RAPresentando, o rapper carioca fala sobre os processos que o levou a criar o EP Garoto Oceano.

Na adolescência, Caio batia ponto na praia com a mãe. Por essa assiduidade, de estar sempre no mar, os guarda-vidas o apelidaram de garoto oceano. “Eu sou do Rio de Janeiro, então, aqui é o que a gente tem pra fazer, tá ligado?”, diz ele por videochamada. “Tu vai pra praia e fé… eu lembrei disso agora mais velho e falei: pô, era um apelido que eu gostava de ouvir”. Pelo nome artístico, a primeira impressão é que a inspiração veio do Frank Ocean, mas não, é dos seus mergulhos no oceano. “Eu comecei a ouvir ele um pouquinho, aí falei: cara, nem é tão de maluco botar Ocean”. Tranquilo, Caio pensa antes de falar. Ao falar, prefere fazer de forma pausada. Quando se estende na resposta, pede desculpa. “Sempre fui um menor muito quietinho, fechadinho”.Essa personalidade começou a se transformar quando as primeiras músicas chegaram aos ouvidos de pessoas de fora do seu círculo de amizade. Foi a partir desse momento que assumiu o A.K.A Caio Ocean.

“Apesar de ser algo pra diversão, eu comecei a usar esse alter-ego no dia a dia”, diz. “O Caio não deixa de ser eu, como, sei lá, Michael Jackson não deixa de ser ele de qualquer forma. Mas, eu gosto de usar o Caio como um veículo de expressão pra provar coisas pra mim mesmo”.

Desde menor, Ocean está envolvido com a música. Diz que teve sorte de estudar no Colégio Pedro II, uma escola federal bem tradicional no Rio de Janeiro. Lá, o professor João o “fez cair na tentação da música”. Na época, em casa, a música popular brasileira fazia parte de suas audições. Além disso, pela aptidão natural, todos da sua família conseguiram bolsa para estudar gratuitamente na Escola de Música Villa Lobos, uma das mais conceituadas da cidade. Porém, nenhum dos seus parentes conseguiu estudar lá porque não tinham o dinheiro da passagem de ônibus. “Tipo, minha família deixou de estudar na Villa Lobos por causa disso”, reflete. Todo mundo gosta de música, todo mundo tem uma desenvoltura pra pelo menos brincar com a parada, só que ninguém conseguiu explorar”. Talvez se o professor, e alguns amigos, não o incentivassem, Caio também seguiria por um caminho diferente do que decidiu caminhar.

 

OFF
SE EU PUDESSE, TODAS AS MÚSICAS TERIAM SIDO ANIMADAS. UM CLIPE MANEIRO, UMA ANIMAÇÃO MANEIRA MESMO, TRABALHADA EM VÁRIOS CONCEITOS DE ANIMAÇÃO: STOP MOTION, 2D, 3D. SÓ QUE EU NÃO TINHA O RECURSOS… MAS FUTURAMENTE EU AINDA QUERO FAZER UMA SÉRIE ANIMADA COM AS MÚSICAS DE SOUNDTRACK NO FUNDO. ESSE É O PLANO FUTURO! 

 

“Ele falava uns bagulhos engraçados, porque eu não acreditava. Até hoje, tipo, acho meio bá. Eu não sou tão… de acreditar nas coisas do destino, Mas, tipo, se eu pudesse me permitir dar uma viajada e ser fictício nesse ponto… ele falava assim: ‘Pô, Caio (é até engraçado, porque eu sempre chegava chapadão na aula), esse dom que tu tem, cara, isso aí não é um bagulho pra tu deixar no escritório, não’. Ele era todo viajadinho, só que, mano, o que me deixava feliz falando com ele, é que tipo, quando ele falava, eu via na cara dele uma veracidade, tá ligado? Ele gostava dessa parada, de me ver fazendo música e tal”.

Ogâ, tocador de atabaque, Caio sempre gostou de percussão. Como dominava, João acreditava que esse talento não poderia ser desperdiçado. “Ele gostava de falar: “mano, pode ter certeza que no futuro tu vai explorar mais isso.” O mergulho nas águas oceânicas da música aconteceu na pandemia. Para sair do tédio e dos problemas causados pelo confinamento, ele explorou seu lado beatmaker. “Comecei a produzir uns beats no celular”, afirma. “Eu gosto de gravar e mixar minha voz. Isso foi o que me atraiu pra parada”. Sem ninguém para rimar nas suas produções, o próprio decidiu fazer. Assim descobriu outra habilidade. “Fiquei a pandemia toda fazendo isso, mas não mostrava pra ninguém porque eu tinha vergonha”, revela. “Quando eu fiz ‘Terra de Ninguém’, um parceiro ficou me pentelhando: ‘mano, tu tem que botar isso pra pista, alguma coisa assim, só pra eu conseguir ouvir’. Eu mandava no WhatsApp dele, e ele dizia pra eu botar no Spotify pra ouvir lá”. Sem saber como, ficou mais de um mês batendo cabeça. Quando conseguiu, deixou lá e esqueceu.

Passados dois meses, Caio entrou no TikTok, bem na época que as danças estavam bombando, e a sua música tinha estourado. “Pensei: caralho, mano, maneiro. Tipo, o rapaz que fez o vídeo gostou da parada que eu fiz. Eu fiquei cheio de vergonha, mas, tipo, o rapaz tinha gostado, então fiquei feliz. Aí, claro, sempre tinha uns comentários meio otários. Fiquei meio acanhado, mas feliz”. Depois de furar a bolha, soltou músicas com mais frequência. Ao ver que os ouvintes gostavam do que tinha para oferecer artisticamente e esteticamente, se animou. Mas os planos dele eram ainda mais ousados. “Sempre foi o meu objetivo criar um desenho animado. Tipo, eu quero ser animador, tá ligado? Fazer as músicas como se fossem as narrativas dos desenhos”.

 

CLT, FAMÍLIA e VERSOS

Antes de assumir a profissão artística, Caio Ocean teve diferentes empregos CLT, de casa de festa a loja de departamento. No dia que “Terra de Ninguém” atingiu 500 mil plays, no mesmo momento que chegou a notificação, ele estava no estoque dessa loja tomando esculacho da sua chefe. “Ela reclamou com todo mundo lá, mas me escolheu e desceu o pau em mim”, lembra. “Aí, recebi o alerta e pensei: porra, cara, será que é isso mesmo?” Acanhado e, às vezes, desacreditado, ele afirma entender seu tamanho. Por isso, discorda que o que tem acontecido é resultado do destino

“Pode até ser um papo de maluco, mas eu entendo o meu tamanho perante a tudo, tá ligado? Às vezes eu penso que o destino, se isso existe, é um pouco de água da minha cabeça”, ressalta. “Mas eu gosto de pensar que tudo está andando como tinha que ser, que as coisas estão fluindo, e parar e contemplar isso é maneiro… apesar de eu ainda ter muita insegurança de onde vou chegar, o que eu quero expressar e o que eu vou fazer com essa sensibilidade que tenho”.

A produção de Garoto Oceano tem a ver com essa vontade de colocar para fora o que sempre esteve preso na mente. Antes, Caio gostava de fazer rimas mais descontraídas, uma coisa fantasiosa, fictícia – assim como as animações que pretende fazer -, mas chegou um momento que achou que deveria falar mais sobre ele. “Porque nem eu ligava muito para o que o Caio queria, tá ligado?”, observa. “Era sempre algum motor, tipo: eu vou estudar porque é o jeito que minha família conseguiu ter relevância na sociedade”. Esse gatilho, o fez lembrar das dificuldades enfrentadas e da dedicação da sua mãe aos livros. “Eu achava isso super incrível. Chegava no quarto dela… às vezes, tipo, não tinha vários bagulho em casa, mas lá tinha muito livro, tá ligado? E eu ficava tipo: caralho, essa mulher sabe de alguma coisa, tenho que saber o que ela sabe, mano”.

 

Foto: Divulgação

 

O objetivo de Caio era conseguir chegar ao nível de inteligência da mãe. Assim, no EP, ele decidiu deixar de criar histórias focando em terceiros para falar dos seus próprios sentimentos. Isso o fez enxergar que não é tão ruim quanto parece – ou imagina. “Mas a gente sempre fica meio travado pra fazer isso, né mano?”, diz. “No Garoto eu falei: mano, quer saber… eu tenho meus caôs de família, eu tenho meus caôs de bairro, isso e aquilo, então vou fazer uma mini tape também pra explorar um pouco mais o lado musical que eu gosto, tá ligado?” Foi aí que chamou Grãovizir e o OrdinaryJoe para o auxiliarem na produção. E mesmo expondo sentimentos, Ocean não acredita que o disco seja um auto retrato.

“Ainda… eu não posso falar assim, porque eu sei que não são rimas inteligentíssimas, tipo, cheias de codificação, tipo as do Makalister, tá ligado? É um EP com rimas fáceis, mas rimas maneiras. Tem umas barras bem jogadas, tá ligado? Eu gosto muito do estilo de rima norte-americano, porque os caras jogam rimas fáceis de serem entendidas, no sentido de pum… ele vai jogar uma rima clara e você vai tá ligado no que ele tá falando?”

Contrapondo a afirmação dele, digo que depende também da forma que as pessoas ouvem, levando em consideração que as ideias mais complexas precisam de uma atenção maior. Assim, precisa ter a atenção dobrada para que se entenda a visão que o artista pretende passar. Mas quando o papo é direto, a mensagem é entregue de forma rápida.

“Eu acho que quando o papo é reto e verdadeiro, tá ligado? Tudo que eu tenho pra trazer com música agora é uma grande conversa. Então, eu jogo mais rima como se você estivesse, sei lá, literalmente vivendo aquilo”, declara. “É igual tu tá no teu bairro com algum bagulho assim, aí teu parceiro vem e solta uma frase, que às vezes é muito despretensiosa, só que tu fala: caralho, mano, essa é uma frase forte. Só que aquilo saiu numa conversa de terça-feira no meio da rua, tá ligado? Isso sempre quebrou minha cabeça. Aí eu falei: pô mano, às vezes eu também falo uns bagulhos assim que eu fico, mano… maneiro isso aqui”.

 

 

Um exemplo disso é o verso de “Adele”, que ele faz questão de rimar: “quarto quente fechado, quadrado formado, sou eu, meu baseado e um bando de frustração”. Para Caio, essa é uma rima fácil, só que do jeito que ela vem no beat, pela construção, fica bonitinha e maneira de ouvir. “Eu acho que é isso que eu queria passar com esse EP, essa naturalidade de fala e auto identificação externa”.

Discordo que as letras do EP sejam simples. Antes de conhecer Caio Ocean, e ouvir Garoto Oceano, fui no pré-julgamento de que ouviria algo repetitivo, considerando que ele é um rapper de uma nova geração (sem generalizações) que não está tão comprometida em sair da zona de conforto. Porém, fui surpreendido pelas ideias avançadas do MC. Não estava preparado, mas era o que eu queria e precisava ouvir.

“Esse bagulho me pega muito. O meu objetivo com a parada é real descobrir que porra que é a arte, tá ligado? Mesmo que seja com uma rima fácil falando que eu tô fumando um baseado às 3 da tarde. Eu quero me entender, porque faço música pra mim, e fico feliz de poder abrir isso com a rapaziada e ter mais gente curtindo também”.

Digo que todo artista deveria ter esse tipo de pensamento, de fazer algo para ele primeiro, que seja a sua verdade, para que depois chegue às pessoas e elas se identifiquem. Não é igual fazer uma coisa industrial, igual a várias outras, pensada apenas para agradar o público e atingir números. “Esse é o papo, mas isso me assusta, tá ligado?”, ressalta. “Porque vira meio que um ciclo vicioso no final. Até você conseguir quebrar e falar: pô, eu posso perder tudo que eu construí, esse negócio é minha carreira. Pelo menos é o que eu acho que passa na cabeça dos manos. Tipo, deve ser uma decisão muito foda de tomar”. Nesse processo de produção do EP, Caio ainda não descobriu o que é arte, e talvez essa nem seja a sua intenção.

“Mano, humildemente falando, eu acho que eu não descubro tão cedo, mané! Porque, tipo, sei lá… Quando você quer realmente entender uma palavra, um conceito, tipo… biologicamente falando mesmo, você tem que ficar ali, tipo, dez horas analisando aquilo. Isso aconteceu milhares de anos atrás e até hoje tem gente que está estudando pedras. Tipo, estou viajando aqui, mas acho que não é agora que eu vou descobrir o que é, mano. Mas estou disposto a passar a minha vida tentando, tentando”.

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