Antes mesmo de trazer “Acídia” ao mundo, via Som Livre, Dudu já era considerado um dos prodígios do rap. Foi nas batalhas de Rima em Vitória, no Espírito Santo, que ele chamou atenção. Aos 15 anos, o MC já era uma das grandes apostas. Por desenrolar as ideias facilmente, foi convidado para o “Poesia Acústia #6 – Era Uma Vez”, de 2018, ao lado de Filipe Ret, MC Cabelinho, MODE$TIA, Bob, Azzy e Xamã.
Comecei a ouvir os sons do Dudu por um amigo, que já indicava que o artista faria muito barulho. Durante a pandemia de COVID-19, período em que o primeiro álbum dele estreou, tive a oportunidade de conhecer um pouco mais das ideias dele nas salas de discussões sobre rap no ClubHouse (aplicativo de áudio, hoje não muito utilizado pelos artistas do gênero). Agora, via Zoom, pude confirmar a visão que tinha sobre o rapper apenas por ouví-lo, seja nas músicas ou nas trocas de ideias.
Nos pouco mais de 30 minutos que conversamos, Dudu mostrou que está sempre olhando além das possibilidades. Mais um dos exemplos, é o dril “Nascido Pra Ser Rei”, que tem a participação do Leall. “Esse trabalho pra mim foi uma reafirmação importante. Era algo que eu estava precisando fazer, e além disso o Leall é um mano que eu sou fã pra caralho”, afirma. “E esse foi um trampo que eu tive a oportunidade de fazer, e eu não vi porque não ir pra cima. Como você falou, tô com bastante bala pra gastar, tá ligado!? Acho que é necessário, porque era um som que achei que era hora de trocar uma ideia mais séria”.
Já nos seus primeiros sons, antes da maioridade, você vem com uma pegada bem diferente do que a geral estava fazendo. Desde antes do “Acídia”, uma galera já tinha falado pra eu prestar atenção no seu trabalho, porque tinha muita bala pra gastar. Agora com “Nascido Pra Ser Rei”, a sua sonoridade vai por um caminho diferente do que você vinha fazendo, e trazendo o Leall junto. Esse som é autobiográfico?
É do rap, né mano! Em todos os meus sons, independente do estilo que eu fiz, que eu desenvolvi… eu gosto muito de produção musical, então eu me ligo em tudo que está sempre acontecendo, por isso, os estilos me influenciam muito. Porém, eu nunca deixo de tentar passar o que quero do meu jeito, porque é a nossa comunicação. A gente já é Hip Hop pra caralho e você sabe como é que é: nossa história pode ser parecida, mas cada um tem a sua, e é importante reafirmar quem a gente é. Não sei mano, às vezes nesse processo de só fazer música, a gente esquece que além de uma origem também temos objetivos, e não lembrar isso para as pessoas que acompanham a gente pode fazer elas esquecerem, porque nem todo mundo sabe quem nós somos. A gente tem que estar sempre se reafirmando, tá ligado. Esse trabalho pra mim foi uma reafirmação importante. Era algo que eu estava precisando fazer, e além disso o Leall é um mano que eu sou fã pra caralho. E esse foi um trampo que eu tive a oportunidade de fazer, e eu não vi porque não ir pra cima. Como você falou, tô com bastante bala pra gastar, tá ligado!? Acho que é necessário, porque era um som que achei que era hora de trocar uma ideia mais séria.
Ainda existe uma dificuldade, inclusive da minha parte, de entender as diferenças entre dril, grime e trap. E nesse som, você chega no dril. Por que a escolha desse estilo pra fazer a música?
Então, qual é a fita!? Eu sempre gostei muito de produção musical, e sempre fico atento com os estilos que estão saindo. Escuto muito de tudo um pouco, e o dril é um estilo que eu escuto muito, e aqui no Brasil acho que o Leall, (Major) RD, o SD9 (ele faz grime, mas tem muita gente do grime e do dril que acompanho, e sou fã pra caralho)… e é um estilo que eu nunca tinha gravado. Eu escuto muito e acompanho bastante, mas não tinha lançado nada. Quando eu pensei fazer um som com o Leall também… porra, não tem como falar dele sem falar de dril nem vice-versa, tá ligado!? É um estilo que me identifico muito, não só pela estética, mas também pela questão dele ser essa reafirmação, de fazer parte da realidade… é mais rua, mais real.
O trap no geral vai para uma linha de curtição, de festa. Foge um pouco desse “papo de visão” que faz parte do DNA do rap (não que destoe, porque curtição faz parte da vida cotidiana). Mas o dril tem abordado assuntos que não estavam no radar da maioria. Mas você traz muita coisa das vivências da rua, que se conectam com a realidade de várias outras pessoas que são da periferia. Como que você e o Leall desenrolaram essas ideias?
A gente não estava junto no estúdio quando fizemos ela, porém, foi muito fácil se conectar nesse sentido, porque além de ser um cara que eu sou muito fã e acompanho é aquilo: quem é rua reconhece rua. Pelo menos da minha parte, eu sinto nele um bagulho muito verdadeiro, as letras dele, o som dele me passa um sentimento… a gente se compreende. Quem é de periferia sabe o que se passa, às vezes, mesmo que não tenha sido dito explicitamente. Então, foi uma comunicação natural. Da minha parte, escrevi mais de uma letra pra esse som (eu não costumo escrever tanto)… estava mais acostumado a gravar as paradas no modo freestyle, e aí nesse som eu parei pra escrever, porque a comunicação direta muitas vezes não falha. Ser mais nítido possível, mais breve possível é o que torna as paradas mais fodas.
Antes você fazia as gravações no improviso?
Mano, eu fico rimando o tempo todo quando eu estou no estúdio… sempre estou fazendo alguma coisa. Então, virou mania. Antes só gravava freestyle, mas depois de um tempo você desacostuma. E é sempre necessário explorar outras formas de trabalhar sua arte. Sempre que eu estou no estúdio surge alguma coisa na cabeça… aí, eu preciso ir desenvolvendo ali, do que ficar me prendendo muito em algum tema.
Você é cria das batalhas. Depois que começou a se dedicar às gravações e shows, você continua indo nas rodas de rimas, acompanhando ou essa fase já ficou de lado?
Acho que foi meio que isso. Eu fui pra outro rolê, querendo ou não, porque as batalhas (pelo menos quando eu participava) já estavam numa ascensão enorme, mas não do tamanho que está hoje. A cada ano, as batalhas estão crescendo e o mercado se renovando… agora as batalhas também fazem parte de um mercado, e isso é foda. De lá, surgiram muitos MCs da minha geração. Acho que essa nova safra do rap surgiu das batalhas. Quem não era, estava próximo, sabe!? Eu meio que saí do rolê… até inclusive fui recentemente batalhar, mas não é mais uma parada que eu vejo como algo que tenho que me dedicar. É muito raro mesmo eu participar, mas é tipo um esporte, quando a gente pratica durante muitos anos não tem como não deixar de bater uma pelada ali, tá ligado!? Mas a batalha não é o meu foco agora. Faz parte da minha identidade, mas não é no que eu estou focado.
OFF
“Tenho escutado muito Djonga, Brandão (de Fortaleza), Febem, Tasha & Tracie, Poze (pra caralho)… o Poze é um cara muito à frente. Ele lançou um som agora numa estética de afrobeats que porra, estava faltando muito. inclusive, eu tenho uma parada naquela pegada”.
Faz parte da evolução também, né!? Principalmente com as produções e agendas, algumas coisas acabam ficando em segundo plano. De fato, as batalhas têm revelado novos MCs para o mercado, mas qual sua visão sobre esses artistas que estão saindo das rinhas e conquistando espaço?
Mano, isso eu acho que é uma das paradas mais incríveis. Isso eu posso falar que não foi do nada, tá ligado!? Eu estava ali, lutando por essa mudança também… porque, pô… lá em meados de 2009-2010, quando começou a dar uma focada no movimento de batalha, a cena era outra e os artistas que estavam saindo das batalhas pra entrar na música foram poucos. A gente tem o Emicida, o Rashid, Projota, Predela… porém, durante anos meio que ficou uma janela, porque o cenário de batalha em outros lugares que não estavam no eixo (Rio – São Paulo), como o Nordeste, o Centro-Oeste e até o Espírito Santo se desenvolveram de uma forma muito grande, por já serem cenários com uma cultura Hip Hop forte. Então, os MCs de batalha que vieram dessa geração, que é fruto da geração anterior à nossa, tinham essa mentalidade de que era possível fazer acontecer. Só que a gente ainda não tinha estrutura, como qualquer movimento, como qualquer negócio que está começando, a gente não tinha noção. O rap não estava tão inserido assim no mercado industrial da música. Atualmente, acho que o cenário de batalha foi tanto uma ajuda para o cenário nacional, quanto o rap ajudou na evolução das batalhas. Foi um nivelando o outro. A geração atual que a gente tem, porra… o Orochi, que é um dos maiores artistas do Brasil, não só em questão de números. Hoje ele é um dos caras mais importantes do cenário nacional, e tem uma gravadora que gerencia outros, que também são alguns dos maiores artistas do país, tá ligado!? Então, acho que isso tem a tendência de ficar maior e proliferar cada vez mais, porque a batalha, diferente de outros meios, te dá essa base de que a cultura precisa estar em constante expansão pra que a gente possa estar ganhando mais e retribuindo de certa forma. Mesmo que não queira ou não goste, você vai contribuir com aquelas pessoas. É assim, se eu ganho ele ganha, se ele ganha eu ganho. Esse era o nível que a gente sonhava, e tende a ficar maior com esses MCs das batalhas conseguindo seguir carreira.
Você não está dentro do famigerado eixo, mas tem conseguido desenvolver uma carreira sólida e se movimentar. Isso não é para todos que não fazem parte desse circuito que privilegia RJ e SP.
Essa é uma das questões que acho que a gente fala pouco. O Espírito Santo (onde moro) destoa completamente do eixo, mesmo sendo no sudeste. Já BH está um pouco mais inserido, mas aqui é um estado que era muito escasso de referências na cultura pop, na mídia… o que era daqui ninguém sabia, tá ligado!? Os artistas mesmo não viam uma oportunidade, porque aqui era um mercado zerado. Pra fazer alguma coisa aqui, alguém tinha que ter iniciado algo, assim como acho que o cenário das batalhas fez, porque deu outro movimento pra cena local. Hoje em dia no Espírito Santo, as batalhas estão se reerguendo de uma forma absurda, e o rap caminha junto porque a partir daí vieram muitos shows, oportunidades, muitos artistas de fora vieram pra cá. Isso foi duro porque não somos os primeiros a tentar dar visibilidade ao Espírito Santo, mas acho que dessa forma demos um passo enorme para o nosso estado, que foi mostrar nossa cara. Fazer isso foi muito complicado, porque tem gente que não sabe nem onde fica o Espírito Santo. Era um estado que precisava urgentemente de alguma representatividade na cultura local. Então, o rap se tornou essa representatividade. A partir daí, a gente abriu portas para inúmeros mercados que estão só começando. Temos o César, que eu coloco fácil, fácil no meu top de rappers com representatividade que a gente tem no Brasil, entende!? Como eu falei, véi, esse é só o começo, porque a gente não tem nada comparado a outros estados.
A gente não tem um mercado aqui dentro, onde (por exemplo) a gente consiga ter 10 artistas que estão milionários. Aqui a gente está num lugar onde tem que se matar 10 vezes pra poder conquistar o nosso espaço lá em cima. Mas acaba que fica difícil também, porque quando você tá num local que você tem que ser o empreendedor, você tem que ser o investidor, você tem que ser o visionário e a mão que edifica, é uma responsabilidade maior. Não falo só da minha parte, mas de todos que conseguiram dar um passo. E hoje a gente está lançando artistas no Brasil inteiro… porra, a Budah, que não faz um show vazio nunca mais. Ela é uma artista absurda, saiu no Colors. Tem o VK, que é absurdo, o César, a Morenna, o Solveris… a gente tem uma safra enorme de artistas que ainda está crescendo, e é muito difícil afirmar pra essa galera que o bagulho vai acontecer, mesmo eles sendo fodas, porque querendo ou não quem não é do eixo acaba ficando um pouco limitado. Hoje a gente tem muitas amizades, muitas pessoas que olham pra cá. Acredito que isso é fruto das batalhas. A galera dessa nova geração tem sido mais conectada do que a galera que veio antes da gente. Tanto que se você observar, a maioria da rapaziada é apadrinhada por pessoas específicas da geração anterior à nossa. E todo mundo é próximo, todo mundo é amigo… mesmo que a galera ache que às vezes tem treta, todo mundo ali cresceu (artisticamente) junto. Quando o cenário do rap estava se expandindo, as batalhas estavam ali e os MCs podiam se encontrar.
Para você que está inserido, digamos, no mercado, o rap ainda vai crescer ainda mais desenvolvendo sua própria indústria, como acontece no sertanejo, ou já chegou a um nível OK, chegamos onde queríamos? É possível fazer que o rap tenha força de mercado e bata de frente com outros gêneros que dominam o cenário musical brasileiro?
O sertanejo é um som que chega em todos os lugares por causa da grana, mas uma parada que acho que ninguém repara é que ele é o estilo mais atualizado no quesito mercado. O sertanejo, às vezes, continua no TOP 1 porque o mercado deles é muito organizado. Acho que o rap tem muita potência pra isso, potencial para estar à frente e se organizar não só como movimento na indústria, mas crescer ainda mais como movimento político, né mano!? O rap é música, mas o Hip Hop é político e o rap é a música da cultura Hip Hop. Acho que essa possibilidade que o rap tem para ser o meio onde esteja produzindo os próprios artistas, gerando e fazendo o dinheiro circular no próprio círculo é um passo. Acho que nos próximos anos a gente vai ver isso acontecendo, mas para superar o sertanejo, a gente teria que mudar uma organização pessoal, que é os MCs e os artistas se ligarem na base. Se a gente não se atualizar da forma de trabalhar, descer do nosso ego pra compreender o que é maior que a gente… que o próximo muitas vezes é tão grande quanto a gente, não vamos evoluir. Mas acho que a gente consegue dar esse passo simples. O rap é o gênero mais escutado no mundo, e aqui o sertanejo é o gênero que está sempre se renovando. Hoje tem mais a ver com o trap. O funk no brasil tem mais a ver com o trap, tá ligado!? Então, falar que o rap e os seus gêneros não vão dominar o país com a organização da indústria é fechar os olhos, porque, mano… olha o que a gente está fazendo. Eu sou o tipo de cara que fica feliz toda vez que um artista novo desbloqueia uma nova barreira, porque eu vejo isso como um ganho para o cenário, para a história. A gente está fazendo a história agora e nos próximos anos acho que vai ser só mais e mais.
E o rap tem feito esse lance de desbloquear e hackear o sistema por dentro, para entrar aos poucos em lugares que antes não era bem-vindo. Por outro lado, a indústria também tem observado que é impossível não deixar essa galera entrar…
Não tem como você brigar, tá ligado!? Não tem como você brigar com uma galera que vai brigar pra sempre. Tipo, não vai acabar em mim. É como o Chorão falou: quando eu partir outro guerreiro vai nascer.
Falando de projetos futuros, o que está por vir?
Tem projetos pra vim aí, mas não sei se posso falar ainda…
Pode, claro que pode (risadas)!!
(risadas) A gente tem bastante coisa pra soltar. Estamos trabalhando um disco, mas não pra agora (é segredo). Queremos trabalhar num bagulho diferente, foda como sempre, mas dessa vez mais conciso, com mais coisas pra mostrar. Eu tenho mais de 100 músicas gravadas que nunca saiu… eu produzo muita coisa. E a gente está sempre estudando também. Os moleques que produzem comigo, o Nvhuel (produtor de Nascido Pra Ser Rei), o Tibery, o Felipe. Então, ainda vamos ter outros singles, mas estamos preparando um projeto bem foda.
E o trap vai ser o carro chefe ou pretende experimentar outras sonoridades?
Eu gosto de trap pra caralho. Nós é muito trap, você tá ligado. Mas eu tô sempre explorando outros estilos, eu não me prendo. Por isso que estamos trabalhando uma parada nova pra também trazer outra textura pra nossa sonoridade, mas de uma forma que a galera consiga compreender melhor. Acídia eu acho que é um dos trampos mais à frente desses últimos anos, não que eu seja egocêntrico (acho que à frente até de mim), mas foi um trabalho que a gente lançou, que porra… eu uso como referência hoje em dia para produzir músicas que eu não dava tanta atenção ou que passaram bastante tempo… porque, nessa constância de estarmos nos observando, a gente prepara algo mais irado, não só com base no que a gente já faz. Estou sempre olhando pra frente. O disco é uma parada muito foda para entregar e eu tenho muita ansiedade, então eu estou tentando controlar para não falar demais… mas só coisa foda. Não tem um trabalho que eu fiz, que não consigo olhar de uma forma absurda. A gente tira coisas, coloca coisas, mas só trabalho foda.
O Acídia veio pra dar uma movimentada no cenário de trap. Quando ouvi, falei: “esse moleque tem visão. Veio numas ideias bem foda”. E realmente, naquele momento já estava bem à frente. É por isso que deram o papo: “fica de olho no trabalho do Dudu!” De lá pra cá, o que você acha que mudou e o que você pretende conquistar como artista? Acha que já chegou onde queria, ainda tem mais pra evoluir ou esse processo de evolução é constante?
Eu acho que agora vai ser uma mudança, uma transgressão, tá ligado!? Pra quem escutou Acídia principalmente… pra mim aquele disco era a ponta do iceberg, era um compilado de trabalhos que a gente fez, e precisava lançar, antes que se tornassem ultrapassados pra gente… e hoje eu acho que é um bagulho muito avançado. Então, agora estou em outro nível… mais maduro, mais evoluído. Passei muita coisa também na vida pessoal… então, acho que agora vai ser um trampo mais livre. Acídia foi um piso, não um limite do que eu posso fazer. Foi a saída para que a gente pudesse se libertar e continuar fazendo trabalhos mais fodas. Por isso, agora vão vir muitas coisas diferentes não só liricamente falando, mas esteticamente também. Agora, estou num momento, que porra, quero soltar trabalhos mais fodas do que nunca… longe da perfeição, porque como você falou, pra mim a evolução é constante. Mas agora estou num nível completamente diferente daquele. Então, geral pode esperar mesmo porque o bagulho está insano. Vamos elevar o nível de novo.