Cercado por belezas naturais, o Norte do Brasil também possui suas lendas, violências, descasos e explorações. Esse combo intrincado, apesar de ser o mais conhecido por quem é de fora, não resume a realidade dos que vivem nos 7 estados que representam 45% do território brasileiro. Transformar a imagem da região, desmistificar fábulas e mostrar a potência das mulheres negras nortistas são alguns dos propósitos de Anna Suav & Bruna BG com “Ritual das Candeias”.
“A questão do território é algo que grita muito pra gente enquanto artistas da Amazônia, e, por isso, esse disco é uma forma de oferecer uma visão nossa da vivência desse lugar e pontuar questões de racialidade, gênero, entre outras coisas”, diz Anna, que é de Manaus, mas desde 2017 fortalece o rap do Pará. “Para além da demarcação da existência de uma negritude do Norte do país, é de uma imensa emoção ser ponte para contar a história simbólica e cultural da expressão dessa negritude na nossa região”.
O ritual que intitula o álbum é um evento que acontece no dia 13 de maio (Abolição), no Pará, para marcar o Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo. Durante a “cerimônia”, velas são acesas pelos afrodescendentes em memória dos ancestrais que foram escravizados em Belém e enterrados no cemitério onde hoje está a Praça da República.
Entre raps contundentes, como “Levante” e “Mercancías“, uma denúncia da exploração sexual de mulheres nortistas, e R&B’s mais suaves, incluindo “Lábios Pretos”, que recebe a participação de Karen Francis (cantora com todas as possibilidades de ser um dos principais nomes do R&B brasileiro em 2023), as MCs abordam diferentes temáticas relacionadas às suas vivências e experiências.
Mesmo tratando de questões delicadas, Anna & BG prezam pela leveza – e isso não quer dizer que sejam menos enérgicas. As produções assinadas por DJ Duh, Davi Milton e DonLoco combinam de forma equilibrada de batidas carregadas com o afrobeat, guitarrada, rock e batucadas regionais. Elas vão do slam poético às “porradas”, tentando revelar a verdade sobre folclores locais, principalmente o do boto-rosa, que na teoria pode parecer inocente, mas está relacionado ao abuso sexual de meninas, passando pelo romance e a auto-confiança, reafirmando o quão potentes são dentro de um gênero que ainda pouco valoriza vozes femininas.
“A narrativa que a gente busca contar nesse material é a das mulheres negras amazônidas e latinas dentro desse território do estado do Pará, mas também com as suas intersecções – afinal, eu venho de Manaus (AM), e a Bruna é do Marajó (PA)”, observa Anna.
A união de duas personalidades diferentes com objetivo comum gerou um disco rico com assuntos que precisam de atenção. “Ela (Anna Suav) faz uma parada e eu faço outra, e quando a gente mistura isso se torna pesado e emocionante”, observa Bruna. “É a minha agressividade tanto na forma de falar quanto de cantar, aliada à suavidade dela, com uma melodia gostosa de escutar. Daí surge um tempero que dá sabor a esse projeto em parceria”.