Bivolt deu um upgrade na sua potência apenas um ano depois de fazer a estreia de um álbum autointitulado. Dessa vez, o óxido nitroso é a fonte energética. A fórmula foi alterada para atingir uma velocidade ainda maior do que a do anterior, que garantiu inúmeras premiações e a indicação ao Grammy Latino pelo videoclipe de “Cubana”.
De fato, “Nitro” está mais diverso e intenso. Mas a rapper se mantém fiel ao seu estilo para abordar temas relacionados às suas raízes. Também enaltece o corre que tem feito, ressalta a necessidade da confiança e autoestima feminina, e mostra que tem poder para chegar onde quiser com trabalho que faz.
Para falar detalhadamente sobre os conceitos e ideias desse segundo álbum, “encontrei” com Bivolt no Zoom. Ao entrar, ela diz que está toda desarrumada, o que na realidade não era verdade. Conversamos (e rimos) por uma hora sobre o disco, pandemia, mercado da música, valorização, parcerias e a volta aos shows. “Já estou trabalhando e tenho bastante coisa aí para o ano que vem. Por enquanto as datas marcadas para 2022 são festivais, são shows grandes. Então, estou trabalhando para fazer os melhores shows da minha vida”.
A primeira e última vez que conversamos foi no Rock In Rio em 2017. Nesse período de quatro anos a sua carreira ascendeu de uma forma “meteórica”. É um curto espaço de tempo, mas esse é o resultado de um trabalho que já vinha sendo feito. Qual é a sua análise desse seu crescimento artístico?
Vou ser bem sincera. O que eu acho que mudou foram as oportunidades… por isso eu sempre digo: “gente, dá valor para o seu amigo artista que tá começando. Porque assim, é incrível, quando a gente precisa gravar um som e não tem dinheiro, não aparece um ser humano pra oferecer um estúdio para, sei lá… apostar em você. E aí, quando você já tem um lugar pra gravar o seu trabalho, aparece um milhão de oportunidades. Acredito que tenha sido isso… na época eu não tinha tanta oportunidade, não tinha como executar todas as coisas que eu planejava fazer, né!? Mas, graças a Deus, eu nunca desisti. Sempre trabalhei bastante. Se eu tivesse só uma câmera pra gravar, como aconteceu no meu primeiro clipe (Doce – Verso Livre), eu fazia. Então, dentro das minhas possibilidades, eu sempre investi em mim e sempre apostei muito no meu sonho, sabe!? Já comi muito miojo pra pagar seção de estúdio. E é mó louco, energeticamente falando, quando a gente cruza com pessoas que têm o mesmo propósito que a gente, as coisas deslancham também. É um alinhamento de propósitos.
E quem você encontrou nessa caminhada que estava no mesmo propósito e conseguiu te acompanhar nessa evolução?
Basicamente, os meus amigos todos. Eles são os mesmos daquela época, e até pessoas que eu nem imaginaria que iam cantar. Por exemplo, a Tasha e a Tracie que hoje estão brilhando bastante. Na época, eu já sabia de todo o potencial delas como escritoras, como poetas e já acompanhava o trabalho delas paralelo ao trabalho de DJ e a moda que elas já faziam… também tem a Boombeat. Enfim, todos os meus amigos que continuaram se deram bem. Só não vingou quem parou. Demora às vezes, e a gente acha que não vai acontecer, mas acontece. Só perde quem desiste.
Tem que dar tempo ao tempo. Obviamente, as oportunidades são importantes para abrir os caminhos, mas tem que continuar para que elas apareçam de algum lugar. Quando vi o seu show no RIR, eu não conhecia muito sobre o seu trabalho. Tinha visto apenas um videoclipe (“Olha Pra Mim”). Naquele palco, você chamou atenção porque estava dando 120% do seu máximo. Foi incrível ver sua energia. Nos anos seguintes, o seu trabalho foi só crescendo. Aí, no começo de 2020, saiu o seu primeiro disco. Mas logo veio a pandemia. Você nem chegou a rodar com ele, né!?
Não teve como, porque foi proibido tudo. A gente nem podia sair pra rua. Era só pra mercado e farmácia. Então, não teve como rodar com ele ainda. Hoje (dia primeiro de novembro de 2021) a gente tá abrindo a agenda pela primeira vez depois de todo esse tempo. Não teve como eu trabalhar o disco, mas virtualmente eu fiz tudo que estava ao meu alcance, e tudo que foi planejado antes da pandemia para trabalhar a gente conseguiu executar… no começou eu fiquei bem chateada, frustrada (obviamente). Você passa a vida inteira pra lançar um álbum e de repente vem uma pandemia. Foi chocante não poder cantar essas músicas e tudo mais… só que politicamente falando, a gente está vivendo uma situação sinistra no Brasil, que não dá pra ter apego a interesses pessoais. Se a gente for falar sobre interesses públicos, de um todo, essa pandemia trouxe perdas grandes. Não só de parar a vida, mas de perder pessoas, falta de estrutura, a crise e todo esse complexo que a gente vai (infelizmente) continuar vivendo, porque a pandemia vai deixar muitas sequelas no povo brasileiro, exatamente pela falta de estrutura que a gente tem. Nesse momento, a fome está gritando, muitas famílias estão desesperadas. É difícil falar só da minha experiência pessoal. Foi difícil, foi. Mas teve gente que perdeu a vida. Eu só tenho que agradecer por estar viva, ter saúde e ter pessoas que eu amo do meu lado e vacinadas.
“a gente não está aqui pra fazer só o que esperam da gente. Estamos aqui para destravar novo ares, novas possibilidades”.
Nesse momento complicado a arte também fez a diferença na vida das pessoas e trouxe um conforto. Mesmo sem falar sobre esse caos, o seu primeiro disco serviu de alento para muita gente, pois tem algumas músicas que refletem muito essa situação que vivemos. Apesar de alguns considerarem que a arte seja algo banal, ela tem o poder de transformação…
… Eu não banalizo a arte de forma alguma, porque realmente a arte tem esse poder. O álbum foi um conforto pra mim. Em muitos momentos, algumas coisas fazia muito sentido. Eu falava: “caraca! Fui usada aí. Fui instrumento”. E muitas pessoas relataram sobre a companhia que esse álbum e as músicas fizeram. Então, foi um presente. Hoje, vendo por outro lado, acho que tudo tem um momento, tudo tem um porquê. Não sei o porquê, não sei qual é o momento, mas se saiu assim desse jeito, o universo sabe… e às vezes foi exatamente pra poder ser companhia pra certas pessoas. A gente nunca sabe. Mas foi um álbum que me trouxe muitos frutos, muitas coisas, muitas indicações, me colocou em vários lugares que eu sempre esperei alcançar, mas nunca tinha alcançado anteriormente. Então, missão cumprida. Estou ansiosa pra cantar nos shows não só a música do BIVOLT, mas como também do segundo, Nitro.
Então vamos falar do Nitro. No Bivolt, você veio com essa parada da “bivoltagem” da energia…
Bivoltagem (Risadas)
Tinha essa dualidade de 110 e 220. Agora, você dá um up nessa energia colocando o nitrogênio. Como foi essa transição, e por que da escolha do nitro? Está relacionado a algum lance de carro que você curte, “Velozes e Furiosos” ou algo do tipo?
[Fala rindo] Não necessariamente Velozes e Furiosos. Eu gosto mais de moto do que de carro. Mas gosto também de carro, de moto, de avião, de tudo, quero ter todos [dá risadas]. Mas essa parada do nitro veio dessa necessidade de algo mais rápido para acelerar o movimento. Imagina, você ficou parado por dois anos… precisa de alguma coisa pra acelerar, precisa de alguma coisa pra trazer movimento. Mas falando culturalmente do nitro na quebrada, vamos puxar um pouquinho aqui na história… O nitro é bastante usado nas reformas de carro, né!? Por exemplo: o irmão vai lá e compra um chevetinho, um fusca ou um carro antigo que não tem tanta potência. Ele reforma esse carro e deixa ele zero bala. Provavelmente na sua quebrada você já deve ter visto isso…
Ele dá aquela tunada no carro.
Dá aquela tunada, e faz aquela reforma. E é muito louco, porque você vê um carro assim, que aparentemente é antigo, mas está correndo mais que os carros novos. Na minha quebrada, o carro tunado sempre foi cultural, desde o equipamento automobilístico até o de sistema de som, quando os caras colocam aquelas caixas de som boladona. Tudo isso faz parte das minhas raízes. Esse disco traz toda uma estética muito relacionada ao que fez a Bivolt. No primeiro disco, a gente traz quem é a Bivolt, tanto o 110 quanto o 220, para tentar amarrar e mostrar que apesar de fazer duas coisas diferentes, eu sou uma pessoa só. Já no segundo, tem essa necessidade de acelerar e fazer o resgate do que faz a Bivolt. É um álbum rápido com pouco mais de 20 minutos. Até porquê, eu quero continuar trabalhando o BIVOLT. Por isso, optei por fazer uma coisa mais enxuta, mais rápida, pra trazer esse lado conceitual do fast, rápido, veloz. É todo recheado de uma estética relacionada a minha história, desde os pequenos detalhes na capa até nas músicas, nas transições de uma música pra outra, como elas se conversam. Não dá pra ouvir ele uma vez só e já querer entender. Eu vi algumas análises do álbum e falei: “hum! hum! hum! Você tá analisando errado, parça”. Tem que ouvir o negócio e ficar atento porque o tempo todo tem detalhes, tem enigmas… eu não sou um tipo de artista que só faço a música e lanço. Eu gosto de botar uma coceirinha atrás da orelha que você talvez só vá perceber na décima vez que ouvir ou logo de primeira. Mas sempre vai ter um conceito amarrando toda a história. Por exemplo: nas faixas que você me ouve conversando lá no radinho… com quem que eu tô falando? Eu queria trazer essa reflexão pra galera. Quem essa pessoa que eu tô falando? Pra onde eu tô falando? Até na capa eu estou ali falando no radinho. São várias coisas, esteticamente falando, pra quem vem de quebrada como eu, a galera flagra na hora. Além disso tem muita simbologia que a gente fala ali que dá pra gente amarrar. Mas esse é um trabalho de construção sólida. Na minha visão não tem problema se a galera entender agora ou não, porque vão vir outros trabalhos que vão deixar essas ideias mais redondinhas… ó eu já dando spoiler.
Informações privilegiadas. Eu ouvi o disco algumas vezes, mas ainda não cheguei a uma conclusão. Estou absorvendo. Mas quero saber como ele foi desenvolvido, da escrita à produção musical. As músicas já estavam prontas ou foram desenvolvidas nesse tempo em casa?
Algumas eu já tinha prontas, outras não. O que acontece… eu pensava em fazer um outro álbum. A gente chama o Nitro de álbum porque esse é o formato que é padrão hoje. Na minha concepção, por ter uma música que conversa com a outra, isso é uma mixtape. Mas essa é minha visão, e eu não posso mudar o certo. Mas a minha ideia era fazer um álbum de estúdio bem amarradinho, todo grandão. Só que eu dei dois passos pra trás nessa pandemia. Eu repensei a maneira de criação. Apesar das músicas terem sido feitas em momentos diferentes, todas se conversam de alguma forma. Por exemplo: a Anjo (que é a última faixa) foi a primeira música que eu fiz, e “Chef Chef Chef” foi última. Olha as ideias…
Você inverteu a lógica.
Sim! A primeira que eu fiz virou a última, e a última virou a primeira, porque eu acho que a “Chef Chef Chef” conversa com as coisas que eu vou apresentar na sequência. E no começo tem eu conversando no radinho com uma pessoa que ninguém sabe quem é ainda, mas essa parada não é pra fazer ninguém pensar. Porém, uma hora vai bater e você vai raciocinar e entender. É aí que mora a graça… quando chega um fã e fala: “Bivolt, você falou isso e isso aqui por causa disso?” Aí, falo: “é”! “Nossa, caramba, como você é um gênio!” A primeira e a última música do disco anterior formam uma música. E isso, as pessoas foram só entender um ano depois. Até viralizou lá no Tik Tok uma menina fazendo reação análise. Ninguém entendeu de primeira. Então, é igual um quadro. É arte. Não é pra ser contestada, não é pra ser entendida. Cada um vai ter sua percepção. Eu posso olhar um quadro do Van Gogh e ver uma coisa, e na verdade o que o artista queria passar era outra, sabe!? E o meu colega vai olhar o quadro e ver outra coisa. Vai da sensibilidade de cada um. Esse álbum é mais pra frente no tom, porque eu tô cantando alto, cantando pra cima, estou acelerando, os ritmos são mais pra cima também, são ritmos mais rápidos. É um álbum rápido e as músicas são curtas. É tudo veloz, tudo na base de nitro.
O álbum tem algumas músicas mais dançantes, como “Raspa Placa”, e em outras você dá uma acalmada com os lovesongs. Algumas delas têm a participações especiais. Me fala sobre a escolha de Duda Beat, Glória Groove e Emicida para fazer parceria.
Desses três nomes, o primeiro que eu pensei na hora foi o Emicida. E todo mundo achou que ele não ia curtir o som, porque é um lovesong. Onde a gente vê Emicida fazendo lovesong assim, duetinho de amor [risadas]? Aí, falaram pra fazer uma outra música. Falei: “não. Vou mandar pra ele e vamos ver. O não a gente já tem”. Na hora que a gente mandou o som, ele amou. A minha ideia é trazer as pessoas para fora da zona de conforto delas. O que o povo imagina quando fala de Bivolt e Emicida. Duas pessoas que vieram de batalha, de quebrada… a expectativa era que a gente ia fazer um puta de um “rapão” sanguinário e ia matar o Bolsonaro na rima. Pô, é isso que esperam de nós. E a gente não está aqui pra fazer só o que esperam da gente. Estamos aqui para destravar novo ares, novas possibilidades, musicalmente falando. Que daora o Emicida falando de amor num dueto. A gente falou de afeto nesse momento tão difícil, depois de tudo que a gente viveu. Embora toda a revolta esteja na ponta da língua, é necessário dar dois passos para trás, respirar, falar de afeto, principalmente com o público que a gente tem, que a gente conversa. É muito bom falar de amor. Quando eu mandei, ele escreveu a letra em dois dias, gravou uma guia e mandou. Mas para gravar a música oficial foi uma novela. O menino foi lá pra Portugal, nossa… cada vez que ele demorava pra responder eu tinha um surto: “nossa não vai ter mais o Emicida no disco” [risadas]. Mas no final deu tudo certo, ele foi um amor de pessoa. Ele mesmo gravou a voz, e a parte dele no clipe. E isso, torna até mais valoroso todo o processo, em que o próprio artista coloca a mão na massa. Sem palavras.
A participação da Glória Groove surgiu, porque eu estava ouvindo sem parar a música “Apaga a Luz”. Quando eu fui para o estúdio, “Pimenta” era pra ser solo. Só que quando eu gravei, ficou nítido que seu estava inspirada na Glória. Aí, todo mundo falou: “caraca, mano. Tá na cara que é pra GG, né!?” Falei: “tá na cara mesmo? Porque se tiver na cara, vou chamar ela pra fazer. Será que ela topa?” Cara, foi também automático. Mantei pra GG, ela ouviu a música e escreveu assim em cinco minutos. Muito rápido. Já gostou se identificou com a música, ela mesmo gravou da casa dela, e a gente gravou um clipão. Entregamos tudo. Mostrei a bunda no clipe… sério, adorei. Foi uma das músicas que eu mais gostei de fazer, até porque GG é uma artista muito rica que me ensinou bastante. Foi foda.
Já com Duda Beat, o Doug, que foi a mesma pessoa que produziu “Cubana” – junto com o Nave -, foi para o México e fez uma batida lá. E aí, ele me mandou e disse: “Bivolt, a gente já fez Cubana… vamos fazer Mexicana agora?” Mandou zoando, tirando uma onda… eu chapei na batida, e já fui mostrando pra todo mundo. Mas o pessoal disse: “onde isso vai encaixar no álbum?” Eu respondi: “quero falar de moto, porque tem tudo a ver. Amo ir para o baile de moto… eu sou Maria motoqueira. Não posso ver uma moto… fiscal de Food, eu [risadas], o povo me zoa. Eu queria fazer um som sobre moto, mas os caras falaram que não tinha nada a ver com o beat. Falei: “não, a gente tem que fazer uma música de união cultural”. Eu não tinha a letra nem nada, mas já sabia que eu queria unir culturas. Queria falar do fluxo de São Paulo, porque nesse rascunho do beat tinha uma pegada bem do fluxo daqui, uma coisa meio funk. E aí, eu falei: “véi, vamos chamar uma pessoa que seja do bregafunk ou desse lugar”. Então, veio a ideia da Duda Beat, que é de Recife, e lá pega muito a parada do bregafunk. Antes de falar com ela, escrevi a música, mandei e passei toda história: “cara, eu queria te convidar para o fluxo de São Paulo”. Você traz o seu gingado do brega, a gente junta essas potências, e vão ser duas mulheres fodas da nova geração trazendo essa parada. A brisa foi bem essa mesmo… é uma legítima música brasileira, fruto de várias misturas e acho que é isso que torna a música mais interessante e contagiante. Pô, na quebrada tá tocando pra caramba. E eu nunca imaginei uma música minha desse tipo estar tocando na quebrada. Só que é o que o povo gosta. O povo gosta de se identificar. O povo gosta de se ouvir e de dançar. É uma música feita para o povo brasileiro. Fiquei muito feliz, porque todas as participações do disco se entregaram realmente no processo pra fazer acontecer. Me sinto um ser humano abençoado por ter tanta gente incrível somando com meu trabalho e me ajudando a mostrar um pouquinho do que eu sei fazer para o mundo.
Tudo se casa. E “Rasta Placa” é uma música de fato para tocar no fluxo e nos falantes dos carros. Na pista pode bombar também, porque…
… É bem dançante. Fala da cultura do grau (de empinar a moto). Aqui nas quebradas de São Paulo é muito forte, e não sei como é em outros estados. E a meta do grau é raspar a placa no chão, mesmo. Teve gente que levou para um outro lado, mas calma gente, só estava falando de raspar a placa da moto [risadas].
Você acha que esse disco foi para uma linha mais pop?
Tá bem mais pop… o rap está pop nesse momento. Tem músicas nesse álbum que são inegavelmente rap. Só que qual é a minha missão sempre: explorar as sonoridades existentes dentro do movimento Hip Hop, do rap até as suas vertentes, como o R&B, o trap, o drill. Isso já faz parte da minha identidade sonora, né!? Gosto de explorar versatilidades. Só que eu não saio atirando para qualquer lado. É sempre dentro da minha zona de fala, dentro do Hip Hop, que é um movimento muito grande. Mas a galera fica falando: “isso é rap, isso não é rap”. Pô, cara. vai dar uma estudadinha porque metade do que a gente escuta hoje no pop vem do rap. Então, a música com a Glória Groove é pop, mas é também R&B. A com o Emicida é um rap com R&B. “Chef Chef Chef” é uma música de rap, e a música com a Duda mescla o rap com o bregafunk… “Localiza” já é uma música cantada num beat de drill, que não sei se existe nome ainda, mas pra gente é o R&Drill [risadas] – basicamente um flow de R&B só que no beat de drill. Eu não chamaria só de pop… acredito que o rap no Brasil está pop no momento. Tem vários artistas de outros estilos convidando artistas de rap para parcerias, colocando rimas nas suas composições e tal… eu não vejo problema nenhum nisso. Só fico com medo de virar o novo emo, igual o emo fudeu com o rock… que foi uma palhaçada mainstream que fez sucesso e sumiu. Então, o meu medo é esse, e vou trabalhar pra não deixar isso acontecer.
Qual sua expectativa pra voltar aos palcos?
Eu estou ansiosa. Já estou trabalhando e tenho bastante coisa aí para o ano que vem. Por enquanto as datas marcadas para 2022 são festivais, são shows grandes. Então, estou trabalhando para fazer os melhores shows da minha vida. Tudo muito coreografado, com balé, com DJ… eu quero elevar o nível, irmão. A gente que veio do underground está muito acostumado com o pouco, com o pouco, com o pouco. Mas quem eleva o nosso nível é a gente mesmo. Quem define o que é o certo e o errado, e impõe os limites somos nós. Eu, a partir do momento que eu decidi me valorizar, eu tive valor para o mercado. Porque a partir do momento que eu descobri o poder do não, minha vida mudou bastante. Então, eu quero elevar o nível. Tento fazer isso através dos meus trabalhos audiovisuais, fugindo daquela parada de só cantar na rua ou no estúdio fumando um beck com um monte de gostosa do lado. Pô, cara, a gente é tão inteligente, né!? A gente consegue mais que isso! Eu sinto que a gente já conseguiu dar uma coçadinha no movimento. Quando rolou a indicação ao Grammy Latino, eu vi no olhar dos meus irmãos que são MCs dizendo: “pô, também quero isso pra mim”. Então, diretamente ou indiretamente a gente tá mudando o game, e eu quero trazer isso para o palco também. Assistindo grandes shows dos irmãos aí, agora é outra parada de quando eu comecei. Só que, eu quero elevar o nível mais ainda na real.
Dos seus shows que eu vi, todos foram acima da média. Entrega total.
… todo mundo diz que eu sou melhor ao vivo do que em estúdio. Eu não sei, é o que o povo fala. Eu gosto dos dois.
Na real, você consegue transmitir o que está no disco para o ao vivo de uma maneira fiel. E até nas questões dos conceitos usados nos visuais. Na minha visão, é o que o público quer ver no palco. E isso não acontece muitas vezes com a grande maioria dos artistas…
Aqui a gente acaba vendo essas estruturas mais em shows de sertanejo, no pop… No rap ainda não aconteceu para todo mundo. Mas quero ajudar a mudar isso na questão performática. Acho que tá precisando.
É necessário mostrar que tem um outro caminho que pode chegar a mais pessoas, principalmente em festivais. Muita gente que não conhece determinado artista pode conhecê-lo a partir de uma performance. É uma forma de construir relações com um público-alvo que precisa ser conquistado de alguma maneira.
Sim! Cara, eu sou mulher. Várias pessoas vão pular minha música pelo simples fato de eu ser mulher. Várias pessoas não vão se interessar em ouvir o que eu tenho pra falar… então, eu quero redobrar as atenções dos olhos em mim, sabe!? Quero que as pessoas vejam o que eu estou fazendo, porque infelizmente a nossa sociedade foi criada e estabelecida dessa forma. É muita construção. É muita desconstrução para conseguir abrir a mente do próprio público, para que a gente consiga espaço e seja ouvida. Hoje o mercado já entendeu que precisa ter mais mulheres ocupando esses lugares, mas ainda falta educação do público… porque um público que foi acostumado a vida inteiro a ouvir só homem, homem, homem, não tem nem ouvido pra escutar a gente. Então, minha parada é surpreender. Trazer novos polos. Trazer novos olhares, para que as próximas gerações sejam diferentes, assim como já é. Da época que eu comecei nas batalhas de MC’s para hoje, tudo mudou… E a meta é essa, a gente trabalha pela mudança, pela transformação e pela melhoria.
É um trabalho constante de educação cultural também. É necessário termos cada vez mais mulheres no rap, e ter mais pessoas LGBTI+, para mostrar que o Hip Hop foi criado para ser uma cultura agregadora…
… E de união
Como ao longo do tempo isso foi se perdendo, é necessário voltarmos às bases porque o Hip Hop integra todo mundo.
O Hip Hop foi criado por uma mulher preta (Cindy Campbell) e seu irmão (DJ Kool Herc). Então, foram dois irmãos pretos do gueto que criaram o Hip Hop. Por isso, é importante a gente reforçar de onde veio, para sabermos onde queremos chegar, e não esquecer.