Depois de garantir vaga nas semi-finais do INSTAX FUJIFILM Undisputed Masters, realizado em São Paulo no dia 19 outubro, Júlia Maia, a B-Girl Maia, tirou um tempo para respirar e se preparar para a disputa com Nathana. Nesse intervalo, ela falou sobre como se prepara para as competições, o espaço que o break tem conquistado e onde ainda pode chegar. Ela estava confiante para conquistar a edição e garantir participação em Tóquio, no Japão, mas foi superada pela adversária. Meses antes, Maia tinha conquistado o nacional da Red Bull BC One, ganhando a possibilidade de disputar uma vaga entre o Top 16 do mundial, que acontece nos dias 07 e 08 de dezembro no Rio de Janeiro. Porém, apesar de todo esforço, a b-girl ficou de fora. Mesmo assim ela continua sendo uma das principais representantes da dança no Brasil, influenciando e fortalecendo o seu crescimento.
Você está dançando desde cedo. Só de ver, eu já cansei. Como que você se prepara para uma competição como esta?
Eu também tô cansada… cara, na verdade, a forma de preparação é um pouco individual, porque cada um tem uma experiência diferente com o break. A maioria das pessoas precisam trabalhar e tirar um tempo para treinar, então tem gente que treina duas vezes na semana, depois do expediente, tem pessoas que já conseguem treinar todos os dias. Geralmente a gente busca espaços na cidade, como centros culturais, escolas e até mesmo igrejas que cedem o espaço pra gente treinar, né? O break é uma dança que, por exemplo, não está nas academias de dança porque ainda é uma dança muito marginalizada no Brasil. Então, eu acho que cada um vai tentando achar a sua maneira de conseguir encontrar espaços e se encontrar, porque quando a gente acha esses lugares, geralmente as pessoas se encontram pra poder treinar junto, né? Então, é meio assim, meio no freestyle, entendeu? Mas, geralmente é isso: a gente chega, coloca o som, tem pessoas que fazem exercícios por fora para poder fortalecer o corpo. Eu, por exemplo, sou uma dessas porque já tenho meus 30 anos, então a minha época que eu só treinava já foi. Agora eu faço um acompanhamento físico para eu conseguir chegar mais longe, porque é um tipo de dança que tem muito impacto, uma dança que requer muito do nosso corpo.
É necessário ter um repertório, porque são várias disputas e em cada momento tem que fazer algo diferente. Você já vem com algo preparado ou vai no freestyle?
Uma coisa interessante é que na batalha de break a gente não sabe a música. É o DJ que solta a música, e a gente geralmente muda um pouco de pessoa pra pessoa, mas geralmente criamos pequenas sequências de movimentos. Conforme a música toca, a gente coloca aquilo que criamos em casa dentro da nossa dança, dentro da história que a gente resolveu contar ali na hora da batalha. Nesse lado criativo, eu acho que muda também de pessoa pra pessoa. Eu particularmente sou uma pessoa que geralmente não treino em músicas de batalha. Eu gosto de treinar às vezes com samba, entendeu? Às vezes eu coloco umas músicas que eu gosto de ouvir na vida. Geralmente músicas mais tranquilas. E aí, quando eu tento trazer esse processo criativo para o meu treino, eu trago essas músicas mais diferentes porque elas movimentam o meu corpo de forma diferente e eu consigo criar ali sequências que podem ser colocadas na hora da batalha.
Te prepara para esse inesperado também, porque você não sabe o que vai rolar. Então você tem que criar na hora. Mas você já tem o repertório de dança ali, de movimentos já na cabeça?
Tem alguns pequenos movimentos, mas muitos também saem na hora e outros a gente pode usar de uma maneira estratégica na questão de que se eu estou batalhando contra você é uma conversa… então, se você fez um tipo de movimento que pode conversar com o movimento que eu já tenho, de repente eu ia fazer uma coisa, agora eu decido fazer uma outra para poder responder o que você perguntou pra mim, por exemplo. Então, é um pouco assim no freestyle porque a gente não sabe a música e não sabe o que a outra pessoa vai fazer.
“QUANTO MAIS LUGARES A GENTE TIVER, MAIS RAPIDAMENTE VAMOS QUEBRAR ESSE PENSAMENTO PRECONCEITUOSO DAS PESSOAS”.
Como você tem observado essa transição da dança para o esporte com o break indo para as Olimpíadas em 2024?
No primeiro momento, quando chegou essa notícia pra cena, muita gente viu com os maus olhos, na verdade. A gente ficou com medo de acabar com a cultura. Mas hoje em dia eu consigo enxergar que existem dois caminhos. Então, se você quer dançar dentro de um circuito cultural, você pode. Se você quer dançar enquanto atleta esportivo, você pode também. É uma outra possibilidade. E eu acho que acrescenta muito, porque dá uma visibilidade pra gente, porque o break, enquanto uma dança marginalizada, acaba aparecendo nas televisões, nas casas das famílias e isso faz com que a gente ganhe respeito dentro da nossa casa, dentro da nossa quebrada, da nossa rua, dos vizinhos. Por isso, eu acho que essa visibilidade acaba sendo mais importante. Se você quer ser um atleta, ou se você quer ser um dançarino, ou se você quer dançar só porque você gosta de dançar, você pode. São caminhos, né? É mais uma oportunidade, mais um caminho que se abre pra gente.
Como quebrar esse estigma que o hip-hop tem, que o break tem, e leva-los para outros lugares, para escolas, para lugares que ainda não conseguiram entrar?
Essa pergunta aí foi crucial, hein? (risadas) Acho que o primeiro passo que rolou agora já é muito interessante, que é essa visibilidade pra dança. E acho que cada vez mais temos que divulgar e mostrar o quanto que essa dança é rica, o quanto que essa dança é poderosa, o quanto que ela transforma vidas. Por isso, está muito dentro de projetos sociais e você vê de fato mudanças acontecendo. O break é uma dança muito poderosa que diz muito sobre você se conhecer, você criar sua forma de dançar, sua maneira de fazer, o que faz parte da sua personalidade. Então, eu acho que quanto mais a gente puder mostrar o quanto é bonita essa dança para as pessoas, mais a gente consegue quebrar um pouco esses paradigmas. Por exemplo, a gente está num evento que é patrocinado aí pela Instax, isso é muito positivo, né? A maioria dos eventos são pequenos, acontecem em lugares pequenos, que é muito bom. Mas um momento ou outro é bom a gente estar num lugar desse. Um lugar grande, um lugar caro, entendeu? Um lugar onde às vezes só vem uns playboys… pessoas que têm um outro tipo de vivência, vamos dizer assim, e a gente também pode estar ocupando esse espaço, a gente também pode estar em teatro, sabe? Porque eu acho que tudo são caminhos, e quanto mais lugares a gente tiver, mais rapidamente vamos quebrar esse pensamento preconceituoso das pessoas.
É importante também levar para esses lugares. Trazer aqui para a Áudio, por exemplo, que tem shows gigantescos de vários artistas. Só que hoje, o palco é a pista que foi tomada pelos breakers, que são os artistas. Isso é muito importante. Assim como o apoio da Instax no Undisputed, e a Red Bull no BC One. E Como que você trabalha sua mente quando vai competir? É necessário trabalhar a mente também?
Eu acho que a mente é o mais importante pra falar bem a verdade, porque a gente trabalha o corpo. É um tipo de processo, mas acaba que pessoas muito boas fisicamente, vamos dizer assim, perdem competições por falta de preparo mental. Isso é muito louco, porque a cabeça conduz muito um tipo de competição como essa. Pra mim é como se eu fosse entrar num show mesmo. Como você falou, aqui o show somos nós, dançarinos. E a minha cabeça se prepara como se eu fosse fazer uma apresentação no palco agora. E cada pessoa ali que vai estar em volta é importante. Eu sou um tipo de pessoa que não olho só para o adversário, mas eu gosto de olhar quem tá ali assistindo, trocar com as pessoas que estão em volta, e fortalecer para trocar. Mentalmente, eu penso muito nisso. De concentrar minha energia para chegar lá e conseguir compartilhar da melhor maneira possível, para que quando eu esteja dançando as pessoas de fato sintam alguma coisa. E não só se impressionem com o que eu estou fazendo, mas de fato sintam algo ali.
É uma troca de compartilhar o que você está passando para ela?
Com certeza, porque o break é minha vida. Então, eu amo essa parada e eu estou aqui para mostrar o amor que eu tenho por isso, mostrando com o meu corpo o que eu posso fazer. É muito sentimento, muito treino físico para dar conta do que a gente quer passar.