Calor intenso em São Paulo. Na caminhada da estação Itaquera até a Arena Corinthians é possível sentir o fervor do sol. Mas, muito mais quente que o sistema solar está o palco do Festival Sons da Rua, comandado pelo mestre da simpatia Thaíde, na companhia do legendário Grand Master Ney. O público abraçou a proposta. Os estilos são distintos, do old school aos mais modernos, passando por combinações que dificilmente se encontra no cotidiano. É uma junção de tribos. No RAP, bem como nos demais gêneros, há muitos grupos de identificação. Mas o interesse é comum: todos estão ali para curtir o dia na companhia de boom baps, traps, funks, gangsta. Enquanto no palco principal DJs e MC’s se revezam, no “pequeno” espaço da CupNoodles acontece diversas batalhas. A aglomeração, mãos para o alto e o grito de “mata ele” (no sentido de acabar com o opositor na rima) mostra a importância do freestyle na cultura das ruas. Dois paredões de containers compõem o ambiente. Neles, dois grafiteiros embelezam o cenário com suas artes.
Todos respiram Hip Hop. É mais de 16hs. Thaíde fala sobre o espaço que as mulheres têm conquistado no RAP – por mérito delas. Na sequência, ele anuncia Alt Niss. Acompanhada de uma back vocal e seu Dj, a cantora está de body branco, combinando com a calça preta desabotoada e óculos no melhor estilo anos 50. Alt Niss intercala seus singles com canções que fez no Rimas & Melodias. “Zona Sul 89” levantou geral – que cantou junto. Ao final, mesmo relutante, ela adiantou do que está por vir: “Esses 2 singles que eu lancei recente vão pro meu EP… e vai ser tudo dentro desse universo do que eles estão mais acostumados a ouvir: trap soul, uma mistura com house… e de repente umas ideias que eu não falei… não sei… a arte a gente só espera por ela e aprecia.”
A “novata” e impetuosa GABZ colocou mais lenha na fogueira, fazendo um pocket show cheio de ginga. Do rap ao pancadão do funk, Gabz fez geral sair do lugar. Ao final, se rendeu ao público aceitando que se fala bolacha e não biscoito.
Se Gabz colocou lenha, Djonga chegou com um galão de gasolina. Ele é pura tranquilidade nos bastidores. Acompanhado do seu bonde, o MC gosta de ficar à vontade. Está com uma bermuda rosa, tipo samba-canção, estampada com o rosto de Barack Obama. Tira a camisa e relaxa. O tênis com detalhe laranja também chama atenção. Mas não mais que suas correntes de prata que brilha com a luz do sol e os flashs das câmeras. Quando entra no palco, Djonga faz uma metamorfose. Pura energia. Corre de um lado para o outro, pula. Joga o boné para a plateia. Ele puxa o coro, mas diz não poder se manifestar politicamente. A música para e as vozes ecoam: Ei Bolsonaro vai tomar no **.
Djonga continua. Geral vai junto cantando todos os hits dos álbuns “Heresia” e “O Menino Que Queria Ser Deus”. Apesar de todo o sucesso, Djonga é pouco conhecido por alguns. “Ele coloca 20 mil num show?”, pergunta alguém no backstage. Resposta positiva. “Deve ser tipo esses funkeiros que fazem 3 shows por noite”. Após aumentar a temperatura, Djonga tira fotos, dá entrevistas, cumprimenta todos.
O tempo muda. A brisa ameniza o calor. E as nuvens rosadas dizem que a chuva estava por vir. Nem todos concordam. Rincon Sapiência é anunciado por Thaíde. O Manicongo está sem banda. O Dj o acompanha. Rincon assume um sintetizador. Ele comanda a festa e mete a dança. Tem estilo. Nos leds, belas imagens influenciadas por artes africanas colorem o espetáculo. Rincon não deixa a temperatura cair. Infelizmente, ele não controla a natureza da mesma forma que faz todos se mexerem.
Antes de Sapiência encerrar sua participação, uma ventania toma conta do lugar. As telas balançam igual papel. Lonas se rasgam. As placas de metal que fazem a separação dos setores ensaiam voos. Só ensaiam. O palco é esvaziado rapidamente. Rincon sai pelo meio das estruturas. O vento fica mais intenso. O backstage é evacuado. Correria. Todos saem do front e se abrigam com segurança. Tudo paralisado. O vento é cruel, corta a cara e traz areia para os olhos. A chuva chega, bem fraca. Pane no som. Sem informação, muita gente dá linha. Nem mesmo os bombeiros sabem informar se existe alguma possibilidade de os shows serem retomados. Reclamações, descontentamentos. Ponto negativo. Quem ficou deu amostras de que a resistência sobrevive.
No palco minúsculo da CupNudles (o das batalhas), Emicida e Mano Brown – pela ordem – presentearam seus ouvintes com performances irrepreensíveis, no melhor estilo rua. Brown não fez o “Boogie Naipe“. Interpretou sucessos dos Racionais (e 2 sons do LP solo), como já havia me adiantado um integrante da equipe dele. Emicida também fez suas letras ecoarem. Um retorno às origens. Rodeados pela multidão, eles se sentiram à vontade. E em meio ao frio paulistano, o calor voltou a aquecer.
No final, tinha tudo para dar errado [já imaginávamos as manchetes sensacionalistas]. Mas a terceira edição do principal festival de RAP do Brasil, talvez da América Latina, mostrou que, de fato, o Hip Hop é FODA.
*Foto capa: Kamila Oliveira [Kahmi]
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