Sinceramente, poucas vezes parei para acompanhar com atenção o trabalho do Filipe Ret. Talvez por falta de interesse mesmo. Mas decidi parar e ver “Cidade dos Anjos”. Fui pego pelo direcionamento do filme. E me surpreendi com a entrega. É impactante. Sensível. Nos faz refletir sobre a gigantesca diferença social que existe no Brasil em pleno 2020. Não tem como fechar os olhos e fingir que isso não está acontecendo. Ret levanta questionamentos importantes da complexa relação (em sua maioria abusivas) entre empregadas domésticas e suas “patroas”.
“Ele superou os clipes tradicionais e conseguiu transmitir a mensagem com profundidade, beleza e esperança”, diz Filipe. “No resultado eu vi que o meu sentimento germinou através do trabalho da equipe. É sem dúvidas o projeto audiovisual mais especial da minha carreira”.
O roteiro de Ayana Amorim e Juliana de Jesus, com direção de Samuel Costa, aborda a trágica história de Tereza, uma empregada doméstica que teve de ir trabalhar no pico da pandemia e se tornou uma das primeiras vítimas fatais da covid-19. Se não fosse ela, poderia ser minha mãe, tia, sogra ou avó. Infelizmente, é a realidade de muitas (e muitas) mulheres pretas e periféricas.
“É como se a gente conseguisse finalmente documentar essas pessoas como elas são, com humanidade, com nome, endereço, com família e não como um número”, diz Juliana. “É sobre mudar o pensamento sobre si mesmo e sobre o mundo para construir um novo horizonte. ”
Todo o time escalado pelo rapper foi formado majoritariamente por pessoas pretas. O protagonismo também. “Eu, como rapper branco, reconheço e admiro que o gênero que eu escolhi para ser a minha arte é do povo preto. Nós brancos temos que ter essa consciência, temos que enaltecer essa cultura tão rica em musicalidade e ancestralidade e levar visibilidade para esse tanto de vozes que já existem e merecem ser ouvidas por todos”, afirma.
Após da seção de “Cidade dos Anjos”, a chave mudou. Deixei o lado crítico de canto, e passei a dar um maior valor ao trabalho do Ret. O importante de tudo isso é que ele não ficou somente no discurso, partiu para uma ação efetiva. Dar voz a quem sempre é silenciado é extremamente importante nesse momento de crises (sanitária, social e racial) e insanidades.
“É sobre reconhecer quem são os anjos que estão aqui na Terra, se sacrificando pelos outros, o que vai muito de encontro com a letra da música”, observa Samuel. “Espero que as pessoas reflitam, reconheçam seus privilégios e pensem quais são as suas contribuições para o mundo”.
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