Concentrado, BK caminha em direção ao palco acompanhado da sua mãe. Está com um imponente cordão dourado no pescoço, jaco alaranjando da Supreme, calça preta e Yeezy 500 no pé. O fotógrafo João Victor Medeiros que o acompanha diz que, segundo orientações, ele deve entrar segurando uma lata da cerveja patrocinadora do Festival. Ele contesta. “Ninguém disse nada pra mim. Vou entrar com nada não”.
Na coxia, o rapper anda de um lado para o outro tipo um lutador de boxe prestes a subir no ringue. Juntamente com a banda, no palco, “JXNV$” pede para todos darem as boas vindas para o criador de “Castelos & Ruínas”, “Gigantes” e uma série de trabalhos que tem conquistado os ouvidos mais exigentes. BK corre para a frente e levanta geral. Já na segunda música, tira o casaco e joga pra sua mãe segurar. Dali pra frente a temperatura só foi aumentando.
Quase duas horas depois reencontro BK rodeado dos parceiros. Djonga e o seu bonde também estão por ali. Numa caixa de som portátil ecoa um dos sucessos do Revelação. A mãe do BK samba alegremente. O clima é de celebração, como se estivéssemos em família. A marola de terceiros toma conta do ambiente. As ideias fluem.
Você veio numa crescente com vários projetos. Aí tudo se consolidou com “Castelo & Ruínas” e, logo na sequência, “Gigantes” chegou…
Castelos & Ruínas é tipo minha tatuagem, não sai mais…
Todos esses trabalhos estão ligados a conceitos. E isso num período tecnológico em que a música parece estar se tornando descartável. Chegaram a pensar nessa questão durante a construção de cada um deles?
A gente sempre conversa sobre isso… Vamos criar o caminho mais difícil? Pode ser! Mas é o caminho que a gente escolheu. Eu acho que é mais arriscado você entrar na onda, do que você se organizar pra ter uma carreira e montar as suas paradas de fato. Foi isso que a gente fez. A gente escolheu fazer a nossa parada e a nossa cena, sabe qual é? Tem vária cenas no rap, mas a nossa intensão… você pode pegar isso pelo Nectar (Gang). Quando o Néctar saiu, o rap do Rio de Janeiro não gostava do Nectar, os blogs e sites não gostavam do Néctar, mas o Néctar movia uma galera no Rio de Janeiro. Então, a gente criou a nossa própria cena com o Néctar e o BK continua isso, criando a própria cena. É um desafio nosso, tá ligado? A gente viu nos dois primeiros meses, a diferença que a galera sentiu de “Castelos e Ruínas” pra “Gigantes”. Mas é uma coisa que a gente quer criar, pois estamos pensando a longo prazo. A gente quer criar uma carreira mesmo, tá ligado? Tirar a parada da internet e fazer funcionar na rua, de verdade. É o nosso desafio.
Hoje, vejo que a grande maioria dos novos MCs querem estourar já no primeiro som. Mas, como não olham lá na frente, estouram depois somem.
Eu não julgo quem faz o som pra explodir na hora. É a escolha do cara. Mas a nossa escolha foi esta: a gente quer tá pra sempre na parada. Queremos ser lembrados no futuro como Djavan é pra MPB, a gente quer ser pro RAP, tá ligado? A gente sabe do processo. Mas eu tô com 30 anos ainda e tenho muita coisa pra criar e pra se desafiar. A hora de acertar e errar é agora.
Os Racionais MC’s e outros pioneiros do RAP brasileiro foram referência para que você chegasse até aqui. Por outro lado, tem uma nova geração que está pegando o seu trabalho como exemplo. Como é essa responsa?
Cara, a minha maior referência de estar fazendo a parada foi o (Mano) Brown. Por tudo que ele fez, dos Racionais ao Boogie Naipe, me deu a possibilidade de fazer “Castelos & Ruínas”, o “Volume 7”, com a Pirâmide (Perdida), e “Gigantes”. Ele é um cara que sabe o que representa, mas sempre se desafia, tá ligado? O D2 é outro cara que desafia [dirigiu um filme]. O maneiro da arte é isto, você se desafiar. É tipo um atleta, vocês está treinando, correndo, se desafiando, ultrapassando seus limites.
“Agora é só preto fazendo dinheiro. Eu vivo pra que isso se torne realidade”
A coletividade também é importante para fazer “a roda girar”?
Sim, claro. Pelo o que o RAP começou a ser para o mainstream… para a indústria da música… se a gente tiver unido vamos conseguir mover mais coisas do que separado. Muitas vezes não é fácil se unir, porque são pessoas diferentes, com opiniões diferentes. Tipo eu tenho muito amigo no RAP que é parceiro mesmo, mas a gente não faz som junto porque as ideias não batem tanto.
E qual é a sua visão desse atual momento do RAP ? Essa pergunta eu tenho feito para vários MCs na intenção de saber se o RAP vive o seu melhor período, considerando a exposição e a entrada em lugares que antes não era possível.
Acho que não. A gente está construindo para que se estabilize. Não adianta ter 2-3… E não adianta a galera querer cobrar porque o bagulho não é assim. Não tá geral rico… não tá geral com dinheiro… não tá geral com os espaços todos. Uns caras abriram as portas e a gente está tentando outras para de alguma forma estabilizar pro RAP. É igual, você vai na festa de funk, cinco MC de funk faz um show numa cidade na mesma noite. Se você for colocar cinco MC de rap na mesma noite, dependendo do lugar, um lugar vai ficar muito bom os outros vão ficar uma merda, tá ligado? Então, a gente tá no processo de se firmar. Quando se firmar eu vou falar: “agora é o momento”. A gente tá crescendo… é só o começo.
Tocar nos grandes festivais com banda já é uma amostra desse crescimento?
A gente fez o disco pra isso. Tipo pensando: “mano, imagina se a gente toca no Lolla o ano que vem?” É uma realização e a gente quer continuar neste rolé, que é um rolé que eu gosto muito. Gosto muito da organização, do palco ser grande, do som ser bom… de você poder apresentar um show e não apresentar hype, tá ligado? Essa sempre foi minha vontade… a Juyè não veio porque tá grávida. Deixei ela descansando e já estamos gravando o disco dela. Ta aí o Jonas, a banda… Não dá pra você levar tudo isso pra uma boate. E os espaços que dão essa condição de fazer um show assim são somente os grandes festivais… gente pra caralho, geral cantando, som bom…
E sua mãe está sempre te acompanhando.
Ela gosta muito de viajar. E eu gosto quando minha mãe tá presente, porque quer dizer que a gente tá no caminho certo. Minha mãe é referência. Então, quando ela tá presente é porque está dando certo.
O que podemos esperar num futuro próximo?
Eu quero lançar mais um disco agora… eu já to com ele na minha cabeça. E eu quero fazer discos assim, como posso dizer… inspirado. Eu não quero fazer nada forçado. Não quero forçar a escrita, não quero forçar o conceito, a vibe. To com um pra agora, mas se surgir inspiração pra fazer outro no próximo ano eu faço. Se não fluir nada eu não vou fazer, vou ficar estudando e fazendo shows… deixar rolar, deixar fluir. Eu alimento muito a minha mente, tá ligado? Eu lei muitas coisas, vejo muitos filmes. Na realidade eu vejo muito mais filme do que eu leio… mas to sempre procurando alimentar essa inspiração. Mas se não rolar nada esse ano eu não lanço, se rolar o ano que vem eu lanço… se rolar coisa daqui há 20 anos eu vou lançar.
E quais filmes você tem assistido para se inspirar?
Deixa eu lembrar… [“Mano, qual o nome daquele filme que o cara, um negão, é um maluco que faz umas esculturas e começa a namorar com uma mina que é amiga dele de infância… Aí ele é acusado de estupro, mas ele não estuprou… Não tá ligado qual é esse filme?”, pergunta BK ao fotógrafo João Victor sobre o filme “Se a Rua Beale Falasse” (f Beale Street Could Talk ), uma adaptação de Barry Jenkins (Moonlight) da obra de James Baldwin, de 1974]. Outro filme que eu gostei pra caralho foi o do Fred Mercury, “Bohemian Rhapsody”. Esse filme é muito bom, muito bom, muito bom pra caraio.
Chegou a ver a série “Olhos Que Condenam”, da Ava Duvernay?
Não vi e nem vou ver.
É pesadão!
Cara, é uma parada que eu comento muito com o meu irmão… eu já vi muito isso acontecendo. Tipo, um amigo tá com um beck no bolso os caras colocam um quilo e os moleque pegaram 5 anos de cadeia. Tinha amigo que não era envolvido e a polícia entrou na comunidade e matou. Mano, eu não quero mais ver isso de preto se fudendo toda hora. Não precisa ligar a TV, a gente vê do nosso lado. Essa série pra mim não serve porque eu já vi muitas vezes essa porra acontecendo… pra mim ela não serve.
Assisti os primeiros 40 minutos e desisti. Um daqueles moleques poderia ser eu, meu irmão, meus primos…
Então, geral vem falar pra ver… mas a gente direto vê filme de escravidão. Não vejo mais filme de escravo. Todo o bagulho que tiver preto se fudendo eu não vejo mais. Eu com 30 anos vejo isso. Imagina minha mãe com mais de 50. Imagina os caras mais antigos que minha mãe. O lance é injetar coisas boas entre os nossos. Não é ignorar o que acontece. Mas injetar coisa boa e elevar a moral dizendo pras pessoas: “você é incrível”… os playboys brancos quando nascem tem o pai e a mãe dizendo: “meu filho você é demais, faz um curso porque você é foda”… já nós, nossos pais não sabem nem falar, dependendo da família. Eu tenho a sorte de ter a mãe que eu tenho. Mas muitos não tiveram a mesma sorte… uns morreram, outros estão presos. Por isso, esses bagulhos de negão se fudendo eu não vejo mais.
Agora é só preto fazendo dinheiro?!
Agora é só preto fazendo dinheiro. Eu vivo pra que isso se torne realidade… eu sei que a música não é de ações que a gente vê, de fato, mas ela é uma ideia que tem que ser injetada na cabeça.
Indicamos também: O João Rock se rendeu ao RAP. Leia aqui.