Azarado. É assim que Bonsai se considera. “Eu sempre perco as coisas”, revela. “Às vezes está tudo no jeito e aí, de repente, caralho, eu perco tudo, esqueço”. Apesar disso, acredita que em alguns momentos tem sorte. “Tipo, todo mundo vai passar por uma fase boa e uma fase ruim. Na fase boa, se você ficar firmão, tem que se preparar porque a fase ruim vem, tá ligado, mano? Ninguém vai viver na sorte pra sempre. A vida é esse ciclo de ganhar e perder”. É sobre essa roleta que não para de girar, que ele faz uma narrativa quase cinematográfica ao longo dos quase 50 minutos do álbum “Sorte ou Revés”. “Você tem que estar muito atento na hora que está comemorando alguma coisa, porque logo, logo vai ser colocado à prova. E o revés é o que você vai ter pra conseguir lidar com a pior fase”.
Essas reflexões resultam de vivências. Mas nem tudo é baseado em fatos. Uma das inspirações para o desenvolvimento das ideias é o filme “Croupier” (1998). Nele, para pagar as contas, um aspirante a escritor aceita um emprego de crupiê, o responsável pela roleta do cassino. Tendo esse contexto como fio condutor, o MC de Mauá criou seus próprios roteiros usando como cenário a cidade em que mora na grande São Paulo. É a jornada de uma pessoa que ganha e perde. E assim como no jogo, as vitórias e as derrotas acontecem simultaneamente. “Tipo, ele ganha em uma e na sequência perde e volta pra correria”. Outra referência utilizada é o jogo Monopoly, onde a sorte e o azar são os fatores dominantes.
“Tá meio que intrínseco nas minhas letras que sempre tô cantando sobre isso, tá ligado? Sempre eu tô falando sobre ganhar e perder… bater e apanhar. Sempre tô trabalhando dentro dessa dualidade”, reflete. “Foi ouvindo as guias que a gente entendeu que era um contexto comum. Também entendemos que daria pra se conectar com esse momento atual em que os jogos estão fazendo parte da vida das pessoas”.
Quem ouve os 21 temas, sendo o primeiro deles introdutório, tem a impressão que tudo foi arquitetado para ser do jeito que é. Mas não. O processo mudou diversas vezes com as composições surgindo sem grandes pretensões. Toda vez que ia ao estúdio encontrar com Rudgini, Marco (Carcamano) e CIANO, Bonsai gravava entre seis e sete músicas. Algumas já estavam no esquema e outras surgiram no freestyle. Quando se deu conta, tinha 47 músicas. Dessas, separou 6 para o EP “Cenas Mais Rentáveis”(2024). Quando estava começando a fazer o fechamento do disco, o filho Ícaro nasceu. “Troquei ideia com os caras e falei: tô saindo de cena”. A pausa não foi necessária só para dar uma atenção à família e se dedicar ao trabalho em um restaurante peruano, onde é chefe de cozinha. Também ajudou na maturação de tudo que estava na mente.
“A magia aconteceu nesse momento, porque os moleque entraram numa sintonia foda, tanto que eu falo que é um projeto colaborativo mesmo”, diz. “Eles começaram a montar o esqueleto e fizeram a pesquisa do contexto em que eu entraria. Então, foram dois anos de trampo, com várias nuances. Uma hora eu participava mais, outra hora eu participava menos. O mais engraçado disso é como eles conseguiram observar esse senso comum nas minhas letras. De tanto ouvirem, os caras decifraram minha arte de uma forma que nem eu consegui imaginar”.
OFF
“MUITOS MANOS AINDA FAZEM UM PAPEL EDUCATIVO DA HORA NO RAP. TIPO O PRÓPRIO SONO TWS, QUE AO INVÉS DE JULGAR ENSINA A MOLECADA, TIPO: VAMOS CONHECER MOB DEEP, VAMOS OUVIR UM CLÁSSICO DO RAP NACIONAL, OUVIR GOG. O HIP HOP CONTINUA ACONTECENDO E RENASCENDO DE DIVERSAS FORMAS”.
Essa conexão dos responsáveis pelos instrumentais foi essencial para a narrativa. “Cada um dos três fizeram levadas de beats muito específicos:, explica. “Por exemplo: se você vê, os beats do Marco são os boom baps. Os do Ciano caem para o drumless. E os beats do Rugdini são tipo os trembolô. A gente deu esse nome porque é muito treva, pra baixo”. Assim, criaram um direcionamento coeso que mantém o fluxo consistente.
Quando pergunto para Bonsai, via Zoom, se as temáticas foram desenvolvidas a partir da sua realidade ou no que observa no dia a dia, o rapper afirma que é um mix das duas experiências. “Mesmo criando coisas factuais que são observadas, a gente não deixa de estar vivenciando isso. Mesmo não sendo na primeira pessoa, se você é atingido por alguma coisa naquela situação, pode ter certeza que o bagulho é seu também, não tem como se desviar disso, tá ligado?” É por isso que suas letras possuem pontos de vista sobre realidades que existem na periferia. “Tipo os golpes que são recorrentes para quem é pobre”, afirma ele, complementando que também faz denúncias e citações do lugar onde mora.
“Ela tá muito citada, mano. Minha cidade tem 50 anos de vida. Era um bairro de Santo André. Então, tipo assim, as coisas aqui são muito novas, muito pequenas ainda. Por isso, sempre que eu faço música, eu faço arte, penso em levar a bandeira de Mauá. Faço denúncia ambiental, porque no bairro Capuava tem o maior polo petroquímico do Brasil, o que acaba com a qualidade do ar do bagulho. Tipo, tem um pinguim na capa, saca mano? Esse pinguim é de uma rede de supermercados (Nevada) que tem na cidade. Só quem é daqui vai entender. Essa representatividade é muito importante pra mim. Porque se o bagulho der a boa, estourar a boa, firmeza, mas se não estourar, nós deixamos um clássico aí na rua, mano”.

Para além dos problemas de Mauá, Bonsai se preocupa muito com a sua reputação. “Sabe por quê? Porque quando eu levanto de manhã, minha filha sabe quem é o Bonsai”, reflete. “No futuro se ela ler ou ouvir falarem sobre o pai dela, não vai ter um esculacho, não ter nada porque o meu bagulho corre no limpo”. Ele diz que nunca quis se render a fazer uma coisa que não acreditava. “Porque eu penso que é assim, tipo: como que eu vou inspirar as pessoas ao meu redor a sonhar se eu vou desistir do meu sonho. Preciso sonhar, preciso lutar pelo sonho de um formato, de um pensamento, de uma nova forma baseada no eu mais gosto, que eu mais vivi, do que eu mais ouvi, porque eu não posso soltar essa tocha”. Dessa forma, ele continua fazendo o tipo de rap que acredita sem se render ao que está na moda ou fazer o que seja palatável para o mercado.
Com mais de 10 anos fazendo música, ele diz que ainda não consegue viver de música. Porém, não fica desesperado com isso. “Eu vou continuar fazendo e acreditando. Eu tenho certeza que tem chegado de uma forma sincera pras pessoas, tá ligado? E isso é importante”. Bonsai ressalta que é cada vez mais necessário ser autêntico nesse momento em que tudo é robô, tudo é plástico. “Tudo é rápido demais. Um som bate e vai embora. Tento fazer um bagulho que fique. Acredito que minha visão de música é muito parecida com a minha visão de vida pessoal”, assegura. “Não consigo seguir por outro caminho”. O mesmo acontece quando está na cozinha. Mas nesse ambiente é necessário deixar o rap do lado de fora. Precisa separar o artístico do profissional. Não que fazer essa separação seja um problema.
“Dentro da cozinha não dá pra você ficar: porra eu faço rap, ouvi lá minha música lá, tá ligado? Ninguém tá nem aí pra essa porra, mano”, enfatiza sorrindo. “Mas aí quando eu piso fora, ponho o fone de ouvido e já ouço o que eu gosto. Já ouço uma guia, já penso numa letra. Vou vivendo assim nos intervalos das coisas. Tudo na minha cabeça é bem dividido. Obviamente que eu, particularmente, queria viver da música, tá ligado mano? Tenho trabalhado duro pra isso, mas já não é uma cobrança que vai me desesperar não. Eu tô bem firmão em relação a isso. Faço como dá e o bagulho tem dado bom”.