Quase todas as mesas estavam ocupadas. Um dos únicos lugares vagos era ao lado da bateria. Assim, a visão do palco seria lateral, pegando quase todos os músicos de costas. A única coisa que poderia incomodar ali seria um possível ruído do instrumento. Por estar literalmente pareado com o baterista, a sensibilidade do meu (afetado) ouvido esquerdo seria ativada, o que tiraria a possibilidade de apreciar todas as nuances . Porém, fui surpreendido com um “som” limpo, suave e agradável.
No comando da cozinha da JR6, liderada pelo trombonista Joabe Reis, estava Daniel Pinheiro. Acompanhei a performance dele em 2022 quando vi um outro show do Joabe no Blue Note SP. Mas dessa vez, pude ver sua desenvoltura nos mínimos detalhes. Ele é quem tempera o suingue guiado pelo trombone de Joabe, acompanhado pelo trompete de Sidmar Vieira, o saxofone do Josué Lopes, as linhas de baixo do Douglas Couto e o piano de Agenor Lorenzzi.
Esses seis, indiscutivelmente, são alguns dos melhores instrumentistas do jazz contemporâneo do Brasil – ou como alguns preferem: da música instrumental brasileira. Não por acaso, a forma de Joabe tocar chamou a atenção de um dos seus ídolos, o também trombonista Robin Eubanks. A conexão deles se iniciou na pandemia, quando vários artistas começaram a fazer lives e gravar parcerias à distância.
Aproveitando sua vinda para o 14º Bourbon Paraty Festival, Eubanks fez uma série de apresentações ao lado de Reis. Uma delas foi no Alma Campinas, uma casa intimista com um ambiente ideal para o desenvolvimento jazzístico. Por mais de uma hora, o sexteto tocou temas dos álbuns “Crew In Church” e “028”. De épocas e estilos distintos, Robin Eubanks e Joabe Reis fundiram suas características. Cada nota das 9 músicas executadas foram colocadas. Porém, o jazz é uma arte coletiva, mas também individual.
No improviso, cada um mostrou sua forma de impor o trombone. O estadunidense segue uma linha fusion, mais robusta, com alguns momentos de moderação e outros mais explosivos, vibrantes. Versátil, o brasileiro flerta com a modernidade. É denso nos instrumentais são mais carregadas, conversando com o rap, o soul e o funk, mas coloca uma “pitada de pimenta” quando necessário, mostrando a ginga que só tem por aqui, como faz na interpretação do clássico “Asa”, do Djavan.
Com uma formação que já vem tocando junto há um tempo, o JR6 ainda tem como destaque Josué Lopes, que com o saxofone e a EWI Solo, uma espécie de flauta eletrônica, também duplou com Eubanks, tendo uma das “conversas” mais eufóricas da sessão. Mais “moderado”, Sidmar chega pontualmente, é marcante, cirúrgico. Já a desenvoltura percussiva de Daniel não chamou atenção somente da plateia. Robin Eubanks também se impressionou com o músico.
Pela experiência tocando com os legendários bateristas Art Blakey – e os Jazz Messengers, além de Sun Ra, Stevie Wonder, Talkings Heads, BBKing e Rolling Stone – e Elvin Jones , ele tem conhecimento de causa e isso foi possível observar pelos olhares, sorrisos e sinais de positivos para que ele mantivesse a rítmica.
O encontro deles reafirma as inúmeras possibilidades que o jazz tem para fazer conexões e se reinventar. Inovadores e sempre dispostos a experimentar, Joabe e Eubanks prontamente se encontraram um no outro. Que essa união não fique somente nos palcos. Merece ser registrada.