“Já toquei em festa de adolescente, em festa corporativa, já toquei em desfile, em coquetel, em festival, em show… já fui DJ no Lollapalooza jogando click pra uma banda inteira manter o tempo da música. É foda, vivência pra caralho”. Sem romantizar os perrengues, EVEHIVE dá apenas uma visão geral dos trabalhos que fez para chegar onde chegou.
De São Gonçalo, Rio de Janeiro, o DJ e produtor vive atualmente em São Paulo, de onde toca os seus trabalhos. Fã de Beyoncé, o nome artístico faz uma referência a BeyHive, um termo usado para definir os “fanáticos” pela cantora. “Eu sou fã da Bey, fã das Destinys, sou fã de R&B, tá ligado!?”, afirma. “Inclusive, uma das minhas fases favoritas da Beyoncé é quando ela lançava mais baladas, mais R&B… depois ela foi indo mais para o rap e veio agora com a música eletrônica”.
Essa (atual) fase house da QueenB se conecta ainda mais com o que EVEHIVE vem desenvolvendo ao longo dos últimos 10 anos. A paixão dele pelo que faz, seja discotecando ou produzindo, fica evidente na sua forma apaixonada, enfática e alegre de falar de suas conquistas. Antes do ofício de comandar as pistas, o artista já fazia suas pesquisas musicas. “Sempre tive essa curiosidade, sabe!?”, diz. A busca por novidades começou na adolescência, numa época em que a pesquisa era feita de forma analógica.
“Me recordo que pedi um discman de presente… pedia uma mesada mensal pra eu poder alugar filme na locadora, pra poder ficar em casa vendo com os amigos. Era aquela VHS, que você tinha que rebobinar pra entregar”, recorda. “Eu também gravava toda a sequência das 7 melhores da rádio Mix FM, que tinha ao meio-dia e 6 da tarde. Aí, eu gravava as sequências numa fita e se não gostasse tanto da sequência, gravava outra por cima. Hoje parando pra pensar, isso já era meio que uma mixtape”.
Por estar sempre atento às novidades, EVEHIVE foi convidado por um DJ de Niterói, que tinha um par de CDJ 350, para começar a se aventurar atrás com seu set próprio. “Ele falou: você tem uma curadoria foda, você tem que tocar”. Além do incentivo, o amigo também emprestou o equipamento. De lá pra cá, ele nunca mais parou. Da discotecagem, tocando jersey club, ballroom, baltimore e vogue, partiu para a produção musical. No início, fazia remix e mashups para turbinar os sets, mas a sua habilidade o levou para outros ambientes.
OFF
“O underground das pessoas LGBTQI+ são mais underground ainda. Ali que está o alicerce da parada, se você parar pra ver. E hoje que a gente tá tendo mais destaque, e destaque com afirmação e com identidade, é mais motivador você pegar o projeto, colocar pra frente e botar na rua”.
O convite para produzir terceiros foi bem recebido, porém, tornou-se um desafio. No início, foi necessário criar um filtro para separar o autoral do que faria para terceiros. “Foi difícil pra mim conseguir diferenciar o underground e as vertentes do mainstream. Você tem que dar uma filtrada no que vai fazer em cada persona”. A partir das produções que fez para Tássia Reis (incluindo o remix do hit “Dollar Euro”), Linn da Quebrada e Sodomita, o multiartista ganhou visibilidade fora do cenário que circulava.
Em 2020, trancado em casa por causa da pandemia da Covid-19, aproveitou o tempo para criar o EP “Pango”. “Lançar naquele momento me fez sentir vivo, me ocupar”. Passados três anos, vários remixes e alguns originais desenvolvidos para diferentes artistas, EVEHIVE coloca no mundo “PISA PISA”, o segundo EP dele, que diferente do anterior traz uma pegada mais clubber com elementos punk (como o título e o visual sugerem).
“O Pango é mais afro-diaspórico, é mais um resgate dos sons das percussões que eu sempre curti explorar”, ressalta. “E aí , tem uma grande diferença entre um e outro. Nesse meio tempo que fui soltando singles, eu entendi o meu lado underground da pista, que cabe em festivais. Porque, antes eu sentia que era algo pista, mas não uma pista de festival. Achava cativante, mas para uma pista de dança. O PISA PISA traz essa coisa mais da noite, é mais pesado e denso”.
Dessa vez também, o repertório não é completamente instrumental. “FAZER FUMAÇA”, o carro-chefe do EP recebe as participações de Zaila e Pamka nos vocais. O objetivo inicial era soltar o projeto com 5 músicas, porém duas foram cortadas. “Tirei uma e substituí por ‘Vou Socar’, que é a que mais está fazendo sucesso. Isso é bem engraçado porque ela foi a última música que eu produzi… eu não estava mais contente com o setlist de antes e aí resolvi começar uma coisa nova. Quando entendi que ela teria que entrar, eu tirei a outra, pensei até em deixar com 4, mas aí não ia caber no orçamento total que eu tinha pra mixar, masterizar e fazer tudo. Aí, decidi ir com 3, mas 3 músicas muito fodas”, afirma ele com um sorriso de satisfação.
Na visão dele, por mais que seja curto, um EP precisa contar uma história, ser conciso. “Eu gosto da transição de uma acabar e outra começar, mesmo não sendo uma transição que tenha a mesma melodia, mas tem timbres que se conectam”, Ressalta. “Foi foda pra mim enxergar como um todo e separar as músicas. Foi um processo de entender também e deixar meu ego sair e dizer: é isso que eu quero”.
Esse perfeccionismo, em alguns momentos, gera inseguranças. E isso, EVEHIVE pontua em diferentes momentos da conversa. Quando perguntado o real motivo, ele diz que sempre existe a necessidade (e até uma cobrança) de ter sempre que se superar.
“A nossa autoestima é minada pra várias coisas da nossa vida. Então, na hora de fazer música, isso também me trava. Mas eu tento sempre lembrar de sair desse lugar, porque é finalmente um lugar que eu posso expressar o que eu quiser”, reflete. “Mas, depois de alguns trabalhos que eu já fiz, até mesmo com a própria Tássia, de conseguir levar pra um outro lugar, mas sem tirar o lado gangsta dela. Aí, as pessoas meio que tem uma expectativa. Antes era sem pretensão, tipo: vou lançar aqui no SoundCloud e qualquer coisa eu apago. Agora não, a responsabilidade ficou maior”.
Na cara e na coragem, e geralmente com baixíssimo orçamento, EVEHIVE consegue fazer grandiosidades. Independente, o DJ/produtor se alia com quem possui os mesmos princípios que os seus para acessar espaços nem sempre acessíveis. “Tássia (Reis) por exemplo… ela é uma artista que eu admiro pra caralho e se mantém independente. Ela define tudo e gosta de ser autônoma na parada dela, porque a gente sabe como funciona a gravadora, como funciona o mainstream. Traz muita coisa boa, mas também traz muita responsabilidade, muita demanda, muito número. Então, isso às vezes atrapalha a gente no real caminho que queremos. É foda porque observamos que só quem é mais aceito, normalmente, é quem não veio da vivência e consegue higienizar isso no mainstream”.
Mesmo com as pedras no caminho, o DJ pisa firme para se afirmar. Ao entender que precisava ter um diferencial para se destacar (na pista e nas gravações), criou uma identidade própria e inconfundível. “Antes, eu tocava só em festas e sempre almejei tocar em festival e pra tocar em festival você tem que ter um trampo mais autoral ou uma curadoria muito insana e eu tento equilibrar os dois”, observa. “Eu costumo falar também que ‘nós é pescador’, e o peixe grande fica lá no fundo. Por isso, a gente mergulha, fica cavando, cavando, cavando pra achar algumas preciosidades”.
É assim que explora tons e timbres distintos para fazer geral dançar através da sua arte. “O DJ tem que cativar a pista… fazer a diferença. A magia tá na mixagem, é a transição, como você tá causando aquele frenesi no público. Ou se tem coisas novas e todo mundo fica impressionado. Aquela coisa gostosa do DJ apresentar coisas. Eu gosto mais desse lugar”.