Madureira é a área do Ramonzin. Toda efervescência da Capital do Subúrbio do Rio de Janeiro está presente na arquitetura do álbum “Arteiro”. Esse também pode ser considerado o mais versátil de tudo o que o MC apresentou nos seus mais de 20 anos no rap. Tem sua originalidade na fórmula. Destoa do quem tem sido feito atualmente, porque carrega a musicalidade brasileira no alicerce. E esse é o posicionamento que ele segue desde os primeiros registros. Não quer seguir o bonde. Pega um desvio para criar um resultado distinto. Sua arte, reflete a verdade que ele pretende compartilhar.
“O meu estilo de música é muito plural. Já no EP “Made In Madureira” eu misturei muita coisa. Então, lá você tinha o funk, tinha o rap, o samba, e um bolero (que foi uma das melhores canções que eu já fiz)”, diz ele. “Então, eu trouxe isso pro Arteiro. A minha ideia é realmente apresentar todos os tipos de manifestação artística, sejam visuais, na estética, e na música. Então, esse disco é uma evolução do que era Made In Madureira, só que focado numa apresentação artística. Eu fui explorando diversos coisas, que é o que o arteiro faz né, cara. É a concepção do arteiro, do cara que experimenta, que é desafiador, o danado, que está ali sempre questionando. Estou apresentando essa pluralidade de sons dentro desse universo do rap, para apresentar o que a gente consegue transformar dentro dessas caixinhas que a gente costuma nichar.”
Toda essa multiplicidade musical, que funde o rap com samba, funk, pop, ijexá e trap, também reflete nas parcerias com o BK, Djonga, Luedji Luna, Malia, 3RDW, L7NNON e MV Bill. Mas apesar de cada um contribuir com experiências próprias, todos colaboram para que Ramonzin compartilhe sua verdade, sentimentos, vivências.
Pra mim é mais difícil falar o que não vive… Observando muita coisa que as pessoas vão lançando, a gente vê muita fábula, muita história pra se formatar, pra se embalar, pra se vender, entendeu!? Eu acho que as melhores músicas que eu tenho são as músicas mais verdadeiras, embora eu tenha tentado fazer outros movimentos nessa questão da escrita, de transformar uma leitura mais genérica… mas, cara, não funciona. Não dá tanto resultado quanto você contar uma parada que é tão sua, tão própria. Ou seja, quando fiz ‘Vivência’, eu falei sobre minha vida. Eu botei um áudio do meu pai, o BK falou as verdades dele. Tudo fica muito mais fácil quando você faz esse mínimo, quando você fala o que você é e o que você vive… o genuíno. A coisa genuína é mais enérgica, contagia as pessoas.”
E falando em contágio, Ramonzin decidiu colocar seu bloco na rua em plena pandemia. Essa problemática atingiu toda a classe artística (principalmente os que soltaram discos antes do isolamento social ser decretado) que tiveram de cancelar shows e turnês de lançamento. Mas para o rapper esse não tem sido um grande problema. Por não ter apresentado um projeto completo nos últimos anos. Não podia segurar mais apenas para atender a agenda comercial.
“Como eu não lanço um álbum a muito tempo, a gente pode imaginar isso de duas formas”, ressalta. “Então, eu não estou muito refém da realidade comercial de hoje, porque as pessoas estão lançando muitos singles e eu não. Assim, paralelo do que está acontecendo eu tenho a minha história. O meu caso clínico é esse: eu tô muito tempo sem lançar material e tô com mais material pra lançar pra frente. Então, eu não precisei segurar coisas pra ir lançando aos poucos. Essa era a hora”.
Ele também acertou no timing e no conceito do videoclipe de “Vivência”, feito em parceria com o BK. Sua forma simples, no melhor estilo quarentena, foi essencial para conquistar o prêmio Los Angeles Internacional Music Video Festival (LAMV), na categoria de melhor videoclipe brasileiro. “Tava todo mundo meio desanimado, querendo no mínimo lançar arte, lançar música”, observa Ramonzin, que é complementado por BK: “o clipe foi feito bem no começo da pandemia, e era um período de muito medo, tá ligado!? A gente não sabia como ia ser esse lance de se locomover e fazer as coisas acontecer. Tipo assim, o mais maneiro do clipe ter sido indicado foi isso: foi um mano só lá me filmar, um mano foi lá filmar ele, e depois se juntou as imagens. O resultado foi muito. O trabalho foi perfeito, e o desdobramento da perfeição foi isso: a indicação… Los Angeles”.
Talvez essa seja a música que define o trabalho de Ramonzin. Nela está depositada as diversas experiências dele como pai, filho, preto e periférico. Porém as ideias e ideais não ficam restritas a ela. “Carnaval eterno” também mostra sua personalidade, inclusive de amante da folia, e “Gueto Feroz” ressalta o poder e a riqueza cultural da quebrada, tendo o funk como direcionamento [que faz os falantes do carro estremecer]. No conjunto da obra, “Arteiro” é conciso. Diverso. E extremamente necessário, pelo que é abordado e por sua estrutura rítmica.
“Eu cada vez mais intendo a força que as palavra têm. Eu não tenho uma referência específica sobre palavras que foram cruciais na minha vida, porque eu to sempre ouvindo coisas importantes de pessoas que estão do meu lado. Muitos tem palavra, né, ma poucas sabem como usar”.
*Foto: Red Bull Content Pool