Há pouco mais de um ano conversei com o BK no João Rock, em Ribeirão Preto. Perguntei se ele tinha assistido a série “Olhos Que Condenam”, que naquele momento estava em alta, a resposta negativa veio acompanhada da frase: “Eu não quero mais ver isso de preto se fudendo toda hora”. De lá pra cá as coisas pioraram ainda mais. Os casos de racismo ficaram mais evidentes, a violência policial aumentou (ou só veio à tona por conta dos vídeos), assassinatos e prisão indevida de pretos se multiplicaram.
Nem sempre ativo online, Abebe Bikila é estratégico. Faz seus planos sem contar nada para ninguém. Quando menos se espera, ele chega para reafirmar seus posicionamentos, contestar o status quo e mostrar, principalmente para os mais novos, que é necessário olhar além do horizonte. Os 36 minutos de “O Líder em Movimento” é isso.
Dessa vez, ele não quer somente ver pretos fazendo dinheiro. Suas reflexões vão além das peças materiais, apesar delas estarem presentes – impossível não estar. BK dá uma visão de futuro. Do que precisa ser feito para se manter vivo. Enaltece a autonomia dos seus pares. Incentiva o fortalecimento entre eles. Grita por liberdade. Reverência seus heróis mortos. Agradece os parceiros. Resiste. Defende seus pontos.
“Dinheiro pra nós não é luxo, dinheiro é proteção” .
É evidente que o terceiro disco do BK não é de fácil digestão. Parece não ter sido feito para isso. É necessário ouví-lo algumas vezes para entender a proposta. Degustá-lo. Pegar cada detalhe. Os versos são bem arquitetados. Pode ser considerado um manual de instrução para líderes que ainda não assumiram o posto e, liderados, em busca de representatividade. Expressa verdades desconfortáveis para a maioria [sem massagem].
“Eles gostam quando preto dança, grita, chora.
Eles temem quando um preto pensa”.
Não é possível comparar “Líder em Movimento” com nenhum outro trabalho do BK nem de qualquer outro artista — pode ser que exista paralelos. É pontual. Único. Faz um registro fotográfico do momento caótico da sociedade (é verdade que algumas vezes faz isso de forma redundante). E deixa claro que todo preto, como o interlocutor, pode conquistar, fazer escolhas, fortalecer os próximos, ganhar dinheiro, usar o que quiser e continuar lutando para que no final haja uma vitória coletiva. Não é autoajuda, mas sim autoafirmação.
“O universo não vê bem, não vê mal, ele vê vontades. Que a minha vontade seja maior que a dos meus inimigos. Universo não vê bem, não vê mal, ele vê verdades […] por que tu acha que eu não minto”.
Talvez “O Líder em Movimento” não seja para curtir, deixar no repeat várias vezes. Não é viciante. É mais para fazer pensar. Educada.