Introvertido, Marlon não tinha certeza que seguiria o caminho da música. “Achava que talvez não era pra mim”, afirma. ”Por isso, demorei muito tempo pra me entender como artista, tá ligado?” Apesar de ser filho de Nino Rap, vocalista da banda Nocaute, tinha algo que não o deixava dar o primeiro passo. “Eu tinha muita vergonha”. Na verdade, ele precisava apenas de um incentivo para mostrar o que estava guardando.
Isso aconteceu depois de uma troca de ideias com outros amigos que também estavam iniciando na cena musical. No bonde também estava Antônio Constantino (Antconstantino). “Ele falou: mano, tu tem raiz musical. Teu pai é um músico influente, muito foda, mas por que você não quer?”, lembra. “Aí, eu consegui quebrar essa barreira. Já que eu tô nisso aí, eu vou botar a cara, eu vou passar pra frente”.
Foi em 2021 que MASKOTTE assumiu seu vulgo artístico oficialmente com o single “Rebobina”, produzido por Antônio e Bine Shaq. Se não fosse abraçado pelo rap e o grimme, o rock seria uma opção porque foi o que mais ouviu na adolescência. Inclusive, na boate Planet Music, em Cascadura, no Rio de Janeiro, chegou a fazer algumas participações na banda da sua amiga Scarlett Wolf. “Eu subia, dava uns berros e falava: caralho, essa porra é maneira, quero isso”, observa. “Ali foi minha primeira aventura no palco”. Depois de uma esfriada, a paixão foi reavivada com o grime no início do fenômeno Brasil Grime Show (BGS).
“Eu já tava ali rodeado pela parada… e o grime é um estilo musical que eu sinto que, além da mensagem, é muito divertido”, diz. “O clima do bagulho, a áurea, é divertido. Então eu gosto dessa parada, porque também sou uma pessoa muito brincalhona”.
“EM TODO ESTILO MUSICAL VAI TER A RAPAZIADA QUE VAI PULAR PELO HYPE E DEPOIS FÉ, TÁ LIGADO? ISSO É NORMAL. SEMPRE VAI ACONTECER, MAS A GENTE TÁ AÍ CUIDANDO PRA CULTURA DO BAGULHO TER UMA REPRESENTATIVIDADE FODA E SER REPEITADA TAMBÉM.”
Seja fazendo grime, rap ou até no volt mix, fica perceptível a influência do rock na forma que MASKOTTE interpreta. Entusiasmado, o rapper de Belford Roxo fala por videochamada que só passou a perceber isso depois que mostrou sua música para pessoas de fora do seu nicho. “Um moleque do meu antigo trabalho, que era uma farmácia, ficou sentado ouvindo. Depois olhou pra minha cara e falou: caralho, parece rock. Eu respondi: porra, bolado. Então, inconscientemente, eu trago essas referências roqueiras pro meu bagulho, tá ligado? E até mais pra frente eu pretendo fazer algo mais voltado pro rock”.
Antes disso, o foco é o primeiro EP dele: “Nota 10”. O título faz referência ao seu falecido pai, que além de músico também era do xarpi (pixação).
“O vulgo dele era Nota 10, tá ligado?”, ressalta. “Eu queria trazer essa referência que eu tive pro meu nicho musical, e nada melhor, pra um primeiro trabalho de estreia. E penso que, tipo, Nota 10 é como se fosse a minha nota da prova de tudo que eu aprendi com o meu professor, que foi ele, tá ligado? E eu sei que lá de cima ele me daria nota 10. Então, por isso que eu escolhi esse nome pra intitular o EP”.

As 4 músicas que compõem o projeto possuem estéticas distintas. Mesmo assim, seguem um fluxo parecido. Tem o lado divertido, mas não deixa de ter visão crítica. Nas letras, MASKOTTE reflete sua realidade na Baixada Fluminense. “É uma responsa, porque aqui é conhecida como a Cidade do Amor, mas se você pesquisar sobre Belford Roxo, você vai ver que tá faltando amor aqui. Tá faltando um olhar pra rapaziada que vive na periferia”. Ele dá o papo na música que carrega o nome da cidade, que é inspirada no hino local, o “Velho Brejo”.
É verdade que compartilhar vivências reais não é algo tão em alta atualmente. Porém, existem aqueles que resistem. Fogem da utopia para ao menos tentar chamar a atenção para problemas corriqueiros de quem vive nas favelas, comunidades e subúrbios.
No caso do MC, a maioria das composições foram criadas durante seu trabalho como motoboy. “Boto um beat ali aleatório pra ouvir e fico macetando”, revela. “Depois eu pego, revejo as melodias e algumas frases escritas. Tem essa parada também de guardar na mente e depois dissecar aquilo”. “Motoboy” foi criada nessas idas e vindas em cima de duas rodas. Ele diz que um ofício não atrapalha o outro porque tem uma certa autonomia. “Por mais que seja correria, pedrada, dá pra conciliar se trabalhar direitinho, organizar direitinho. Também aproveito os momentos de inspiração pra tentar canetar. Ouvir música é outra coisa que faz a máquina trabalhar, tá ligado?” Foi ouvindo “Dificuldade”, da banda Nocaute, que ele escreveu “Bompo”, uma gíria muito usada na Baixada para afirmar algo (tá bom, pô).

“Eu quis trazer pra uma gíria mais atual pras pessoas mais novas se conectarem. Na música do meu pai diz: ‘dificuldade todo mundo passa, mas não justifica entrar em parada errada. Dificuldade, todo mundo tem, mas não é motivo pra se desviar do bem’. Aí eu trago: ‘sei que tá ruim, mas tá bom. Calejado acostumei com tombo, sem apelar pros oitão. Tá bompo’.
Assim como o já citado projeto de rock, MASKOTTE já possui outros planos arquitetados para desenrolar no futuro. “Pretendo lançar alguns singles, mas eu tenho em mente fazer uma mixtape”. Aberto a diferentes estilos, sendo muito fã de Slipknot, a intenção é fazer algo ligado ao drum & bass, reggae e garage. Esses são alguns dos sons que tem ouvido. A multiplicidade o ajuda a não se limitar. Voltando ao grime, ele reflete sobre os direcionamentos que o gênero que ajudou a disseminar no Brasil pegou.
“Eu acho que muitas pessoas podem voltar a fazer, como muitos artistas grandes á fizeram. O drill pegou muito no gosto da rapaziada do mainstream, que eu acho que é algo mais comercial que o grime”, analisa. “Até lá fora ele é muito underground também, ligado? E eu acho que, mano, quem for pra botar pra ferver mesmo tem que ser a rapaziada de dentro que vai fazer as pessoas de fora querer voltar a fazer e tudo mais. Em todo estilo musical vai ter a rapaziada que vai pular pelo hype e depois fé, tá ligado? Isso é normal. Sempre vai acontecer, mas a gente tá aí cuidando pra cultura do bagulho ter uma representatividade foda e ser respeitado também. O MASKOTTE é isso, mano”.